Intenso trabalho pastoral em Malaca antes de
seguir para a Índia e desejo do povo que funde ali casa da Companhia de Jesus
13. Em Malaca estive quatro meses54, esperando tempo para navegar
e vir para a Índia. Nestes quatro meses, tive muitas ocupações, espirituais
todas. Pregava duas vezes, todos os domingos e festas: aos portugueses, pela
manhã, na Missa e, depois de almoçar, aos cristãos da terra, explicando em cada
festa, aos novamente cristãos, um artigo da fé. Acorria tanta gente que foi
necessário ir para a igreja maior55 da cidade. Em confissões contínuas estava
muito ocupado. Tanto que, por não poder cumprir com todos, estavam muitos mal
comigo. Mas, por serem estas umas inimizades fundadas num aborrecimento de
pecados, não me escandalizava deles: antes me edificavam vendo os seus santos
propósitos. Aos domingos e festas eram muitos os que comungavam.
47 Sobre os costumes depravados de Hairun, pode ver-se SCHURHAMMER,
Quellen 1378, 1438, 6117. Rebello, que era favorável ao rei, assegura que ele
tinha cem mulheres contando as escravas. Escrevia isto em 1561, quando Hairun
era já velho, acrescentando que não queria ser cristão para não renunciar aos
seus vícios. Refere o mesmo autor que os reis da Molucas têm geralmente todas
as mulheres que podem sustentar.
48 Alfaquis: o mesmo que caciz, isto é, sacerdote maometano.
49 Segundo Rebello, Hairun tinha em 1561 onze ou doze filhos. O
mencionado no texto não era o primogénito.
50 Hairun não cumpriu a promessa e, por isso, Xavier fez que fossem
revogados os decretos obtidos a favor do pretendente (cf. Xavier-doc. 82,4;
126, 1.3; SCHURHAMMER, Quellen 4175).
51 Nuno Ribeiro, S.I., entrou na Companhia de Jesus em Coimbra em
1543. Em 1546, já sacerdote, partiu para a Índia e em 1547 saiu de Goa com João
da Beira para Malaca, a caminho das Molucas, onde trabalhou incansavelmente
durante dois anos. Morreu lá mesmo a 22 de Agosto de 1549, envenenado pelos
maometanos (F. RODRIGUES, Hist. I/1 468; SOUSA).
52 Nicolau Nunes, S.I., nascido entre 1525 e 1528, entrou na
Companhia de Jesus em Coimbra em 1545. No ano seguinte partiu para a Índia,
trabalhou desde 1547 nas ilhas de Moro e em 1557 foi ordenado sacerdote. Morreu
em Goa em 1572.
53 Xavier partiu para Malaca em princípios de Junho (Doc. Indica I
364). Em princípios de Agosto saíram os três companheiros para Ternate
(REBELLO, Informação 299).
54 Mais de cinco meses, pois em Dezembro partiu para a Índia (Doc.
Indica I 367).
55 Nossa Senhora da Assunção.
Todos os dias, depois de almoçar, ensinava a doutrina cristã.
A esta doutrina acorria muita gente. Vinham os filhos e filhas dos portugueses,
mulheres e homens da terra novamente convertidos à nossa fé. A causa por que
vinham muitos, parece-me que era porque sempre lhes explicava alguma parte do
Credo. Neste tempo, estive muito ocupado em [re]fazer muitas amizades, por
causa de os portugueses da Índia serem muito belicosos. Acabada de ensinar a
doutrina cristã, ensinava aos meninos e à gente cristã da terra, uma Explicação
que fiz sobre cada artigo da fé, em linguagem que todos entendem(*carta 58), conformando-me
com as capacidades do que podem conseguir entender os naturais da terra,
novamente convertidos à nossa santa fé. Esta Explicação, em lugar de orações
lhes ensinava em Malaca como o fiz em Maluco, para fazer neles firme fundamento
de crer bem e verdadeiramente em Jesus Cristo, deixando de crer em vãos ídolos.
