carta nº 58
EXPLICAÇÃO DO SÍMBOLO DA FÉ (CREDO)1
Ternate, Agosto-Setembro de 1546
Cópia em português, feita em 1553
Folgai, cristãos, de ouvir e
saber como Deus,
criando, fez todas as coisas para
serviço dos homens.
1. Primeiramente,
criou os céus e a terra, os anjos, o sol, a lua, as estrelas, o dia com a
noite, as ervas, os frutos, aves e alimárias que vivem na terra, o mar e os
rios, os peixes que vivem nas águas; e, acabadas de criar todas as coisas, por
derradeiro criou o homem à sua imagem e semelhança.
O primeiro
homem que Deus criou foi Adão, e a primeira mulher Eva. Depois que Deus criou
Adão e Eva, no paraíso terreal, os bendisse e casou e lhes mandou que fizessem
filhos e povoassem a terra de gente. De Adão e Eva viemos, todas as gentes do
mundo.
E pois Deus a
Adão não deu mais de uma mulher, claro está que, contra Deus, os moiros e
gentios e os maus cristãos têm muitas mulheres; e também é verdade que os que
estão amancebados vivem contra Deus, pois casou Deus primeiro Adão e Eva que
lhes mandasse que crescessem e [se] multiplicassem, fazendo filhos de bênção2.
E
assim, os que adoram em pagodes, como fazem os infiéis, e os que crêem em
feitiços e sortes e adivinhadores3 pecam, gravemente, contra Deus, porque
adoram e crêem no diabo e o tomam por seu senhor, deixando a Deus que os criou e lhes deu alma e vida e corpo e quanto têm, perdendo, os tristes, por suas idolatrias, o céu, que é lugar das almas, e a glória do paraíso, para o qual foram criados. Mas, os cristãos verdadeiros e leais a seu Deus e Senhor crêem e adoram, de vontade e coração, um só Deus verdadeiro, Criador dos céus e da terra. Bem o mostram quando vão às igrejas e vêem suas imagens que são lembranças dos santos que estão com Deus, em a glória do paraíso: põem, então, os cristãos os joelhos no chão, quando estão nas igrejas, e alevantam as mãos para os céus, onde está o Senhor Deus que é todo o seu bem e consolo, confessando o que diz São Pedro: Creio em Deus Padre todo-poderoso, criador do céu e da terra.
1
Ensinava-se cantando, ao gosto das crianças. Cf. SCHURHAMMER, Epp. Xav. I
352-354, onde nos fala da catequese ritmica de S. Francisco Xavier, tão vulgar
no seu tempo.
2
No reino de Ternate, onde Xavier redigiu esta explicação do Credo, viviam
portugueses em costumes morais muito influenciados por pagãos e maometanos.
Deles escreve Valignano: «De Amboino foi o P. M. Francisco a Maluco… e achou os
portugueses vivendo em muito peor estado que os de Malaca, porque… se persuadiam
ser-lhes lícito ter todas as mancebas que queriam, para não pecar com as
casadas» (MX I 74; VALIGNANO, História 98).
3
Isto podia-se dizer em primeiro lugar dos pagãos, mas também dos maometanos e
das mulheres indígenas dos portugueses.
2. Criou Deus
primeiro os anjos nos céus que os homens na terra. São Miguel, principal de
todos, e a maior parte dos anjos adoraram logo ao seu Deus, dando-lhe graças e
louvores que os criou. Lúcifer, pelo contrário, e com ele muitos anjos, não
quiseram adorar ao seu Criador mas, com soberba, disseram: «Assubamos e sejamos
semelhantes a Deus que está nos altos céus». E, pelo pecado da soberba, Deus
lançou a Lúcifer e aos anjos que eram com ele, dos céus ao inferno.
