[*Mortificação
de Xavier por uma conversão - FRANCISCO XAVIER, depois de se ter
combinado com Miguel Vaz, como vimos, embarcou para Cambaia, com o fim de obter
do vice-rei a expedição que desejava contra o tirano de Jafanapatão.
Logo que entrou no
navio, reconheceu um daqueles fidalgos portugueses cujos escândalos faziam a
maior dor do seu coração, e não quis perder esta bela ocasião de ganhar para
Deus uma das almas que eram em extremo nocivas à sua glória nas Índias.
Para render este
homem refaz-se o nosso Santo de todo o encanto do seu espírito, de toda a sua
graça pessoal, de tudo; finalmente, quanto possuía de atrativo e sedutor, até
ao entusiasmo.
O fidalgo
português sente o encanto; procura a companhia do Padre Francisco, não pode
passar sem ele, não se julga feliz senão junto dele. Mas cada vez que o
apóstolo lhe fala da sua alma, não colhe mais que sarcasmos e ironias; porém
insiste, ofendido contra uma impiedade que lhe sangra o coração. Xavier não
desanima; quanto mais o pobre pecador mostra repugnância, mais o apóstolo lhe
testemunha bondade e carinho.
O navio ancorou em
Cranganor e os passageiros desembarcaram. Durante aqueles poucos dias de demora
ali, o fidalgo não pôde resistir ao desejo de procurar a companhia do Padre
Francisco, de passear com ele, de aproveitar; enfim, todas as ocasiões de gozar
do prazer que lhe proporciona, a sua conversação.
Ao terceiro dia,
passeavam eles juntos num denso palmar, quando inesperadamente Xavier, cedendo
a uma inspiração divina, descobre-se até à cintura e bate em si tão rudemente
com a sua disciplina, que rasga as carnes e o seu sangue corre abundantemente.
O português, que
ao princípio olhara para ele com admiração, e mostrando-se abismado pelos
violentos movimentos do Santo, solta gritos de horror logo que viu correr
sangue.
- Meu Padre! Que
fazeis! Suspendei!... Isso importa um verdadeiro suicídio!...
- Ah! meu caro
senhor, vós não quereis compreender as minhas palavras! é por vás, é por amor à
vossa querida alma! mas isto nada é comparativamente com o que eu deveria
fazer. Custastes muito mais caro a Jesus Cristo, e a sua Paixão, a sua morte,
todo o seu sangue, todo o seu amor não tem podido enternecei o vosso
coração!...
Senhor acrescentou
ele, deixando-se cair de joelhos e levantando para o céu os olhos cheios de
lágrimas, Senhor! lançai a -vista sobre o vosso sangue adorável e não sobre o
de um pecador como eu!...
- Meu Padre! meu
Padre! eis-me aqui! exclama o fidalgo lançando-se aos pés de Xavier;
suplico-vos que me confesseis aqui mesmo, não adiemos para mais tarde! não
retardemos um só instante!
E fez uma
confissão geral, prometeu viver cristãmente e foi fiel à sua palavra. Aquela
conversão, tão difícil até ali, consolou e alegrou muito mais o coração do
nosso Santo, porque dela esperava colher importantes resultados em benefício
dos interesses da religião.
Xavier
pede ajuda ao Rei para destronar um rei insano com os cristãos - Chegado a Cambaia, obteve Xavier o
que desejava: o vice-rei expediu ordens para reunir as tropas e formar um
considerável exército em Nagapatão, a fim de cair de surpresa sobre o tirano de
Jafanapatão, que devia ser entregue a Xavier sem condições; porque o Santo apóstolo
que esperava o sangue das vítimas intercederia por ele e seus olhos se abririam
à luz da fé.
Predição
em Cranganor do jovem pecador para religioso - Xavier tomou a estrada de Cochim, e
tendo de demorar-se em Cranganor, hospedou-se em casa dum cristão cujo filho
vivia numa deplorável devassidão.
O infeliz pai
testemunhou ao Santo tão viva dor pela inutilidade das suas observações e dos
seus conselhos no espírito do jovem, que Xavier, empregou as mais amáveis
expressões para o consolar, e suspendendo-se por um instante, recolheu-se como
arrebatado por uma iluminação súbita; depois, com o acento da inspiração e da
certeza, disse ao desventurado pai:
- Vós sois o mais
feliz dos pais! Agradecei a Deus, meu amigo, porque este filho, que para vós é
hoje um objecto de tão amarga dor, se converterá, será religioso da Ordem de S.
Francisco e terá a glória de morrer mártir!
Esta predição
cumpriu-se literalmente. O jovem pecador converteu-se, entrou na Ordem de S.
Francisco, foi mandado para o reino de Candia para evangelizar os bárbaros
daqueles países e teve a felicidade de ali morrer mártir.
Predição
sobre a condição da navegação - De volta a Cochim, encontrou ali, o nosso Santo, Cosme
Anes que ele havia recomendado ao rei e por quem tinha particular afeição. Em
uma das suas conversações, perguntou-lhe Xavier se o ano era bom para os
negociantes portugueses.