Esta Explicação pode-se ensinar num ano, ensinando cada dia um pouco, palavras,
que podem bem decorar. Depois que vão entendendo a história da vinda de Jesus
Cristo, e repetidas muitas vezes estas explicações sobre o Credo, ficam mais
fixas na memória. Desta maneira vêm em conhecimento da verdade e aborrecimento
das vãs ficções que os gentios, passados e presentes, escrevem dos seus ídolos
e de suas feitiçarias.
14. Nesta cidade deixei muito encomendado a um Padre de
Missa57, que ensinasse aquela doutrina todos os dias, da maneira que eu
ensinava. Assim mo prometeu de fazer. Espero em Deus Nosso Senhor que o levará
adiante.
Fui muito requerido, à minha partida, de todos os principais
de Malaca, para que fossem para lá dois da Companhia para pregar a eles e a
suas mulheres e cristãos da terra, e para ensinar a doutrina cristã aos seus
filhos e filhas e a todos os seus escravos e escravas, da maneira que eu o
fazia. Fui tão importunado deles, e vejo que é tanto serviço de Deus Nosso
Senhor, e uma dívida que lhes devemos todos pelo muito que amam a nossa Companhia,
que me parece que tenho de fazer tudo o possível para que vão dois da Companhia
este mês de Abril do ano de 1548: é que, neste tempo, partem os navios da Índia
para Malaca e para Maluco58.
[*O apóstolo estremecido não teve pouco que
fazer durante a sua permanência em Malaca; todos queriam confessar-se a ele.
Que doce caridade! que tocante indulgência!
Xavier sabe tudo com
o auxilio do Céu: “Pobreza sim! Avareza não”. João de Eiro viera de Ambóino com o nosso Santo, e sem
nada lhe dizer, aceitou uma considerável soma que um rico português lhe deu
para acudir às necessidades do santo Padre; mas era difícil ocultar-se uma
coisa daquele gênero àquele a quem Deus esclarecia em tudo.
Xavier, que queria viver da pobreza
evangélica em todo o seu rigor, achou tão culpável a ação de João de Eiro, que
julgou dever puni-lo severamente. Ordenou-lhe que passasse' para uma ilha
deserta, vizinha de Malaca, onde viveria e pão e água unicamente, e que
passaria ali os seus dias em ração; acrescentando:
- Um tal ato de avareza é uma injúria feita
à pobreza evangélica; ela deve ser expiada! Ide! não volteis sem que eu vos
chame!
João de Eiro amava o santo Padre com tão
terna afeição, que nem pensou em resistir e desobedecer; não hesitou nem um
instante; deixou-o logo, fez a sua provisão de pão, foi desterrar-se na solidão
que lhe era designada, e ali viveu cumprindo a ordem que recebera.
Um dia, durante a sua oração, aparece-lhe a
divina Mãe com semblante severo; ele quer aproximar-se... ela repele-o e lhe
diz que não deve pretender a honra de entrar na Companhia de Jesus, e
desaparece.
João de Eiro, chamado poucos dias depois por
Francisco Xavier, não lhe fala da sua visão; mas Xavier conta-lha com todos os
detalhes. Eiro, que desde muito tempo desejava entrar na Companhia, julgou que
podia negar o facto procurando persuadir-se que não passava dum sonho, tanto
nele como em Xavier, e negou, portanto, resolutamente.
- Ide! disse-lhe o nosso Santo; eu sei a
quem me deverei dirigir acerca disto. Vás faltastes à lealdade e amais o
dinheiro; não podemos viver doravante juntos; separemo-nos, pois. Contudo,
quero que saibais, para vossa consolação, que Deus vos iluminará e vos
concederá a graça de vos receber um dia na Ordem de S. Francisco
[Aquela predição
cumpriu-se como todas as outras do ilustre Xavier. João de Eiro era já
religioso da Ordem de S. Francisco e nela vivia mui santamente, na época em que
se colheram informações na índia para a canonização do grande apóstolo,
informações nas quais ele concorreu com o seu testemunho, e prestou, sob
juramento, todos os esclarecimentos sobre os factos que lhe diziam respeito e
que, já de nós são conhecidas.].
Xavier, valente guerreiro
em tempo de guerra pela honra cristã – (gritam) "Às armas! às armas! em socorro
da praça! o inimigo está às portas! Às armas! bravos portugueses; às armas!
bravos índios! às armas!"