Lúcifer, com
inveja de Adão e de Eva, primeiros homens que em graça Deus criou, os atentou
de pecado de soberba, no paraíso terreal, aconselhando-os que seriam como Deus,
se comessem do fruto que seu Criador lhes defendeu4. Adão e Eva, com desejos de
serem como Deus, consentiram na tentação: comeram logo do fruto defeso,
perdendo a graça na qual foram criados. E, por seus pecados, o Senhor Deus os
lançou do paraíso terreal: viveram fora dele, em trabalhos, novecentos anos,
fazendo penitência do pecado que fizeram. Foi tão grande o seu pecado, que nem
Adão nem filhos dele o podiam satisfazer, nem tornar a ganhar a glória do
paraíso, a qual perderam por sua soberba: por quererem ser como Deus. De
maneira que as portas dos céus se fecharam, sem poderem lá entrar nem Adão nem
filhos dele, pelo pecado que fizeram.
Ó cristãos,
que será de nós, coitados?! Se os demónios, por um pecado de soberba, foram
lançados dos céus ao inferno, e Adão e Eva, por outro pecado de soberba, do
paraíso terreal, como [é que] nós, tristes pecadores, subiremos aos céus, com
tantos pecados, sendo clara nossa perdição?5
3. São Miguel,
nosso amigo verdadeiro, e os anjos que ficaram nos céus, havendo piedade e
compaixão de nós outros, pecadores, todos os anjos juntos pediram ao Senhor
Deus misericórdia do mal [em] que nos viram pelo pecado de Adão e Eva. Diziam
os anjos nos céus: «Ó bom Deus e Senhor piedoso e Pai de todas as gentes! Já,
Senhor, é chegado o tempo da salvação das gentes! Abri, Senhor, as portas dos
céus aos vossos filhos, pois nasceu, de Santa Ana e Joaquim, aquela Virgem sem
pecado de Adão, sobre todas as mulheres santíssima, por nome Maria! A sua
virtude e santidade é sem par. De maneira que, em Virgem tão excelente, vós,
Senhor, podeis formar, do seu sangue virginal, um corpo humano, assim como,
Senhor, formastes o corpo de Adão, pela santa vossa vontade. Em tal corpo, pois
sois poderoso, podeis, Senhor, juntamente criar uma alma mais santíssima que
todas quantas criastes. Então, no mesmo instante, a segunda Pessoa, Deus Filho,
descenderá(*descerá) dos céus, onde está, a encarnar no ventre da Virgem Maria.
E, desta Virgem tão excelente, nascerá Jesus Cristo, vosso Filho, Salvador de
todo o mundo. Assim, Senhor, se cumprirão as escrituras e promessas que
fizestes aos profetas e patriarcas, amigos vossos, que estão no limbo,
esperando o vosso Filho, Jesus Cristo, seu Senhor e Redentor»7.
4
Proibiu.
5
Neste lugar expõe Xavier interpelações da meditação dos «três pecados», que faz
parte dos Exercícios Espirituais de S. Inácio de Loyola, que tanta impressão
lhe fizeram na sua conversão (cf. S. INACIO DE LOYOLA, Exercícios Espirituais).
7 Considerações inspiradas na «Contemplação da
Encarnação» nos Exercícios Espirituais inacianos
O alto Deus,
soberano e poderoso, movido de piedade e compaixão, vendo nossa miséria
grande, mandou ao anjo São Gabriel, dos céus à cidade de Nazaré, onde estava a
Virgem Maria, com uma embaixada, que dizia: «Deus te salve, Maria, cheia de
graça, o Senhor é contigo, benta és tu, entre as mulheres. O Espírito Santo
virá sobre ti, e a virtude do altíssimo Deus te alumiará, e o que de ti nascer
se chamará Jesus Cristo, Filho de Deus». A Virgem Santa Maria respondeu ao
anjo São Gabriel: «Eis aqui a serva do Senhor, seja feita em mim a sua santa
vontade». No mesmo instante que a Virgem Santa Maria obedeceu à embaixada que,
de parte de Deus Pai, São Gabriel lhe trouxe, Deus formou, no ventre desta
Virgem, um corpo humano do seu sangue virginal e, juntamente, criou uma alma
no mesmo corpo. A segunda Pessoa, Deus Filho, naquele instante, encarnou no
ventre da Virgem Maria, unindo a alma e o corpo tão santíssimos! E do dia em
que o Filho de Deus encarnou, até ao dia em que nasceu, nove meses se passaram.
