Todos
aqueles afazeres não lhe impediam de consagrar cada dia duas horas, depois do
jantar, à oração. Retirava-se para a torre do campanário a fim de não ser
perturbado, e um jovem seminarista, chamado André, era incumbido de adverti-lo
quando expirassem às duas horas; durante este tempo 0 nosso Santo absorvia-se
em Deus.
Um dia, André foi adverti-lo, com escrupulosa pontualidade, que o
vice-rei lhe concedera uma entrevista, mas Francisco Xavier não o ouve;
achava-se sentado em um banco de madeira, com as mãos cruzadas sobre o peito,
os olhos fixos no céu e completamente imóvel. André contempla-o por um instante
com admiração; nunca vira coisa que se pudesse comparar com aquela bela e
estática figura. Saltam-lhe lágrimas dos olhos, o seu desejo é conservar-se ali
de joelhos junto do santo Padre, que lhe parece uma visão celeste; porém Xavier
era esperado pelo vice-rei, e tendo-lhe ordenado que o interrompesse naquela
contemplação, forçoso era obedecer-lhe:
- Meu Padre! disse ele finalmente, meu Padre! Vós tendes de ir ao
palácio do vice-rei, que vos espera.
Francisco Xavier não se move; seu olhar conserva-se na mesma fixidez, na
mesma expressão de santidade; só o seu corpo toca a terra, toda a sua alma está
com Deus! André não ousa insistir e retira-se respeitosamente, penetrado de
venerarão.
Duas horas depois, volta para junto do santo apóstolo, que encontra na.
mesma posição e na mesma contemplação. André vê-se forçado desta vez a chamá-lo
para terra, e depois de tê-lo despertado em vão, muitas vezes, toma a liberdade
de tocar no seu braço e de sacudi-lo fortemente!
Como, disse-lhe docemente Xavier, passaram já às duas horas?
- Quatro, meu Padre.
E sai logo levando André consigo, mas à porta do colégio de novo
arrebatado e impelido a voltar, diz-lhe
- Deus quer que este dia seja somente para ele; iremos amanhã à casa do
vice-rei.
Vimos já no decurso desta história que semelhantes arrebatamentos se
repetiam várias vezes no ilustre apóstolo das Índias, e que as mais violentas
tempestades e os gritos de desesperação dos passageiros não o distraíam, por um
instante sequer, das suas comunicações com Deus, e eles diziam então
"É certo que a tormenta cessará, porque o Padre Francisco está com
Deus!"
Durante a sua residência em Goa, retirava-se o nosso Santo, de
ordinário, para um pequeno oratório ou capela colocada no fundo do jardim do
Colégio e, ali, Deus o cumulava de tais delícias, que muitas
vezes o ouviam pedir que moderasse os seus favores.
- É demais! Senhor, é demais! exclamava ele.
E entreabria a batina, saía da capela, passeava no jardim e procurava
refrescar o peito incendiado pelo fogo divino que o abrasava! Julgava-se só, ou
antes, esquecia a terra a ponto de supor que eles não viam e deixava escapar do
seu coração aquele grito de amor que lhe era habitual e que repetia até durante
o curto sono:
"Oh! Jesus! amor do meu coração!"
O grande Xavier, já o dissemos, queria conquistar o Japão, queria
conquistar a China e teria querido conquistar o mundo inteiro para o dar à
Igreja de Jesus Cristo, e por isso carecia de estar constantemente com Deus
para haver, às mãos cheias, os tesouros da sua misericórdia, todas as bênçãos
que desejava para as suas magníficas empresas. Carecia também de estar
continuamente com ele, a fim de lhe testemunhar o seu ardente amor e o seu
imenso reconhecimento pelos favores tão extraordinários com que o havia
beneficiado.
Assim, parecendo-lhe insuficiente o dia, quando chegava a noite, que era
para todos, a hora do repouso, Xavier, que não queria para si outro descanso
que o do Céu, e a quem Deus concedia forças sobre-humanas, saía furtivamente do
seu quarto, descia à igreja, e ali ficava absorto, algumas vezes até à manhã do
dia seguinte.
Acontecia outras vezes, que a natureza reclamando os seus direitos, uma
imperiosa necessidade de dormir se apoderava do santo apóstolo; mas sempre que
isto lhe acontecesse, retirava-se triste, lamentando a sua fraqueza; muitas
vezes, porém, não se podia resignar a afastar-se da doce presença do divino
Salvador. Então, com o amor e o abandono dum filho querido que dorme nos braços
maternos, deixava-se dormir sobre os degraus do altar e o mais próximo possível
d'Aquele a quem amava.
Depois de alguns momentos de sono, voltava de novo às suas orações, e
várias vezes, quando de manhã os Padres entravam na igreja o encontravam em
êxtase, com o rosto iluminado, o corpo elevado acima do solo, e sustentando-se,
por virtude divina, a uma grande altura.
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