Este grito de alarme retiniu subitamente no
meio do silêncio da noite, nas ruas de Malaca, a 9 de Outubro de 1547.
Produziu um geral terror nos habitantes e
todos correram às armas; eram duas horas da manhã. O tempo estava quente, um
luar sinistro iluminava a cidade inteira; gritos longínquos, alegres e
prolongados como os gritos de vitória, e multiplicados por numerosos ecos,
misturavam-se com o estrondo das descargas sucessivas de uma formidável
artilharia.
Homens, mulheres, crianças, índios,
portugueses, toda a população enfim, está de pé em um instante. Cada um procura
conhecer o perigo de que é ameaçado; dirigem-se ao porto... Está em fogo!
Todos os navios ancorados são presos das
chamas, o incêndio que devora aquele rico meio de defesa, deixa a cidade à
mercê dos bárbaros que a atacam tão traiçoeiramente! Contudo ela procura
defender-se do interior pelo maior tempo possível, e consegue repelir os
assaltantes que investem ferozmente e pretendem ocupar a fortaleza antes do
dia.
Ao nascer do sol, sete pobres pescadores
entram na cidade; tinham sido surpreendidos pelo inimigo, que depois de lhes
cortar os narizes e as orelhas os enviava, assim mutilados, com uma carta do
general em chefe do exército muçulmano a Francisco de Melo, governador de
Malaca.
[*O governador não se inquietaria
absolutamente com aquela carta se pudesse dispor da sua marinha; porém todos os
navios portugueses se achavam destruídos pelo inimigo, e não podia aceitar o
combate naval; a situação era, portanto, embaraçosa; mandou pedir ao Padre
Xavier que viesse auxiliar com o seu parecer o conselho reunido em sua casa.
Francisco Xavier acabava de celebrar a missa
a Nossa Senhora do Monte; acode imediatamente ao chamamento de Francisco de
Melo, que lhe dá a ler a carta de Soora, e lhe pede a sua opinião. Xavier, que,
segundo a expressão de M. Crétineau-Joly, - "tinha o velho sangue de
fidalgo nas veias" - respondeu-lhe:
- Senhor, o sultão é muito mais inimigo do
Cristianismo do que de Portugal. Por honra da religião cristã é necessário
aceitar-lhe o combate; um insulto semelhante não pode ficar impune! Se vós
suportais aquela injúria deste rei muçulmano, a que se não atreverão todos os outros?
Não! não! é necessário aceitar o desafio, e provar aos infiéis que o Criador do
Céu e da terra é muito mais poderoso que o seu rei Alaradim.
- Mas, meu Padre, como quereis vós que vamos
para a mar? Em que navios quereis que embarquemos? Dos oito que existiam no
ancoradouro, só nos restam quatro cascos de fustas (barcas) arruinadas! e
poderiam elas prestar-nos algum serviço contra uma esquadra tão numerosa?
- Mesmo se os infiéis tivessem um número de
navios muito mais considerável ainda, respondeu Xavier, não seríamos nós os
mais fortes, tendo o Céu por nós? E se Deus está por nós, quem está contra nós?
Poderemos porventura ser vencidos combatendo em nome de Jesus Nosso Senhor?
O grande Xavier pronunciara aquelas palavras
coze um acento tão inspirado, que não deixava hesitação por um só momento sobre
a decisão a tomar, Dirigem-se todos ao arsenal; Francisco Xavier guia e anima a
todos em geral e a cada um em particular: descobrem uma barca chamada Catar, em
bom estado e destinam-na para o combate. Existiam sete barcas fora do serviço e
ele julga que podem ser reparadas; porém Eduardo Barreto, capitão e diretor dos
armamentos, declara a iniciativa impossível:
- Aos armazéns do estado, diz ele, falta
neste momento tudo que é necessário para a obra da reparação e equipamento;
demais, o cofre de reserva está absolutamente sem dinheiro.