Acabado este tempo, Jesus Cristo, Salvador de todo mundo, sendo Deus e homem
verdadeiro, nasceu da Virgem Santa Maria!
Santo André
confessou isto, dizendo assim:Creio em
Jesus Cristo, Filho de Deus, um só Nosso Senhor.
E, após ele, logo disse São João:
Creio que Jesus Cristo foi concebido do Espírito Santo e nasceu da
Virgem Maria.
4. Em Belém,
perto de Jerusalém, nasceu Cristo Nosso Senhor e Redentor! Então, os anjos e a
Virgem sua Mãe, com seu esposo São José e os três reis e outros muitos, o
adoraram por Senhor. Mas Herodes, como mau, sendo rei em Jerusalém, com cobiça
de reinar desejou de o matar. Foi José pelo anjo avisado que fugisse de Belém
para o Egipto e levasse a Jesus Cristo e a Virgem, sua Mãe, porque Herodes
desejava de matar a Jesus Cristo. Foi para o Egipto São José com Jesus Cristo e
sua Mãe, onde esteve até que Herodes de má morte morreu: é que foi tão cruel
que, em Belém e por os lugares seus vizinhos, matou todos os meninos que de
dois anos para baixo achou, cuidando que Jesus Cristo entre eles mataria.
Depois que Herodes faleceu, tornaram à sua terra, à cidade de Nazaré, por
mandado do anjo.
Sendo Cristo
de doze anos, subiu de Nazaré ao templo de Jerusalém, aonde estavam os
doutores da lei, e lhes declarou as escrituras dos profetas e patriarcas, que
da vida do Filho de Deus falavam. Todos se espantavam, vendo sua sabedoria.
Tornando a Nazaré, esteve ai até à idade de quase perto de trinta anos; e daí
partiu para o rio Jordão, onde estava São João Batista batizando a muitas
gentes. Em este rio batizou, São João Baptista, a Jesus Cristo. Daí se foi
Jesus Cristo ao monte, no qual quarenta dias e quarenta noites não comeu. O
demónio, no monte, sem saber que Jesus Cristo era Filho de Deus, o atentou de
três pecados: de gula e de cobiça e de vanglória. Em todas as tentações,
venceu Cristo ao demónio. E do monte, com vitória, descendeu à Galileia:
convertia muitas gentes e, aos demónios, lhes mandava que dos corpos das
gentes se saíssem. Os demónios obedeciam ao mandado de Jesus Cristo, saindo
dos corpos dos homens onde estavam e, as gentes que isto viam, se espantavam e
diziam: «Que é isto a que os demónios lhe obedecem?». Era de maneira que a
fama de Jesus Cristo entre as gentes crescia muito, porque viam que os
demónios lhe obedeciam. Os homens que ouviam as santas pregações de Jesus
Cristo e viam o grande poder que tinha sobre os demónios, começaram logo a crer
em Jesus Cristo e lhe traziam os doentes de qualquer enfermidade que tivessem:
saravam todos, logo que Jesus Cristo os tocava com suas santas mãos.