- Excelente, meu
santo Padre, lhe respondeu ele, não pode ser melhor. Em muito poucos meses
expedimos para a Europa sete carregações magníficas! Eu envio ao rei um
diamante dos mais raros, que não custou menos de dez mil ducados em Goa, e que
valerá trinta mil em Lisboa!
- Qual é o navio
que leva esse diamante?
- É o Atouguia,
meu Padre. Confiei-o ao capitão João de Noronha.
- Eu sentiria
grande pesar se tivesse remetido aquele diamante, tão precioso, por esse
navio...
- Então por que,
meu Padre? Por que o Atouguia fez água uma vez? Mas ele está completamente
restaurado, e vós o suporíeis novo se o vísseis hoje.
O Santo guardou
silêncio. Anes, persuadido de que ele tivesse conhecimento da sorte desta
importante embarcação, acrescentou:
- Meu Padre, o
vosso silêncio faz-me recear pelo Atouguia. Recomendai-o a Deus, porque se ele
se perde vou sofrer um considerável prejuízo. Eu não tinha autorização para
comprar aquele diamante; se ele se perde, perco eu o seu preço e outras
despesas que tive de fazer.
- Farei o que
desejais, meu amigo, respondeu simplesmente Xavier.
Algum tempo
depois, jantando o- nosso Santo com Cosme Anes, lhe disse:
- Rendei mil graças
a Deus, meu amigo; o vosso belo diamante está já em poder da rainha de
Portugal.
Mais tarde,
recebia Anes uma carta do capitão do Atouguia; ele mandava-lhe dizer que poucos
dias antes de chegarem a descobrir as costas de Portugal, se abrira uma veia de
água por baixo do mastro grande; o rombo era tão considerável, era tão iminente
o perigo para toda a equipagem, que se falava já em abandonar o barco e
lançarem-se ao mar. Cortara-se o mastro grande, receava-se que o navio
sossobrasse antes de se poder salvar a maioria dos passageiros que queriam
lançar-se todos por uma vez às embarcações...
Mas eis que
repentinamente a água desaparece! Que prodígio seria este! A abertura é tão
grande! Como se operou isto?!... Examina-se a parte aberta e ela estava de todo
fechada por si mesma... e o Atouguia, não tendo mais que duas velas, navegava
admiravelmente e podia desafiar o melhor navio da armada real! Chegou em muito
bom estado ao porto de Lisboa e não parecia ter sofrido; nenhuma avaria se dera
também na sua rica carregação.
Ressurreição:
meio mais rápido para conversão de família muçumana - O Padre Xavier deixara Cochim para ir
reunir-se armada portuguesa em Nagapatão, em um navio que tocava a ilha da
Vaca; desembarcou ali e percorreu o interior da ilha. Encontrou uma família
chorando inconsolável a morte duma criança cujos tristes despojos iam ser
entregues à terra.
Aquela dor comoveu
o nosso Santo; ele consola a família banhada em lágrimas, sabe que é muçulmana
e ordena à criança morta que ressuscite em nome de Jesus Cristo Filho de Deus;
a criança ressuscita àquele nome.
O apóstolo não tem
tempo de instruir aquele povo; porém deixando-lhe a lembrança do prodígio,
espera pelo futuro e volta ao mar implorando a misericórdia infinita para
aquele povo, que não tivera tempo de evangelizar.
Caridade
e intercessão de Xavier para acabar com a epidemia - Passando à vista da ilha de Manar,
pediu para ali se demorar alguns dias. Logo que desembarcou naquela terra
ensopada do sangue de tantos mártires, dirigiu-se à povoação de Passim... Toda
a ilha estava infestada pela peste. Quando viram chegar o grande Padre, que
tanto amavam já sem o conhecerem, os consternados Manarenses recuperam a
coragem, convencidos de que o bom Padre não os deixará sem os ter livrado do horroroso
flagelo. Expedem emissários para todas as aldeias vizinhas com o fim de
anunciar a chegada do grande Padre dos Paravás, e imediatamente todos os
válidos, que excediam ao número de três mil, correm a cercar Francisco Xavier.
- Grande Padre!
exclamam eles, livrai-nos da peste! Grande Padre, tudo morre aqui! Contam-se
mais de cem mortos por dia! Grande Padre, livrai-nos
- A vossa dor
corta-me o coração, meus queridos Manarenses, respondeu-lhes Xavier! Sim, eu
vou pedir a Deus, que é o Todo-Poderoso, e cuja bondade e misericórdia são
infinitas, que vos livre deste flagelo pelos merecimentos de Jesus Cristo seu
Filho, e pelos dos mártires de Manar que vão também orar por vós., Esperai! Eu
vos peço que espereis somente três dias. Orai também, orai ao Deus das
misericórdias infinitas que tenha piedade de vós, e tende confiança.
Ao terceiro dia a
peste cessou, todos os doentes se viram instantaneamente curados e à mesma
hora. Tudo quanto restava de pagãos na ilha de Manar pediu o batismo com
instância, não obstante a perseguição aberta contra os cristãos. O Santo
apóstolo, depois de os ter baptizado a todos, deixou-os, para voltar à armada
naval onde era esperado.