Xavier agarra-se então aos sete capitães dos
navios, membros do conselho; abraça-os e suplica-lhes que se encarregue cada um
da reparação e do armamento duma fusta, e sem lhes dar tempo para responder,
designa a cada um a sua, com tanta viveza nos movimentos, tanta grada na sua
exigência e atração nas suas palavras, que todos aceitam com entusiasmo e
empregam imediatamente naqueles trabalhos, mais de cem operários, à sua custa,
em cada embarcação. Em cinco dias ficaram elas em estado de serem lançadas ao
mar. Andréa Toscano, um dos mais distintos marinheiros, tomou o comando da
Catar. Cada capitão vai comandar o barco que reparara, e recebe a seu bordo
cento e oitenta soldados. Francisco Deza toma o comando da frota.
O heróico Xavier pediu para acompanhar a
armada naval; os habitantes de Malaca opuseram-se tenazmente, considerando-se
abandonados por Deus, se o santo Padre os deixasse num momento de tão grande
ansiedade para eles. Dirigiram-se em massa à casa do governador para lhe
suplicarem que retivesse o santo Padre; Francisco de Melo prometeu-lhes pedir
aquele favor ao seu apóstolo deixando-lhe, contudo, a decisão:
Efetivamente, Xavier, não pôde resistir às
suas solicitações e às suas lágrimas
- Sim, meus queridos irmãos, lhes respondeu
ele, eu ficarei entre vós durante todo o tempo desta guerra; orarei convosco
pelo triunfo da nossa valente armada, e espero que Deus, combatendo por ela,
no-la restituirá vitoriosa.
Aquelas singelas palavras bastaram para
acalmar a grande consternação do povo.
Últimos
encorajamentos e falta de fé - Na
véspera do embarque da expedição, Xavier, reuniu na igreja os oficiais e os
soldados da armada naval:
- Eu vos acompanharia, lhes disse ele, de
alma e coração. Vossas famílias pediram-me com tantas lágrimas que ficasse com
elas para as consolar e amparar durante a vossa ausência, que não pude resistir
às suas instâncias e à sua dor; mas seguir-vos-ei com os meus votos e as minhas
orações. Elevarei as mãos para o Deus dos exércitos, enquanto vós arremeteis o
inimigo do nome cristão. Combatei com valor, não para adquirir uma glória vã e
transitória, mas uma glória sólida e imortal!
No calor do combate, dirigi a vista para o
divino Salvador crucificado cuja causa defendeis e sustentais, e em vista das
suas veneráveis chagas, não temais as feridas e a morte! Bem felizes vos
deveríeis julgar se vos fosse permitido dar vida por vida...
- Meu Padre, exclamaram a uma voz todos
aqueles bravos guerreiros, meu Padre, nós juramos aqui, perante Deus e perante
vós, combater os infiéis até à morte! Juramos dar o nosso sangue até à última
gota pela causa de Jesus Cristo l
-Este juramento impressiona-me
profundamente, replicou Xavier, cujas lágrimas traíam a comoção que o dominava.
Jesus Cristo ouviu-o, aceitou-o: vós sois de hoje em diante a falange de Jesus
Cristo! e eu vou abençoar-vos em seu nome.
No mesmo instante, todos aqueles bravos
guerreiros caem de joelhos, o grande apostolo implora para eles as bênçãos
celestes, depois, ouve em confissão a cada um e administra-lhes a sagrada
comunhão.
A expedição embarca na manhã seguinte com um
entusiasmo que parece pressagiar a vitória. Levantam-se ferros... O navio
almirante faz ouvir um ruído medonho!... Abre-se uma veia de água que deixa
apenas o tempo necessário para salvar a equipagem, e o navio submerge-se!... O
povo por toda a praia; grita vigorosamente contra a partida da frota, pede que
se renuncie àquela expedição, revolta-se contra o santo Padre, não obstante
toda a veneração, todo o amor que lhe inspira.
A equipagem do navio almirante estivera em
tamanho perigo e tão próxima da morte, que aquele povo exasperado pelo receio
duma nova desgraça, perdendo a consciência do que diz e do que faz, acusa de imprudente
aquele de quem recusava separar-se dois dias antes.