Depois, chamou
Jesus Cristo os doze apóstolos e os setenta e dois discípulos e os levava em
sua companhia, pelas terras onde andava, ensinando os mistérios do reino dos
céus: pregava Cristo às gentes, fazendo milagres que provavam ser verdade o que
ele pregava, sendo presentes os apóstolos e os discípulos; dava Cristo vista
aos cegos, fala aos mudos, ouvir aos surdos, vida aos mortos e sarava os coxos
e os mancos. Os apóstolos e os discípulos que isto viam, cada vez mais e mais
em Jesus Cristo criam. Deu-lhes Cristo tanta sabedoria e virtude que pregavam
às gentes, sendo eles pescadores e não sabendo letras mais daquelas que o Filho
de Deus lhes ensinou. Em nome e virtude de Jesus Cristo, faziam milagres os
apóstolos: saravam muitas enfermidades e lançavam os demónios dos corpos dos
homens em sinal de ser verdade o que pregavam da vinda do Filho de Deus. Era a
fama de Jesus Cristo e seus discípulos entre as gentes tanta, que os judeus
principais assentaram de o matar, com inveja que dele e de suas obras tinham,
porque viam que todos a doutrina de Jesus Cristo seguiam e louvavam. Conhecendo
os fariseus que perdiam a honra e crédito que primeiro tinham com os judeus,
antes que Jesus Cristo se manifestasse ao mundo, movidos de inveja, foram a
Pilatos que então era juiz e, com rogos e com medos e peitas [que tudo
acabam], disseram a Pilatos que não era amigo de César, se deixava mais pregar
nem fazer milagres a Jesus Cristo, porque se fazia rei dos judeus contra César,
pois o povo o amava. Conhecendo Pilatos que os fariseus, com a inveja que de
Jesus Cristo tinham, pelas obras e milagres que fazia e pelo amor que lhe o
povo tinha, o acusavam e lhe alevantavam falsos testemunhos, consentiu que
prendessem a Jesus Cristo, sem nunca saberem que era Filho de Deus, cuidando
que era homem como Isaías, Elias e Jeremias, ou São João Batista, ou alguns
santos homens dos passados.
Depois que os
fariseus prenderam a Jesus Cristo, lhe faziam muitas desonras, levando-o de
uma casa para a outra, e desprezando-o e fazendo escárnio dele. Com o ódio
grande que os fariseus tinham a Cristo, o levaram a casa de Pilatos, onde o
acusaram de falsos testemunhos. Por fazer Pilatos a vontade aos judeus, mandou
açoitar a Jesus Cristo, [tão] cruelmente, que dos pés até à cabeça todo o seu
santo corpo foi ferido; e, assim cruelmente açoitado, Pilatos entregou Jesus
Cristo aos judeus para o crucificarem. Antes que o crucificassem, puseram a
Cristo na cabeça uma coroa de espinhos e uma cana na mão direita. Os fariseus,
por fazerem escárnio de Jesus Cristo, se punham de joelhos diante dele,
dizendo: «Deus te salve, Rei dos judeus!». Cuspiam-lhe no rosto, dando-lhe
muitas bofetadas e, com a cana que ele levava, o feriam na cabeça. Por
derradeiro, no monte Calvário, junto a Jerusalém, os judeus crucificaram a
Jesus Cristo! E assim morreu Jesus Cristo, na Cruz, por salvar aos pecadores!
De maneira que, a santíssima alma de Jesus Cristo verdadeiramente se apartou do
seu corpo precioso, quando na cruz expirou, unida sempre a divindade com a alma
santíssima de Jesus Cristo8, ficando a mesma divindade com o corpo
preciosíssimo de Jesus Cristo, na cruz e no sepulcro. Na morte de Jesus Cristo,
o sol se escureceu, deixando de dar o seu lume, a terra toda tremeu, as pedras
se partiram, dando-se umas com as outras, os sepulcros dos mortos se abriram e
muitos corpos dos homens santos ressurgiram e foram à cidade de Jerusalém, onde
apareceram a muitos. Os que viram estes sinais, na morte de Jesus Cristo,
disseram que, verdadeiramente, Jesus Cristo era Filho de Deus. E por isto ser
assim, o apóstolo São Tiago disse: Creio
que Jesus Cristo padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto
e sepultado.
8
Considerações que se fazem com devoção também nos Exercícios Espirituais
inacianos (ib. nn. 208,7º; 219).
5.