Difícil
missão -
Quando chegou a Nagapatão, teve o desgosto de saber que a armada recusava atacar
o rei de Jafanapatão. Um navio português, ricamente carregado que vinha do
Pegu, naufragara na costa de jafanapatão; o rei estava de posse da preciosa
carregação, e os mercadores portugueses, persuadidos de que não obteriam nada,
se a armada começasse as hostilidades, combinaram-se a seduzir os oficiais a
preço de ouro, e estes recusavam-se ao ataque ordenado pelo vice-rei.
Xavier viu nisto
oposição da Providência ao plano que formara; renunciou também a ele e tornou a
embarcar para voltar a Travancor. Passando em frente da ilha de Ceilão, lançou
sobre ela um triste olhar.
"Ah!
desgraçada ilha, disse ele, vejo-te coberta de cadáveres! Rios de sangue te
banham por todos os lados"!
Algum tempo
depois, Constantino de Bragança, e depois dele Furtado de Mendonça, faziam
passar a fio de espada todos os habitantes da ilha, e o tirano que reinava em
Jafanapatão e seu filho foram desapiedadamente massacrados]
50
AO PADRE FRANCISCO MANSILHAS
(COSTA DA PESCARIA)
Negapatão, 7 de Abril 1545
Cópia em português, feita em 1746
Caríssimo Padre1 e Irmão meu
Desejaria
mais falar que escrever a Mansilhas
1. Deus sabe
quanto mais folgara de vos ver, que escrever-vos, para vos informar do modo que
nesta Costa haveis de ter em servir a Deus Nosso Senhor, olhando por esses cristãos2.
Isto vos digo, porque não sei até agora o que será de mim.
Pendente da vontade de Deus se há-de ir ou não a Macassar (Celebes)
onde desejam missionários
2. Deus Nosso
Senhor, por tempo, nos dê a sentir sua santíssima vontade. Requer de nós que
sempre estejamos prestes para a cumprir, todas as vezes que no-la manifestar e
der a sentir dentro, em nossas almas. Para bem ser nesta vida havemos de ser
peregrinos, para ir a todas as partes onde mais podemos servir a Deus Nosso
Senhor3.
3. Eu tenho
por noticias certas que, nas partes de Malaca, há muita disposição para servir
a Deus. À míngua de quem nisso trabalhe, se deixam de fazer muitos cristãos, e
de acrescentar-se a nossa santa fé. Não sei o que será disto de Jafanapatão4.
Por isso, não me determino se irei a Malaca ou ficarei: por todo o mês de Maio
determinarei [acerca] de me ir. Se for caso que Deus Nosso Senhor [se] queira
servir de mim, indo eu às ilhas de Macassar5 – onde agora novamente6 se
fizeram cristãos, e mandou o rei daquelas ilhas7 a Malaca por Padres, e não
sei os Padres que de lá foram8, para que lhes ensinassem a nossa fé e lei – se
for o caso que eu me determine a ir lá por todo o mês de Maio, mandarei
patamar9 a Goa, ao senhor Governador, fazendo-lhe saber que parto para aquelas
partes, para que mande ao capitão de Malaca10 que me dê [a] ajuda e favor que,
para servir a Deus Nosso Senhor, se tem necessidade. Se for caso que me vá para
as ilhas de Macassar, eu vos escreverei.
Exorta Mansilhas a percorrer continuamente os lugares de cristãos para
administrar sacramentos e animar catequeses
4.
Rogo-vos muito que não [vos] canseis de trabalhar com essa gente, pregando
continuamente por todos esses lugares, batizando com muita diligência as
crianças que nascem, e fazendo ensinar por todos os lugares as orações. De João
da Cruz11 cobrareis dois mil fanões12, que nesta pescaria arrecadou13, para
ensino dos meninos; e os fanões que deixastes ao P. João de Liçano, também
arrecadareis. Com muita diligência fareis ensinar por toda essa Costa as
orações. Não estareis de assento em nenhum lugar, senão continuadamente
andareis de lugar em lugar, visitando todos esses cristãos, como eu fazia
quando lá estava14, porque desta maneira servireis mais a Deus.
1
Mansilhas, entretanto, tinha sido ordenado sacerdote em Goa (cf. Selectae
Indiarum Epistolae 14).
2
Xavier, ocupado em preparar a expedição contra os perseguidores de Jaffna,
ainda se encontrara com Mansilhas depois da ordenação sacerdotal.
3
Refere-se a uma das características básicas dos Jesuítas (cf. MI Const. I 10
17-18).
4
Expedição contra Jaffna.
5
Celebes, então considerada um arquipélago, umas vezes é chamada Macassar,
outras vezes Celebes.
6
Ultimamente.
7
O rei do distrito de Supa enviou, por meio de Paiva, um anel de ouro a D. João
III e o rei do distrito de Sião enviou um neófito como delegado seu a Malaca,
em companhia do mesmo Paiva (Selectae Indiarum Epistolae 42; SCHURHAMMER,
Quellen 1754). O senhor de ambos os reis, imperador de Sidenreng, era pagão
(Sel. Ind. Epp. 42).