O governador manda chamar o santo Padre, que
o enviado encontra no altar quase no fim da missa; ele aproxima-se para lhe
falar; o Santo acena-lhe que espere. Depois da missa, Xavier diz ao enviado do
governador, sem lhe dar tempo de falar;
- "Ide dizer a vosso amo (governador) ,
da minha parte, que não nos devemos desanimar pela perda dum navio".
Conservou-se ainda por algum tempo em ação
de graças aos pés do altar da Santíssima Virgem, e ouviram-lhe exclamar com
todo o ardor de sua alma, antes de se retirar
"Meu Jesus, amor do meu coração!
olhai-me dum modo favorável! considerai vossas adoráveis chagas! lembrai-vos
que elas nos dão o direito de pedir-vos o que desejamos! E vós, Virgem Santa, sêde-me
propícia!"
E, levantando-se, corre à fortaleza, onde o
conselho reunido o aguardava e diz ao governador:
- Que é isto, pois! vós perdeis a coragem
por tão pouco?
- Mas, meu Padre, o povo está exaltado!
Fostes vós que promovestes esta triste crise...
- Vamos ao porto, senhor, tudo isto vai
arranjar-se, eu vo-lo prometo.
A gente que acabava de escapar da morte
estava consternada. Xavier enche-se de toda a sua coragem para lhes dizer:
- Sêde firmes na vossa resolução, não
obstante esta desgraça que Deus não permitiu senão para experimentar a vossa
fidelidade. Ele vos salvou do naufrágio, como fim de vos obrigar a cumprir a
promessa que lhe fizestes sob juramento!
- Sim! sim, meu Padre! nós sustentaremos e
cumpriremos o nosso juramento!
Xavier: o bom líder
persiste e gera confiança - Tal foi o grito de expansão unânime da guarnição do
navio almirante, ao qual todas as outras respondem com o mesmo entusiasmo da
véspera. Apesar disso, o governador, deixando-se influenciar pela oposição dos
habitantes, persiste em declarar a guerra impossível... Eleva-se então um brado
formidável das fileiras do exército; os capitães encarregam-se de pedir a
palavra em nome das equipagens, e anunciam ao governador que os soldados
preferem a morte do a rendição; que eles juraram solenemente a Jesus Cristo
combater os infiéis até à última gota do seu sangue, e não cessam de repetir:
"Nós devemos esperar tudo das orações e
das promessas do santo Padre Francisco!"
A esta última palavra, Francisco Xavier,
ergue-se com tom inspirado que dominava todos os espíritos, e diz ao governador
e ao conselho
- A barca perdida será bem depressa
substituída; antes do pôr do sol nos chegarão melhores navios: eu vos anuncio
isto em nome de Deus!
Seguiu-se um momento de silêncio, depois do
qual ficou convencionado que se adiasse a resolução para a manhã seguinte.
O dia correu longo para todos!... O sol
estava quase a desaparecer, quando vieram anunciar que do campanário da igreja
de Nossa Senhora do Monte, se descobriram duas barcas a velas na direção do
norte. O governador manda-as reconhecer por um bote: eram dois navios
portugueses que vinham de Patana, mas que não deviam tocar em Malaca;
pertenciam eles a Soares Galega e a seu filho Baltazar, e cada um comandava o
seu.
Achava-se então o Padre Xavier em oração na
igreja de Nossa Senhora do Monte; foram ter com ele a disseram-lhe:
- Meu Padre, os capitães dos navios não
querem ancorar, e a vossa predição não se cumprirá!
Xavier mete-se no bote que havia reconhecido
os navios portugueses e dirige-se para bordo deles. Os capitães apenas
descobriram o santo Padre, viraram de bordo, aproaram para o bote, recebem-no
com veneração e põem-se à sua disposição, eles, seus navios e suas equipagens,
para o serviço de Deus e do rei.
Foram recebidos com entusiásticas aclamações
do povo, e no seguinte dia de manhã, 25 de Outubro, logo que Xavier enviou ao
almirante Deza o estandarte que haura benzido, a esquadrilha levantou ferro e
partiu.
Não seguiremos a armada, pois que Francisco
Xavier renunciara a acompanhá-la; aguardaremos, pois, com ele em Malaca, a
notícia do seu triunfo ou da sua derrota.