Jesus Cristo era Deus, pois era a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Filho
eterno; e também era homem verdadeiro, pois era filho da Virgem Maria e tem
alma racional e corpo humano. Enquanto era homem, verdadeiramente morreu na
cruz, quando foi crucificado, porque a morte não é outra coisa senão
apartamento da alma, deixando o corpo em que vive. A santíssima alma de Jesus
Cristo foi apartada do corpo, quando na cruz expirou. Então, acabando de
expirar, a santíssima alma de Jesus Cristo, sendo unida com a divindade de Deus
Filho assim como sempre foi desde o instante que o Senhor Deus a criou,
descendeu ao limbo, que é um lugar que está debaixo da terra, onde estavam os
santos padres, profetas, patriarcas e outros muitos justos, esperando pelo
Filho de Deus que os havia de tirar do limbo e levar ao paraíso. Em todo tempo,
começando desde Adão e Eva, houve homens bons e, sendo amigos de Deus e por
falarem verdade, repreendiam os maus de seus vícios e pecados, porque ofendiam
a seu Deus e Criador. Os maus, sendo servos e cativos do demónio, perseguiam
aos bons e amigos de Deus, prendendo-os e desterrando-os e fazendo-lhes muitos
males. De maneira que, quando os bons morriam, suas almas iam ao limbo. O limbo
se chama inferno, por estar debaixo do chão e não porque nele haja pena de
fogos nem tormentos. Mais abaixo do limbo, está um lugar que se chama
purgatório. A este purgatório vão as almas daquelas pessoas que, quando morrem,
estão em graça, sem pecado mortal; mas, pelos pecados passados, que fizeram em
sua vida, dos quais antes da sua morte não fizeram inteira penitência ou pendença,
vão a este purgatório, onde há tormentos grandes, para pagarem os males e
pecados que fizeram em sua vida. Acabando de pagar a pendença de seus pecados,
saindo do purgatório, vão logo ao paraíso. O derradeiro lugar, que está
debaixo da terra, se chama inferno infernal, onde há tão grandes tormentos de
fogo e misérias que, se os homens cuidassem nele cada dia uma hora, não fariam
tantos pecados como fazem: não folgariam de fazer a vontade ao diabo, como
fazem, se soubessem os trabalhos do inferno. Lá, está Lúcifer e todos os demónios
que foram lançados do céu e todas as gentes que morreram em pecado mortal. Os
que vão a este inferno não têm nenhum remédio de salvação: para sempre dos
sempres, sem fim dos temos de ir ao inferno! Se cada dia fazemos maiores
pecados, sinal é que temos pouca fé, pois que vivemos como homens que não crêem
que há inferno infernal. A Igreja e os santos, que estão no céu com Deus, nunca
rogam pelos mortos que estão no inferno, porque estes santos rogam por os
mortos que estão no purgatório e pelos vivos que não vão ao inferno. Mas a
Igreja e os fins, hão-de estar nele! Ó irmãos, que é isto, que tão pouco medo
não têm nenhum remédio para irem ao paraíso.
Jesus
Cristo em sexta-feira morreu e a santíssima alma sua, unida sempre com a
divindade, descendeu ao limbo e tirou todas quantas almas lá estavam esperando
pelo Filho de Deus, Jesus Cristo. Depois, ao terceiro dia, que é ao domingo,
ressurgiu dentre os mortos, tornando sua alma santíssima a tomar o mesmo corpo
que deixara, quando na cruz morreu. Depois que Jesus Cristo ressurgiu em corpo
glorioso, apareceu à Virgem Santa Maria sua Mãe9 e aos apóstolos e discípulos e
aos seus amigos, os quais estavam tristes por sua morte. Com sua ressurreição
gloriosa, consolou os tristes desconsolados, perdoando aos pecadores seus
pecados; e muitos creram em Jesus Cristo, depois que dentre os mortos o viram
ressurgir: que primeiro que morresse e ressurgisse, não quiseram crer. E ser
isto assim verdade, São Tomé o afirmou, dizendo: Creio que Jesus Cristo descendeu aos infernos e ao terceiro dia ressurgiu
dos mortos.