8
Foi Vicente Viegas.
9
Correio terrestre.
10
O capitão de Malaca era então Simão Botelho, sucedendo-lhe em Maio desse ano
Garcia de Sá, vindo da Índia.
11
D. João da Cruz, da casta Chetti, nascido na cidade de Calicute em 1498, em
1513 veio a Lisboa como legado do seu rei, Samorim de Calicute, onde foi
batizado e recebeu um título de nobreza. Regressando a Calicute em 1515, foi
expulso por ser cristão. Em 1535, como negociante de cavalos, veio para o Cabo
de Comorim, onde convenceu os paravas, oprimidos pelos maometanos, a receberem
o batismo e a passarem-se para a tutela dos portugueses.
12
Daqueles 4.000 fanões que o Governador Martim Afonso de Sousa tinha concedido
como tributo anual à missão (Xavier-doc. 20,8).
13
Em 1537, João da Cruz tinha pedido a D. João III que lhe concedesse, por quatro
ou cinco anos, a cobrança dos impostos da pesca de margaridas (SCHURHAMMER, Die
Bekehrung 209).
14
João de Artiaga em 1556 deu este testemunho sobre Xavier: «Nunca estava um mês
nem vinte dias num lugar; sempre andava num lugar, noutro, visitando sempre a
pé e, às vezes, descalço» (MX II 378).
Recomendações sobre administração de dinheiros da missão e
responsabilidade sobre novos sacerdotes indianos a ela destinados
5. Tomai conta
também, em Manapar, dos gastos que fizeram naquela igreja, porque a Diogo
Rebelo15 dei eu guarda dos dois mil fanões que deu Iniquitriberim para fazer
igrejas nas suas terras16. O P. Francisco Coelho sabe o que se gastou. O que
sobejou dos dois mil fanões gastareis em ensinar os meninos. Visitareis os
cristãos que se fizeram na praia de Travancor, repartindo por todas essas
terras, como melhor vos parecer, estes Padres malabares. Olhareis [por que
vivam] muito bem e castamente, trabalhando em serviço de Deus, dando bom
exemplo de si17.
6. Ao P. João
de Liçano dareis cem fanões, que me emprestou, estando vós em Punicale, para
coisas dos cristãos: estes, pagareis dos fanões do ensino dos meninos. Em
nenhuma outra coisa gastareis os fanões dos ensinos dos meninos, senão em
mestres que ensinam aos meninos as orações com muita diligência.
7. Duas coisas
vos encomendo muito: a primeira, que andeis peregrinando continuadamente de
lugar em lugar, batizando as crianças que nascem, e fazendo com muita
diligência ensinar as orações; a segunda, que olheis muito por esses Padres
malabares18 que não se danem [a si e aos outros]. E se virdes que fazem mal,
repreendê-los-eis e castigá-los-eis, pois é muito grande pecado não dar castigo
a quem o merece, principalmente aos que com seu viver escandalizam a muitos.
Admoestações e ameaças a fazer ao capitão Cosme de Paiva para que se
emende do mal que tem
feito na região
8. A Cosme de
Paiva ajudareis a descarregar sua consciência dos muitos roubos que nessa Costa
tem feito, e dos males e mortes de homens que por muita sua cobiça se fizeram
em Tutucorim. E mais: aconselhá-lo-eis, como amigo de sua honra, que torne o
dinheiro que tomou dos que mataram os portugueses, pois é coisa tão feia vender
por dinheiro o sangue dos portugueses19. Não escrevo, porque não espero emenda
nenhuma nele. Mas lhe direis da minha parte que o aviso [de] que tenho de
escrever ao Rei as suas malfeitorias, e ao senhor Governador para que o
castigue, e ao infante D. Henrique que, por via da Inquisição, castigue os que
perseguem aqueles que se convertem à nossa santa lei e fé. Por isso, que se
emende20.
Desliga Arteaga do serviço à missão e recomenda um possível candidato à
Companhia de Jesus
9. Se aí for
João de Artiaga, não consintais que esteja mais nessa Costa. Direis a Cosme de
Paiva, que não lhe pague nenhuma coisa, porque não é para estar nessa terra. A
Vasco Fernandes21, que esta minha carta leva, agazalhareis, porque espero em
Deus Nosso Senhor que será da nossa Companhia. Parece-me muito bom filho, e
com grandes desejos de servir a Deus. É razão que o favoreçamos.
Escrever-me-eis largamente de vós e desses cristãos, e de Cosme de Paiva se
[se] emenda e se restitui o que leva desses cristãos.
Nosso Senhor
seja sempre em vossa ajuda, como desejo que seja em minha.
De
Negapatão22, a 7 de Abril de 1545
Vosso em
Cristo Irmão, FRANCISCO
15
Diogo Rebelo chegou à Índia em 1537. Em 1520 esteve com Albuquerque em Ormuz.
Em 1532-1535 foi capitão da Pescaria. Nos anos 1535 e 1538 empreendeu viagens
a Bengala como capitão naval. Regressou a Portugal em 1541, mas consta que
esteve novamente na Índia em 1545. Não confundir com um marinheiro que em 1545
e 1548 veio à Índia .