Um mês depois da partida da esquadra, não se
tinham recebido senão notícias indiretas, umas mais assustadoras do que outras;
o nosso Santo animava a todos e prometia o mais feliz resultado. Contudo os
dias sucediam-se naquela mortal incerteza para as famílias, e aquele povo,
sempre pronto a voltar-se para qualquer lado, começava a queixar-se de Xavier;
muitos portugueses foram até fazer em sua presencia insultantes censuras; porém
o angélico Padre respondia àqueles insultos com as mais suaves e humildes
palavras, acrescentando.
- Eu vos repito, porque tenho a certeza, que
a esquadra voltará triunfante.
Predição da vitória
na luta pelo cristianismo - Decorreram ainda
alguns dias e mesmo algumas semanas na desconsoladora incerteza da sorte da
expedição! Num dia dos fins de Dezembro, um domingo, pregava o Santo apóstolo
na catedral, entre as nove e as dez foras da manhã. Pára de repente... os
músculos do seu belo rosto contraídos pela dor e pelo sofrimento; os olhos
abertos; o olhar elevado e fixo: tinha uma expressão seráfica. Depois de alguns
instantes volta-se para o auditório; mas fala-lhe em termos enigmáticos e tudo
quanto se pode compreender é que ele vê duas armadas, em combate e cujos
movimentos e manobras segue com uma agitação que se manifesta em toda a sua
pessoa. Finalmente, dirigindo o seu celeste olhar para o crucifixo que tinha
diante de si, exclama em voz suplicante:
"Ó Jesus, Deus da minha alma! Pai da
misericórdia! eu vos rogo humildemente pelos merecimentos da vossa santa
Paixão, para que não abandoneis os vossos soldados!"
Depois abaixa a cabeça, apóia-se sobre o
púlpito, conserva-se assim, como abismado pela dor, durante alguns momentos, e
levantando-se em seguida todo radiante, exclama:
"Meus irmãos! Jesus Cristo venceu por
nós! Neste mesmo momento, os soldados do seu Santo Nome acabam de pôr em
derrota a armada inimiga. Fizeram uma carnificina horrorosa! nós não perdemos
senão quatro dos nossos bravos soldados; na sexta-feira próxima recebereis
notícias, e pouco depois tornaremos a ver a nossa esquadra".
O governador e as principais pessoas da
cidade não duvidaram da visão do santo Padre; mas não aconteceu o mesmo com as
mulheres e mães dos marinheiros e dos soldados. E o suave e caridoso Xavier,
que tinha empenho de beneficiar tanto os corações como as almas, reuniu todas
aquelas pobres desconsoladas ao meio-dia, e repetiu-lhes tudo quanto tinha dito
de manhã, consolou-as, fortificou-as por tal modo, que elas o deixaram
convencidas.
Na sexta-feira imediata o navio comandado
por D. Manuel Godinho, trouxe a notícia duma brilhante vitória; a esquadra
seguiu-o de perto.
O nosso Santo conduziu o povo para o porto a
fim de receber a expedição, e tendo o seu crucifixo levantado, fez entoar
durante- o desembarque, cânticos de ações de graças, aos quais todos os
vencedores misturavam suas vozes coxas alegria.
A presença do santo Padre fazia crescer a
exaltação geral, porque, se eles atribuíam a iniciativa da guerra ao poder da
sua influência, atribuíam igualmente o resultado ao poder da sua oração, e não
se poupavam de lho patentear com o testemunho do mais vivo reconhecimento.
Tantos elogios, tantos aplausos, apressaram
a partida de Francisco Xavier, que, além disso, já se demorara quatro meses em
Malaca. Fez embarcar a bordo do navio de Jorge Alvares três japoneses, dos
quais falaremos mais tarde; os trinta jovens que trouxera das Molucas partiram
no navio de Gonçalo Fernandes; uns e outros foram com o maior interesse
recomendados ao reitor do colégio de Goa, que os esperava.
Xavier, tendo de demorar-se na Costa da
Pescaria, com o fim de visitar as suas cristandades, embarcou em um outro navio
que se fazia à vela para Cochim.(EM FINS DE DEZEMBRO DE 1547]
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