6.
Depois que Jesus Cristo ressurgiu, quarenta dias esteve neste mundo, pregando
às gentes o que haviam de crer e fazer para irem ao paraíso. Neste tempo,
mostrou sua santa ressurreição ser verdadeira aos que duvidavam, em sua morte,
que não havia de ressurgir. Nestes quarenta dias, apareceu aos apóstolos e
discípulos e a outros seus amigos que duvidavam que ressurgisse, quando o viram
morrer no monte Calvário, na cruz. E, nestes quarenta dias, os que na morte e paixão
de Jesus Cristo não creram que ao terceiro dia havia de ressurgir, acabaram de
crer, sem mais duvidar, que Jesus era Filho de Deus verdadeiro, Salvador de
todo o mundo, pois da morte à vida ressurgiu. Ao fim dos quarenta dias, foi
Jesus Cristo ao Monte Olivete, donde aos altos céus havia de subir. Com ele ia
a Virgem Santa Maria sua mãe e seus apóstolos e outros muitos. Deste monte
Olivete subiu Jesus Cristo aos altos dos céus, em corpo e em alma, e levou em
sua companhia, à glória do paraíso, todas as almas dos santos Padres que do
limbo tirou. As portas dos céus se abriram, quando Jesus Cristo aos altos céus
subiu, e os anjos do paraíso vieram acompanhar Jesus Cristo para, com grande
glória, o levarem onde estava Deus Pai, donde, para salvar os pecadores,
descendera ao ventre da gloriosa Virgem, tomando carne humana para nela pagar
nossas dívidas. De maneira que, Jesus Cristo Filho de Deus, pelos pecadores se
fez homem e nasceu, morreu, ressurgiu e assubiu aos céus, onde à parte direita
de Deus Padre se assentou. Sendo isto assim verdade, São Tiago Menor é que o
disse: Creio que Jesus Cristo subiu aos
céus e está assentado à dextra de Deus Pai todo-poderoso.
7.
E pois este mundo teve princípio, há-de ter fim. De maneira que há-de acabar.
E, assim como Jesus Cristo subiu aos céus, assim, quando o mundo se há-de
acabar, dos céus descenderá e dará a cada um o que merece. É certo e é verdade
que, todos os que creram em Jesus Cristo e guardaram seus santos mandamentos,
serão julgados para irem à glória do paraíso, e os que em Jesus Cristo não
quiseram crer, como são os moiros, judeus, gentios, irão ao inferno, sem nenhuma
redenção; e [também] os maus cristãos, que não quiseram guardar os dez
mandamentos, serão julgados por Jesus Cristo para irem ao inferno. No fim do
mundo, todos os que forem vivos morrerão, porque todo o homem com esta condição
nasce: que há-de morrer. Pois Jesus Cristo nosso Redentor pelos pecadores
morreu e ressurgiu, todos havemos de morrer e ressurgir; e mesmo os corpos dos
homens bons, que no fim do mundo forem vivos, porque não são santos nem
gloriosos para que, com eles, possam subir aos céus, por isso é necessário
morrerem.
Em
sua ressurreição, tomarão os mesmos corpos, não sujeitos à paixão, como dantes
eram. De maneira que, quando Jesus Cristo do céu descender, no dia do juízo, a
julgar os bons e os maus, todos ressurgirão, começando do primeiro até ao
derradeiro que morreu. E por ser assim verdade São Filipe disse: Creio que Jesus Cristo do céu há-de vir
julgar os vivos e os mortos.
9
Meditação muito característica dos Exercícios Espirituais inacianos, embora sem
fundamento explícito nos Evangelhos, como aí se nota (ib. nn. 218-225; 299).
8. Quando os
cristãos nos benzemos, confessamos a verdade acerca da Santíssima Trindade:
como é três pessoas, um só Deus trino e uno. Deus Pai, nem é feito, nem criado,
nem gerado; o Filho é gerado de Deus Pai, nem é feito nem criado; o Espírito
Santo procede do Pai e do Filho, não criado nem gerado.