16
Em 1547, Iniquitriberim teve de ceder a parte sul do distrito de Tinnevelly ao
imperador Vijayanagar. Aqueles dois mil fanões tinha-os dado Iniquitriberim a
Xavier, em Novembro de 1544, como prenda por ter intercedido a seu favor junto
do Governador.
17
Numa memória, redigida por Pedro Fernandes Sardinha em 1549, lemos que os
indianos não devem ser promovidos ao sacerdócio antes dos 25 ou 30 anos,
«porquanto, por alguns serem ordenados moços, no Cabo de Comorim e em Cranganor
se seguiram escândalos e desarranjos» (SCHURHAMMER, Quellen 4327; cf.
Xavier-doc. 119,16).
18
Naquela altura deviam ser Francisco Coelho, com Manuel, Gaspar e outro
minorista, talvez chamado Ferrão (Xavier-doc. 119,16), que em 1542 tinham partido
com Xavier para a Pescaria e que, entretanto, tinham recebido a ordenação
sacerdotal.
19
Paiva tinha vendido a Vettumperumâl os cavalos de guerra com que este invadiu
Tuticorim e lutou contra Iniquitriberim, aliado dos portugueses.
20
Cosme de Paiva veio a morrer em 10 de Novembro de 1546 na batalha da libertação
de Diu, mortalmente atingido por um mouro ao escalar as muralhas da cidade.
21
Vasco Fernandes não chegou a entrar na Companhia de Jesus. Não confundir com
outro Vasco Fernandes, morto no cerco de Diu em 1546 (CORREA, Lendas da Índia
IV 559).
22
A expedição punitiva contra Jaffna, devia partir desta cidade.
[*Sete dias de jejum
na semana Santa e predição da tempestade - Na
sua chegada a Nagapatão, encontrou Miguel Ferreira que acabava de fretar o seu
navio, e que se achava prestes a partir para (São Tomé de) Meliapor. Xavier
aproveita esta circunstância e embarca com ele a 29 de Março, domingo de Ramos,
com o fim de ir implorar as luzes divinas junto do túmulo de S. Tomé.
Somente no Sábado Santo, a pedido de Diogo
Madeira, concordou em beber um pouco de água, na qual pediu que se fizesse
cozer uma cebola. Este facto foi atestado por todo os passageiros.
Naquele mesmo dia, 5 de Abril, tornando-se
melhor o tempo, puderam levantar âncora e voltar ao mar.
E Xavier exclama:
- Capitão, o vosso navio é bastante forte
para resistir a uma violenta tempestade?
Ele responde: - Oh! não, santo Padre; é, ao
contrário, um velho barco; porém eu não o exponho nunca quando o tempo não está
seguro.
- É necessário, pois, tornar a ganhar o
porto, senhor.
- Oh! Padre Francisco! como, pois, tendes
vós medo com um tempo assim? Eu iria a Meliapor em uma cascazinha de noz com um
vento como este. E Xavier avisa:
- Não vos confieis nisso, capitão, poderíeis
enganar-vos!
- Meu Padre, olhai para este belo céu, nunca
vi melhor tempo para o mar, eu conheço-o; a mais frágil barca estaria em
segurança com este vento. Nada temais, Padre Francisco! Confiai em mim, que sou
um velho homem do mar. Vós chegareis a salvamento.
Xavier não insistiu mais; além disto os passageiros
recusavam voltar ao ancoradouro que haviam deixado. Mas no mesmo instante o mar
mostra-se agitado; um ponto negro se apresenta no horizonte; avança e sobe
ràpidamente, e o navio, jogando em todos os sentidos, ameaça sossobrar, quando
uma violenta rajada de vento, retrocedendo-o com uma força prodigiosa , o lança
precisamente no porto de Nagapatão, de onde haviam partido.
Imagine-se o pesar do capitão e da
equipagem, ao recordarem-se que nenhum de entre eles atendera as advertências
do santo Padre.
Xavier tinha de fazer a sua peregrinação ao
túmulo do primeiro apóstolo das Índias; para evitar novas demoras, tomou o
partido de fazer a viagem por terra e a pé, não obstante a distância e as
dificuldades dos caminhos.
Francisco Xavier na
terra de São Tomé - Toda a cidade de
Meliapor conhecia pela reputação o nosso Santo; causou por isso um movimento
geral a sua chegada ali. Gaspar Coelho, vigário da paróquia de São Tomé, veio
pedir-lhe instantemente que aceitasse a sua casa e não teve dificuldade em o
conseguir, porque o presbitério se achava ligado à igreja onde estava o túmulo
do primeiro apóstolo das Índias, e Xavier lembrou-se que poderia ali passar uma
parte das noites.
Reclamavam já o seu ministério, e com o zelo
que lhe conhecemos, previa ele já que os seus dias seriam absorvidos pelos
trabalhos apostólicos, em vista do deplorável estado de relaxação de costumes
em que se achava a cidade de Meliapor.
Logo nos primeiros dias da chegada, fez
ouvir a sua poderosa voz sempre abençoada, sempre apoiada pela mais eminente
santidade de vida, e logo também nos primeiros dias viu-se cercado dum grande
número de pecadores que a sua palavra havia esclarecido e convertido.
A exaltação do povo chegou a ponto de se
propalar o boato de que todos aqueles que resistissem às exortações do santo
Padre morreriam como réprobos; citavam-se até exemplos horrorosos, e o número
de pecadores crescia em torno do santo Padre para ouvir as suas prédicas, para
aliviar a sua consciência e para procurar a paz da alma a fim de serem
admitidos à graça de Deus.
Sabedoria virtuosa
na conversão - Alguns pecadores,
contudo, - mas em muito pequeno número-, evitavam ver e ouvir o santo Padre, a
quem ninguém resistia.
Um deles, rico fidalgo português, cujas
devassidões eram o maior escândalo da cidade, fugia de Xavier com tanto maior
cuidado, quanto mais conhecido ele se tornava. Um dia, no momento em que ia à
mesa do jantar, o Padre Xavier apresentou-se em sua casa e lhe disse
afavelmente:
- Jacinto, desde a minha chegada, aqui,
desejo ver-vos e não vos encontro em parte alguma!
- Meu Padre... (logo Xavier interrompe)
- Eu tenho pouco tempo de meu, não posso
fazer visitas e venho pedir-vos de jantar; aceitais-me, não é assim? Não achei
outro meio de vos ver. E Jacinto continuou:
- Certamente... meu Padre... é uma grande
honra para mim, balbuciou Jacinto.
Xavier foi amável, insinuante, jovial,
espirituoso, atraente como o era sempre que a glória de Deus e a salvação duma
alma o chamava, porém não falou absolutamente nada ao seu hospedeiro dos
escândalos da sua culpável vida.
Jacinto via-se confundido. Perguntava a si
mesmo como era que um Santo como o Padre Xavier, que nunca deixava escapar uma
só ocasião de conquistar uma alma, e que buscava os pecadores com tamanhas
fadigas e. um tão ardente zelo, não lhe dissesse uma palavra sequer com relação
à sua consciência. A sua admiração cresceu ainda quando viu que o amável Santo
o deixava e se retirava com a mesma afabilidade que mostrara à chegada.
Então operou-se na sua alma uma perturbação
inexplicável; Jacinto, oprimido pelo pensamento de que o apóstolo havia julgado
inútil ocupar-se da sua salvação, porque o supunha incorrigível, não gozou um
só instante mais de repouso, e resolveu-se a ir procurar o santo Padre.
- Meu Padre, lhe disse ele, o vosso silêncio
confundiu-me! Será porque me olheis como um réprobo que nunca obterá o perdão
dos seus pecados?
- Certamente que não, caro senhor. E porque
razão? - Viestes a minha casa, meu Padre, e nem uma palavra me dissestes com
respeito à minha consciência!...
- Ah! vós não me teríeis escutado! Preferi
guardar silêncio...
- Oh! meu bom Padre, foi este silêncio que
me perturbou. Não tenho tido um só momento de descanso depois da vossa visita;
sou o mais desgraçado dos homens! Se é tempo ainda, -meu caríssimo Padre
Francisco, não me abandoneis!
- Sempre é tempo de recorrer à misericórdia
infinita de Deus, querido senhor; porém vós tendes grandes sacrifícios a fazer
para pôr em ordem a vossa consciência...
- Farei tudo que quiserdes, meu bom Padre!
Tudo sacrificarei, obedecer-vos-ei cegamente, uma vez que não desespereis da
minha salvação.
O Santo ouviu-lhe uma confissão geral, e
Jacinto completamente regenerado na sua vida, veio a ser um fervoroso e
exemplar cristão.
Devoção a Maria e
prodígio do rosário no mar - Os prodígios
acompanhavam por toda a parte o grande Xavier. Bento Cabral, mercador português
em Meliapor, achando-se de partida para Malaca, foi pedir-lhe a sua bênção e
suplicar-lhe que lhe desse em lembrança um objecto qualquer que ele pudesse
conservar.
- Eu nada tenho, respondeu-lhe o humilde
Santo; não vos posso dar mais que este rosário, que vos será útil, se tendes
confiança em Maria.
Bento embarcou e o seu navio quebrou-se
contra um rochedo; todos os passageiros e a maior parte dos marinheiros
desapareceram submergidos, e os outros salvaram-se sobre uma rocha à flor da água;
o mercador está entre eles com o seu rosário na mão. Eles reúnem algumas
pranchas, restos do navio quebrado, e lançam-se nelas à mercê da Providência!
O nosso mercador não largava o seu rosário;
invoca a Estrela do Mar, oferece os, méritos do santo Padre Xavier e perde o
sentimento e o conhecimento da sua situação. Não supõe que se acha no mar,
supõe-se em Meliapor junto do santo Padre, julga estar a falar-lhe e a
ouvi-lo... E eis que de repente torna a si... Vê-se em terra, sobre uma costa
que lhe parece desconhecida e cujo nome pergunta aos estranhos que o cercam,
porque os marinheiros, seus companheiros de infortúnio, não estão a seu lado.