Quando nós
fazemos o sinal da cruz, mostramos esta ordem de proceder, pondo a mão direita
na cabeça, dizendo: «Em nome do Pai», em sinal que Deus Pai não é feito nem
gerado; depois, pondo a mão no peito, dizendo: «e do Filho», em sinal que do
Pai é gerado o Filho, e não feito nem criado; e depois, pondo a mão em o ombro
esquerdo, dizendo: «e do Espírito», e passando depois a mão ao ombro direito,
dizendo: «Santo», em sinal que o Espírito Santo procede do Filho e do Pai.
Obrigado é
todo o bom cristão a crer firmemente, sem duvidar, em o Espírito Santo, e em
suas santas inspirações, que nos defendem de mal fazer e nos movem os corações
a guardar os dez mandamentos do Senhor Deus e os da santa madre Igreja
universal, e a cumprir as obras da misericórdia corporais e espirituais. E por
ser isto verdade, o apóstolo São Bartolomeu é que disse: Creio no Espírito Santo.
9. Todos os
fiéis cristãos somos obrigados a crer, sem duvidar, o que creram de Jesus
Cristo os apóstolos e discípulos e mártires e todos os santos, crendo de Jesus
Cristo tudo o que é necessário crer para nossa salvação, acerca de sua
divindade e humanidade, depois que Jesus Cristo foi Deus e homem verdadeiro. E
também em geral somos obrigados a crer firmemente, sem duvidar, em tudo o que
crêem os que regem e governam a Igreja universal de Jesus Cristo, pois pelo
Espírito Santo são inspirados e regidos do que hão-de fazer, acerca da
governação da Igreja universal e das cousas da nossa santa fé, nas quais não
podem errar, porque são regidos pelo Espírito Santo. De maneira que, das escrituras,
da nossa lei, de Jesus Cristo, [continuando] pelo demais que somos obrigados a
crer, como são santos cânones e concílios10, que são ordenados da Igreja,
feitos pelo Papa e cardeais, patriarcas, arcebispos, bispos e prelados da
Igreja, quando em todas estas cousas crermos, sem duvidar, cremos tudo o que
crêem os que regem e governam a Igreja universal de Jesus Cristo e o que nos
encomendou o apóstolo e evangelista São Mateus, quando disse: Creio na santa Igreja católica.
10
Cf. Regras de sentido cristão prático para militantes na Igreja, sobretudo em
tempos de contestação como o do protestantismo de então (ib. nn. 352-370).
(O que se segue, foi acrescentado ao texto de Xavier, na edição de
1557):
10. E assim
cremos, os verdadeiros cristãos, que as boas obras e merecimentos de Jesus
Cristo se comunicam e aproveitam a todos os outros cristãos que estão em
estado de graça. Da maneira que no corpo natural as obras de um membro
aproveitam a todo o corpo, assim é no corpo espiritual [que é a Igreja]. E como
da cabeça descende aos membros e se lhe comunica a sua sustentação
principalmente, assim de Cristo Nosso Senhor, Unigénito Filho de Deus, que é
cabeça de todos os fiéis verdadeiros, se lhes comunica a sustentação espiritual
por meio dos sete sacramentos da Igreja, convém a saber: pelo batismo, pela
confirmação [a que chamamos crisma], pelo Santíssimo Sacramento do altar, pelo
sacramento da penitência, pela extrema-unção, pelo sacramento das ordens, pelo
matrimónio. Porque, a qualquer que toma devidamente cada um destes sacramentos,
se concede graça pela qual sua alma vive vida espiritual, a qual lhe mereceu
Cristo Nosso Senhor, Unigénito Filho de Deus, pelas santíssimas obras que neste
mundo fez, trabalhando e sofrendo injúrias e morte de cruz, por livrar os
pecadores do cativeiro do demónio e os tornar a verdadeiro conhecimento de seu
Deus, comunicando-lhes seus próprios merecimentos. E não somente os
merecimentos do Filho de Deus se comunicam, como da cabeça aos outros membros,
mas ainda os dos outros santos são comunicados a todos os fiéis que estão em
graça, como os bens de um membro do corpo se comunicam aos outros membros do
mesmo corpo.