Respondem-lhe que está 'em Nagapatão, e ele publica, com todo 0 entusiasmo do
seu elevado reconhecimento, a maneira milagrosa como foi salvo das ondas.
Milagre, providência
e caridade: uma só ação - O navio de Jerónimo
Fernandes de Mendonça fazia toda a sua fortuna, e aquele navio foi aprisionado
pelos corsários do Malabar em frente do cabo Comorim. Jerónimo, para salvar a
sua vida, lança-se ao mar, ganha, a nado, a costa de Meliapor e ali encontra o
santo Padre a quem expõe a sua cruel situação.
- Se eu pudesse lastimar-me por ser pobre,
respondeu-lhe o caritativo apóstolo, lastimá-lo-ia neste momento! Mas tende
coragem, meu caro amigo! A divina Providência não vos abandonará, ela virá em
vosso auxílio.
Dizendo isto, o Padre Xavier revolvia a sua
algibeira, e como penalisado de nada achar nela, dirigiu um olhar suplicante
para o Céu e afastou-se alguns passos orando. Torna a meter a mão na algibeira,
e voltando-se para Jerónimo, diz-lhe:
- Caro senhor, tomai isto, o Céu vo-lo
envia, aceitai, mas não digais nada a ninguém!
E dava-lhe cinquenta ducados de oiro.
Jerónimo Fernandes, ébrio de alegria, por ter com que restabelecer os seus
negócios e por ser devedor daquela fortuna a um milagre da Providência,
empenhou-se em o fazer publicar, não obstante a oposição do santo Padre. Deus
quis que o prodígio não pudesse ser contestado, porque aquelas peças de oiro
foram reconhecidas como de uma matéria mais pura e de maior valor que a de
todas as moedas em circulação nas Índias.
A grande santidade de Xavier produzia em
Meliapor tão salutar fruto como a sua palavra, e a cidade inteira reformava-se
com um empenho bem consolador para o coração do apóstolo amado de Deus.
Pobreza e missão - Uma das mais satisfatórias conversões para Xavier, foi a
de João de Eiro que depois de haver servido na armada portuguesa, se
enriquecera no comércio das Índias, conquanto não tivesse ainda senão trinta e
cinco anos. Veio um dia procurar o santa Padre e disse-lhe:
- Meu Padre, venho comunicar-vos um
pensamento que me preocupa há muitos dias. Eu desejava servir a Deus o mais
completamente possível, mas a pobreza aterra-me; permiti, pois, que me una a
vós, que vos acompanhe por toda a parte, e que tome parte em todos os vossos
cuidados; eu vos auxiliarei da melhor vontade nas vossas missões.
- Não está nisto a perfeição evangélica,
respondeu-lhe Xavier. Lembrai-vos do conselho dado por Nosso Senhor Jesus
Cristo ao jovem do Evangelho que lhe perguntou o que deveria fazer para ser
perfeito: Se quereis ser perfeito, lhe disse o divino Salvador, vendei tudo
quanto tendes e dai o seu valor aos pobres.
- Pois bem, meu Padre, dar-vos-ei tudo que
tenho e vós o dareis aos pobres.
- Não é também desse modo que isto se deve
levar à execução. Examinai primeiramente a maneira como vos enriquecestes nos
vossos negócios. Pode acontecer que encontreis algumas restituições
necessárias; preparai-vos a fazer uma boa confissão geral, e com a vossa
consciência purificada por esta confissão e pelas restituições, obtereis mais
facilmente a graça de conhecer a vontade de Deus para convosco.
João de Eiro submeteu-se à direção de
Xavier; mas bem depressa a pobreza tornando-se-lhe intolerável, fretou
misteriosamente uma pequena embarcação e dispunha-se a partir, às ocultas do
santo Padre, a fim de recomeçar as suas empresas comerciais, quando o
catequista Antônio veio ter com ele e disse-lhe
- Senhor João, vinde depressa falar ao Padre
Francisco; ele espera-vos.
- Enganais-vos, Antônio; é algum outro João
que o Padre procura, não pode ser comigo.
- Sois vós mesmo, por que ele me disse: João
de Eiro; é urgente, vinde depressa!
Ei-lo, algum tanto desconcertado, e temendo
que o Santo, sempre esclarecido por Deus, conhecesse já o seu plano secreto
satisfez ao chamamento que lhe era feito.
Disse-lhe Xavier logo que o viu: - Vós
pecastes!
João respondeu: - É verdade, é verdade, meu
caro Padre! pequei; cedi a uma violenta tentação de voltar ao meu comércio!
- Penitência, pois, meu amigo, penitência! lhe respondeu
o apóstolo levantando-o e abraçando-o.
Porque João de Eiro, não podendo sustentar a
suavidade e a penetração do angélico olhar de Xavier, se prostrara a seus pés.
Rendeu-se de todo contrito da sua falta, confessou-se, tratou em seguida de
vender tudo quanto possuía, deu toda a sua importância aos pobres, reuniu-se ao
santo Padre, e o seguiu na qualidade de seu catequista.
Antes
de largar Meliapor, onde ia deixar tão gratas recordações, escrevia o nosso
Santo à Companhia de Jesus, em Goa]
51
A MESTRE DIOGO E AO PADRE MICER PAULO (GOA)
Meliapor, 8 de Maio 1545
Autógrafo de Xavier, escrito em português
Caríssimos e em Cristo Jesus
amantíssimos Irmãos:
A graça e amor de Cristo Nosso
Senhor seja sempre em nossa ajuda e favor. Amen.
A expedição contra Jaffna foi adiada até recuperar o carregamento duma
nau aí aprisionada. Xavier, impedido de desembarcar na Costa da Pescaria,
seguiu para o santuário de S. Tomé de Meliapor a pedir luz para possível missão
em Malaca e Celebes
1. Não se
tomou Jafanapatão, nem se pôs de posse aquele rei que havia de ser cristão1.
Deixou-se de fazer, porque deu à costa uma nau do Rei, que vinha de Pegu,2 e
tomou-[lhe] a fazenda o rei de Jafanapatão3 e, até se cobrar o que o rei de
Jafanapatão tomou, não se fez o que o senhor Governador mandava. Prazerá a Deus
que se fará, se for seu serviço4.
Em Negapatão
estive alguns dias, e os ventos não me deram lugar para poder tornar ao Cabo de
Comorim. Então foi-me forçado vir a São Tomé5. Nesta santa casa6, tomei por
ofício ocupar-me em rogar a Deus Nosso Senhor [que] me desse a sentir dentro,
na minha alma, a sua santíssima vontade, com firme propósito de a cumprir, e
com firme esperança que «dará realização quem deu o querer»7. Quis Deus, por
sua acostumada misericórdia, lembrar-se de mim e, com muita consolação
interior, senti e conheci ser sua vontade eu ir àquelas partes de Malaca8, onde
novamente9 se fizeram cristãos, para dar-lhes razão e doutrina da nossa santa e
verdadeira fé, sacando os artigos e mandamentos da nossa lei e fé na sua
língua deles10, com alguma explicação. E pois voluntariamente vieram a fazer-se
cristãos, em razão está, caríssimos Irmãos, serem muito favorecidos de nós. E
para que saibam pedir a Deus acrescentamento de fé e graça para guardar sua
lei, sacarei [também] na sua língua o Pai-nosso e a Avè-Maria e outras orações
como é a Confissão geral para que confessem a Deus os seus pecados
quotidianamente. Esta lhes servirá em lugar de confisssão sacramental, até que
Deus proveja de sacerdotes que entendam sua língua11.
[*O que poderíamos
dizer do zelo do nosso admirável apóstolo que não estivesse muito abaixo desta
ardente e magnífica expansão da sua alma?!...
Ele não pôde
partir tão depressa como desejava, e conservou-se em Meliapor até aos
princípios de Setembro, e só então embarcou para Malaca, deixando em lágrimas a
população que acabava de reformar, e cuja vida se tornara tão edificante, que
ao deixar a cidade disse:
"Meliapor é
uma cidade das mais cristãs; Deus a abençoará: em poucos anos ela virá a ser
uma das mais ricas e florescentes cidades de toda as Índias!"
E aquela predição
cumpriu-se, poucos anos depois.]
Quando parti
da Índia, foi de um lugar de São Tomé, onde dizem os gentios da terra que está
o corpo de S. Tomé Apóstolo. Há, em São Tomé, mais de cem portugueses casados. .
Há
uma igreja muito devota10, e todos têm [por certo] que está ali o corpo do glorioso
Apóstolo11.
10 A igreja sepulcral de S. Tomé, antiquíssima, estava em ruínas quando
ali chegaram os portugueses em 1517, mas nos anos 1523-1532 foi restaurada.
Desaparecida em 1673 com a destruição da cidade, foi pouco depois reconstruída
pelos portugueses (SOUZA, Oriente Conquistado). Em seu lugar ergue-se hoje a
catedral, construída em 1893-1896.
11 O sepulcro do Apóstolo S. Tomé está em Meliapor, segundo tradição
constante dos cristãos daquela região. Aberto o sepulcro em 1523, foram aí
encontradas relíquias de ossos decompostos, um vaso cheio de terra
ensanguentada e o ferro duma lança. Existe um amplo relatório de testemunhas de
1533 e, além disso, uma carta original dos portugueses de S. Tomé, enviada ao
Rei em 1538, assinada por 21 pessoas. As principais relíquias do sagrado corpo
tinham sido enviadas para Edessa no sec. III e daí para Chio em 1544 e de lá para
Ortona (Itália) em 1258. Parte das relíquias encontradas em 1523 pelos
portugueses, foram enviadas para Cochim, Goa e Baçaim; e um pedaço de costela e
o ferro da lança ficaram em S. Tomé.
Comunicada, do
santuário de S. TOMÉ Apóstolo (Meliapor), aos companheiros de Goa, a decisão
aí tomada de ir explorar as esperanças que se abriam ao cristianismo em
Macassar (Celebes), Xavier segue viagem para Malaca em fins de Agosto de 1545,
para ali esperar nau que o leve ao Extremo Oriente.
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