Mais confessam
e crêem os cristãos: que Deus Nosso Senhor tem poder para perdoar os pecados,
pelos quais os pecadores se apartam dele e perdem a graça que lhes tinha dantes
comunicada; e que este poder deu e comunicou aos sacerdotes da Igreja católica,
pela qual comunicação eles agora têm poder de absolver dos pecados aos que
acham dignos de serem absoltos diante de Deus. E portanto lhes é necessário
disporem-se de maneira – fazendo o que são obrigados para saúde de sua alma –
que o sacerdote os julgue [conforme ao que Deus manda] por dignos de serem
absoltos. Feita esta diligência, e confessando-se em os tempos que são
obrigados, e sendo absoltos pelo sacerdote, tornam à graça de Deus e lhes são
perdoados seus pecados. E isto é o que disse S. Mateus: Creio o ajuntamento dos santos e a remissão dos pecados.
11. E porque é
coisa justa crer da bondade de Nosso Senhor e de sua infinita misericórdia, que
não deixará sem galardão aos que o servem nesta vida, nem sem castigo aos que o
ofendem e quebrantam seus preceitos, cremos a ressurreição da carne, que quer
dizer: que havemos todos de ressurgir em corpo os mesmos que agora somos,
depois de passarmos pela morte temporal, a que todos somos obrigados. [Isto]
para que Nosso Senhor, conforme a sua justiça, então dê para sempre o galardão
aos corpos que neste mundo por seu amor padeceram trabalhos e perseguições e
foram afligidos por não consentirem em pecados; e pois eles foram participantes
nos trabalhos com as almas, que também o sejam na glória e no repouso. Pelo
contrário, para que os corpos dos maus, que nesta vida quiseram fazer mais a
sua vontade e cumprir seus apetites que guardar a lei de Deus Nosso Senhor,
sejam eternalmente castigados em os infernos, pois ofenderam ao Senhor Deus
eterno. A qual ressurreição se há-de fazer no dia do Juízo final, quando todos
os que nasceram nesta vida se hão-de alevantar em corpo e alma: os maus para
serem lançados no inferno por seus pecados, e os bons para a glória do paraíso
com Deus Nosso Senhor. E isto é o que disse S. Tadeu: Creio a ressurreição da carne.
12. E como a
nossa alma seja semelhante a Deus todo-poderoso e eterno, enquanto é
espiritual, e em as potências que o mesmo Deus lhe deu, convém a saber:
vontade, entendimento, memória; e [como] o desejo dos homens seja durarem
sempre, é conveniente que a uma criatura tão excelente, como é o homem, se
cumpra este apetite. E assim cremos todos os cristãos que se há-de cumprir. Portanto
cremos a vida eterna, a qual confessamos que nunca há-de ter fim, nem antes nem
depois da ressurreição da carne onde a alma, que nunca morre, há-de tornar a
tomar seu corpo: viverá juntamente com ele, como agora estão unidos, e por
muito melhor maneira, eternalmente com Deus; e se gozará nos céus, juntamente
com os anjos, da presença de seu Criador e Senhor e de todos os bens celestiais;
os quais são tão grandes que, por muito que neles nesta vida se cuide e
imagine, não se pode alcançar nem entender sua grandeza. Ali estão os santos
descansados sem contradição alguma; ali lhes não falta coisa das que se podem
desejar; ali se não acha nem pode achar nem desejar mal algum; nem faltou nem
faltará nunca todo o bem, do qual gozarão os bem-aventurados eternalmente. E
isto é o que disse S. Matias: Creio a
vida eterna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário