TRECHO DA CARTA 59, DE COCHIM 1548
SOBRE O JAPÃO
Informações esperançosas sobre o Japão e encontro com o primeiro
japonês que lhe apresentaram os marinheiros portugueses
15. Estando
nesta cidade de Malaca me deram grandes noticias, uns mercadores portugueses,
homens de muito crédito, de umas ilhas muito grandes, de pouco tempo a esta
parte descobertas, as quais se chamam as ilhas de Japão. Nelas, segundo parecer
deles, se faria muito fruto em acrescentar a nossa santa fé: mais que em
nenhumas outras partes da Índia, por [a de lá] ser uma gente desejosa de saber
em grande maneira, o que não têm estes gentios da Índia.
Veio com estes
mercadores portugueses um japonês, chamado por nome Angirô59, em busca de mim,
porque os portugueses que lá foram de Malaca lhe falaram em mim. Este Angirô
vinha com desejo de confessar-se comigo, porque deu parte, aos portugueses, de
certos pecados que na sua juventude tinha feito, pedindo-lhes remédio para que
Deus Nosso Senhor lhe perdoasse tão graves pecados. Deram-lhe por conselho, os
portugueses, que viesse a Malaca com eles a ver-se comigo. Assim o fez, vindo a
Malaca com eles. Mas quando ele chegou a Malaca tinha eu partido para Maluco.
De maneira que se tornou a embarcar, para ir para a sua terra de Japão, quando
soube que eu tinha ido para Maluco. Estando já à vista das ilhas do Japão,
deu-lhes uma tormenta tão grande de ventos, que se houveram de perder. Tornou
então outra vez o navio em que ia, caminho de Malaca, onde me achou. Folgou
muito comigo. Veio-me procurar com muitos desejos de saber coisas da nossa
lei60. Ele sabe falar português razoavelmente. De maneira que ele me entendia
tudo o que eu lhe dizia e eu a ele o que me falava.
16. Se assim
são todos os japoneses, tão curiosos de saber como Angirô, parece-me que é a
gente mais curiosa de quantas terras são descobertas. Este Angirô escrevia os
artigos da fé, quando vinha à doutrina cristã. Ia muitas vezes à igreja a
rezar. Fazia-me muitas perguntas.
É homem muito
desejoso de saber, o que é sinal de um homem se aproveitar muito e de vir em
pouco tempo em conhecimento da verdade. Daí a oito dias que Angirô chegou a
Malaca, parti para a Índia61. Muito folgara que viesse este japonês na nau em
que eu vinha! Mas, pelo conhecimento que tinha com outros portugueses que
vinham para a Índia, não lhe pareceu bem deixar companhia da qual tinha
recebido muitas honras e amizades. Espero em Cochim por ele, daqui a dez dias.
Xavier, valente guerreiro
em tempo de guerra pela honra cristã – (gritam) "Às armas! às armas! em socorro
da praça! o inimigo está às portas! Às armas! bravos portugueses; às armas!
bravos índios! às armas!"
Este grito de alarme retiniu subitamente no
meio do silêncio da noite, nas ruas de Malaca, a 9 de Outubro de 1547.
Produziu um geral terror nos habitantes e
todos correram às armas; eram duas horas da manhã. O tempo estava quente, um
luar sinistro iluminava a cidade inteira; gritos longínquos, alegres e
prolongados como os gritos de vitória, e multiplicados por numerosos ecos,
misturavam-se com o estrondo das descargas sucessivas de uma formidável
artilharia.
Homens, mulheres, crianças, índios,
portugueses, toda a população enfim, está de pé em um instante. Cada um procura
conhecer o perigo de que é ameaçado; dirigem-se ao porto... Está em fogo!
Todos os navios ancorados são presos das
chamas, o incêndio que devora aquele rico meio de defesa, deixa a cidade à
mercê dos bárbaros que a atacam tão traiçoeiramente! Contudo ela procura
defender-se do interior pelo maior tempo possível, e consegue repelir os
assaltantes que investem ferozmente e pretendem ocupar a fortaleza antes do
dia.
Ao nascer do sol, sete pobres pescadores
entram na cidade; tinham sido surpreendidos pelo inimigo, que depois de lhes
cortar os narizes e as orelhas os enviava, assim mutilados, com uma carta do
general em chefe do exército muçulmano a Francisco de Melo, governador de
Malaca.
59
Anjirô, nascido em Kagoshima por 1512, de nobre família (samurai), perseguido
por um homicídio, veio a Malaca em 1546 e de novo em 1547. Em 1548 é batizado
em Goa com o nome de Paulo de Santa Fé e, em 1549, acompanha Xavier ao Japão.
Em Kagoshima, sua terra natal, entre parentes e outra gente converte ao
cristianismo mais de 100 pessoas e aí fica à frente da comunidade cristã,
enquanto o apóstolo percorre outras terras. Perseguido pelos bonzos, junta-se a
um grupo de japoneses que vão para a China como salteadores e aí morre em
combate (SCHURHAMMER, Sprachproblem 3-4 11-26).
60
O próprio Anjirô fala da sua vida (Doc. Indica I 335 ss).
17. Perguntei
a Angirô – se eu fosse com ele à sua terra – se se fariam cristãos os de Japão.
Respondeu-me que os da sua terra62 não se fariam cristãos logo, dizendo-me que
primeiro me fariam muitas perguntas e veriam o que lhes responderia e o que eu
sabia e, sobretudo, se vivia conforme ao que falava. Se fizesse duas coisas –
falar bem e responder às suas perguntas, e viver sem que me achassem em que me
repreender – que, em meio ano depois que tivessem experiência de mim, o rei63 e
a gente nobre e toda a outra gente de distinção se fariam cristãos, dizendo que
eles não são gente que se regem sem razão.
Um mercador português prepara-lhe, por escrito, um relatório apurado
sobre o Japão
18. A um
mercador português amigo meu64, que esteve muitos dias na terra de Angirô,
roguei-lhe que me desse, por escrito, alguma informação daquela terra e da
gente dela: do que havia visto e ouvido a pessoas que lhe parecia que falavam
verdade. Ele me deu esta informação tão miúda, por escrito, que vos envio com
esta carta minha65. Todos os mercadores portugueses, que vêm do Japão, me dizem
que, se eu lá fosse, faria muito serviço a Deus Nosso Senhor. Mais que com os
gentios da Índia, por ser gente de muita razão. Parece-me, pelo que vou
sentindo dentro em minha alma, que eu ou algum da Companhia, antes de dois
anos, iremos ao Japão. Mesmo que seja viagem de muitos perigos, assim de
tormentas grandes e de ladrões chineses que andam por aquele mar a furtar, onde
se perdem muitos navios.
19. Portanto,
rogai a Deus Nosso Senhor, caríssimos Padres e Irmãos, pelos que lá forem,
porque é uma navegação onde muitos navegantes se perdem. Neste tempo, Angirô
aprenderá mais a linguagem portuguesa e verá a Índia e os portugueses que nela
há, e a nossa arte e modo de viver. Neste tempo catequizá-lo-emos e
traduziremos toda a doutrina cristã em língua de Japão, com uma Explicação
sobre os artigos da fé, que trata a história da vinda de Jesus Cristo Nosso
Senhor copiosamente, porque Angirô sabe muito bem escrever letra de Japão.
Trechos da carta 60, 1548, a D. João III rei de Portugal
Trechos da carta 60, 1548, a D. João III rei de Portugal
Irá ao Japão ele ou outros, e deixa superiores locais em todos os
grupos de jesuítas
4. Ainda não resolvi definitivamente se eu mesmo irei
ao Japão, com um ou dois da Companhia, daqui a ano e meio, ou enviarei adiante
dois dos nossos: o certo é que ou irei eu ou enviarei a outros. Actualmente
estou inclinado a ir eu mesmo. Peço a Deus que me inspire, com toda a clareza, o
que for mais do seu agrado.
Quanto menos apoio encontra na Índia, mais vontade tem de ir para o
Japão
9. Eu, Senhor,
não estou de todo determinado a ir ao Japão. Mas vai-me parecendo que sim,
porque desconfio muito que não hei-de ter verdadeiro favor na Índia para
acrescentar a nossa santa fé, nem para a conservação da cristandade que está feita.
TRECHO DA CARTA 70
AO PADRE INÁCIO DE LOYOLA (ROMA)
Cochim, 12 de Janeiro 1549
Mas muitas esperanças no Japão, para onde está determinado a partir
8. Por estas
causas e outras muitas, que seriam longas de contar, e pela muita informação
que tenho do Japão, que é uma ilha14 que está perto da China, e porque são
todos no Japão gentios e não há mouros nem judeus e [são] gente muito curiosa
e desejosa de saber coisas novas, assim de Deus como de outras coisas naturais,
determinei ir a essa terra com muita satisfação interior, parecendo-me que
entre tal gente se pode perpetuar, por eles mesmos, o fruto que em vida os da
Companhia fizermos15. Estão três mancebos dessa terra de Japão no colégio de
Santa Fé de Goa, que vieram no ano de 1548 de Malaca quando eu [de lá] vim16,
os quais dão grande informação daquelas partes do Japão. São pessoas de bons
costumes e grandes ingénios, principalmente Paulo, o qual escreve muito
largamente a vossa Caridade pela via de Mestre Simão. Paulo, em oito meses,
aprendeu a ler e escrever e falar português. Agora faz os Exercícios
[Espirtuais]17, com grande esperança em
Jesus Cristo Nosso Senhor e há-de aproveitar muito: está muito introduzido nas
coisas da fé. Tenho grande esperança que me há-de ajudar, e está toda em Deus
Nosso Senhor, que se hão-de fazer muitos cristãos no Japão.
Eu vou determinado a ir primeiramente
onde está o rei18 e, depois, às universidades onde têm os seus estudos19. A lei
que eles têm, diz Paulo que foi trazida duma terra que se chama Chengico 20,
que está passada a China e depois Tartao 21. E, segundo diz Paulo, em ir do
Japão a Chengico e voltar ao Japão, gastam no caminho três anos. Do Japão
escreverei a vossa santa Caridade muito longa informação, assim dos seus
costumes, como das suas escrituras e do que ensinam naquela grande universidade
de Chengico 22.
9. Porque em
toda a China e em Tartao, que é uma terra muitíssimo grande entre a China e
Chengico, segundo diz Paulo, não têm outra doutrina senão a que ensinam em
Chengico. Quando vir as escrituras do Japão e tratar com os daquelas
universidades, escreverei muito longamente de tudo. Não deixarei de escrever à
universidade de Paris, e por ela serão avisadas todas as universidades da
Europa. Levo comigo um Padre de Missa, valenciano, chamado Cosme de Torres23,
que cá entrou na Companhia, o qual vos escreve muito longamente24, e também os
três mancebos do Japão25. Partiremos, com a ajuda de Deus, este mês de Abril do
ano 1549.
10. Havemos de passar primeiro por Malaca e pela China, e depois [chegar] ao Japão: haverá, de Goa ao Japão, mil e trezentas léguas ou mais. Nunca poderia acabar de escrever quanta consolação interior sinto em fazer esta viagem, por ser de muitos e grandes perigos de morte, de grandes tempestades, de ventos, de baixios e de muitos ladrões: quando de quatro navios se salvam dois, é grande acerto. Eu não deixaria de ir ao Japão, pelo muito que tenho sentido dentro da minha alma, ainda que tivesse por certo que me havia de ver nos maiores perigos em que jamais me vi, porquanto tenho muito grande esperança em Deus Nosso Senhor de que naquelas partes se há-de acrescentar muito a nossa santa fé. Pela informação que nos deu Paulo daquela terra do Japão, vereis a disposição que há naquelas partes, para servir a Deus Nosso Senhor: a informação vo-la mando com estas cartas26.
14
Agora diz Xavier que é uma ilha; seis meses depois, distingue a ilha em que
está o rei e o resto do Japão (Xavier-doc. 85,9); no regresso de lá escreverá
que «são ilhas» (Xavier-doc. 96, 2).
15
Os superiores gerais dos jesuítas desde esta época não quiseram estender aos
japoneses a proibição de admitir indígenas à Companhia de Jesus.
16
Um era Anjirô, que no batismo tomou o nome de Paulo de Santa Fé; o outro era
João de Torres, criado de Paulo e por ele trazido do Japão. O terceiro,
António, oriundo de Kagoshima, que tinham entregado a Xavier.
17
Orientados por Cosme de Torres, durante quase um mês (Doc. Indica I ;
Xavier-doc. 84, 2).
18
O rei do Japão, Voo (O) , tinha a sua sede na cidade de Miyako.
19
Alude Xavier principalmente às universidades de bonzos, perto de Miyako (cf.
Xavier-doc. 85, 9).
20
Tenjiku, região da Índia.
21
Tartária.
22
As universidades aludidas por Xavier são as famosas escolas dos mosteiros
budistas doutros tempos, onde estudavam também os bonzos chineses. Mas no tempo
em que ele escreve, não havia semelhantes escolas na Índia. Por isso, Xavier
depois da sua viagem ao Japão já não as menciona. O budismo foi da Índia para o
Japão, passando pela China.
23
Cosme de Torres, S.I., nasceu em Valência por volta de 1510 e, sendo já
sacerdote, ensinou gramática em Mallorca, Valência e Ulldecona (Valdecona). Em
1538 embarcou para o México, onde se juntou em 1542 a Rodrigo López de
Villalobos nas suas expedições às Filipinas e às Molucas. Em Amboino (Molucas)
conheceu Xavier em 1546, em 1548 entrou na Companhia de Jesus em Goa e em 1549
foi com o apóstolo para o Japão. Quando Xavier regressou, ficou Torres naquele
país, como superior da Missão, cargo que exerceu de 1552 a 1570. Durante o seu
governo, o número de cristãos subiu a uns 30.000. Morreu em 1570 em Shiki (na
ilha Kami Shima).
24
Doc. Indica I 468-481; cf. MI, Epp. II 569.
TRECHO DA CARTA 71, 01/1549 A INACIO DE LOYOLA
TRECHO DA CARTA 71, 01/1549 A INACIO DE LOYOLA
Poucas esperanças na cristianização dos indianos, muitas na dos
japoneses
7. Vendo eu a
disposição dos indígenas destas partes, os quais pelos seus grandes pecados não
são nada inclinados às coisas da nossa santa fé e, mais ainda, até lhe têm ódio
e lhes dói sumamente que lhes falemos de se fazerem cristãos; pela muita
informação que tenho do Japão, que é uma ilha junto à China, onde todos são
gentios, não mouros nem judeus, e gente muito curiosa e desejosa de saber
coisas novas de Deus e de outras naturais, resolvi-me, com muita satisfação
interior, a ir àquela terra, parecendo-me que entre aquela gente poderão
perpetuar, eles mesmos, o fruto que fizermos em vida os da Companhia.
Os três japoneses convertidos
8. Há no colégio da Santa Fé em Goa três
jovens daquela ilha do Japão, que vieram de Malaca no ano 48, quando eu vim.
Estes dão muitas informações daquelas partes do Japão. São pessoas de bons
costumes e grandes ingénios, principalmente Paulo, o qual escreve a vossa
Caridade. Este Paulo, em oito meses, aprendeu a ler e escrever e falar
português. Agora faz os Exercícios Espirituais: tem-se ajudado muito deles e
tem penetrado notavelmente nas coisas da fé. Tenho grande esperança, e esta
unicamente em Deus Nosso Senhor, de que se hão-de fazer muitos cristãos no
Japão. Estou resolvido a apresentar-me ao rei dos japoneses e, depois, à
universidade onde têm os seus estudos, com grande esperança em Jesus Cristo que
me há-de ajudar.
A religião dos japoneses, segundo um deles
9.
A lei que eles têm, diz Paulo, foi trazida e teve origem doutra terra que se
chama Chengico e que está mais para lá da China e Tartao, segundo o testemunho
de Paulo.
No
caminho do Japão a Chengico, em ir e voltar, levam-se três anos. Do Japão
escreverei a vossa Caridade, dando longa informação, assim dos costumes e das
suas escrituras como do que se ensina na grande universidade de Chengico,
porque em toda a China e Tartao não se tem outra doutrina, como afirma Paulo,
senão a que se ensina em Chengico. Logo que vir as escrituras e tratar com
aquelas universidades, poderei avisar de tudo longamente. Não deixarei de
escrever à universidade de Paris. Por ela serão avisadas todas as universidades
da Europa.
Próxima viagem ao Japão com Cosme de Torres
e seus perigos
10.
Levarei comigo um Padre valenciano, chamado Cosme de Torres, o qual entrou aqui
na Companhia, e três jovens do Japão. Partiremos, com a ajuda de Deus, neste
mês de Abril de 1549.
2
Os jesuítas residentes em Goa eram: Micer Paulo, Torres, Barzeu, A. Gomes, e os
Irmãos D. Carvalho, A. Carvalho, Ferreira, Lobo, Manuel Vaz, F. Gonçalves (Doc.
Indica I 442), além dos destinados a Socotorá e Molucas e os admitidos por
António Gomes depois de Xavier ter partido de Goa.
3 Cf. Xavier-doc. 15,9;.
4
Nem Cipriano nem os seus companheiros chegaram a ir para Socotorá.
5
Coulão era uma povoação importante, por estar perto da Pescaria e porque o seu
capitão tinha alguma jurisdição sobre os cristãos de Travancor (cf. MX I
54--55). Ali tinha também a sua sede Iniquitriberim (Rama Varma).
Temos de passar por Malaca e
pela China: haverá, de Goa ao Japão, mais de mil e trezentas léguas. Jamais
poderia terminar de escrever quanta consolação interior sinto em fazer esta
viagem, estando como está, cheia de grandes perigos de morte pelos ventos e
tempestades e baixios e muitos ladrões: quando de quatro se salvam dois navios,
parece grande ventura. Mas não deixaria de ir ao Japão, pelo que tenho sentido
dentro da minha alma, ainda que tivesse por certo que me havia-de ver nos
maiores perigos em que jamais me vi, pois temos grande esperança em Deus que
há-de ser para grande acrescentamento da nossa santa fé. Pela informação que
nos tem dado Paulo do Japão, vereis a disposição que há naquelas partes: essa
informação vos mando com estas cartas.
Modo de escrever dos japoneses.
12. Mando-vos o alfabeto do Japão.
Escrevem muito diferentemente de nós, começando de cima para baixo.
Perguntando eu a Paulo porque não escreviam ao nosso modo, ele me respondeu
porque não escrevíamos nós ao modo deles. Dando-me esta razão: que, assim como
o homem tem a cabeça em cima e os pés em baixo, assim também quando o homem
escreve há-de escrever de cima para baixo. Esta informação que vos mando da
ilha do Japão e dos costumes daquela gente, deu-no-la Paulo, homem de muita
verdade. As escrituras não as entende o dito Paulo, porque são para eles como o
latim para nós; mas o que contêm, quando lá chegar, vo-lo direi.
CONCLUSAO DA CARTA 72 A INACIO, 1549
CONCLUSAO DA CARTA 72 A INACIO, 1549
Maneira de escrever dos japoneses. Envia um relatório do japonês
Anjirô. Parte em breve para o Japão
4. Mando-vos o
alfabeto japonês. Os japoneses escrevem muito diferentemente dos outros povos,
pois escrevem de cima para baixo da página [e não de lado a lado]. Perguntando
eu a Paulo, japonês, porque não escreviam como nós, respondeu-me: Porque não
escreveis antes vós ao nosso modo? Porque assim como o homem tem a cabeça em
cima e os pés em baixo, assim também deveria escrever direito de cima para
baixo. Envio-vos também o relatório que me deu Paulo, homem de grande religião
e fé, sobre o Japão e os costumes daquelas gentes. Dentro de dois meses [se
Deus quiser,] embarcarei para o Japão com o Padre Cosme de Torres, Paulo e
outros dois japoneses. De lá vos escreverei sobre o que se contém nas suas
escrituras, pois não consegui sabê-lo de Paulo, homem sem letras e que nada
sabe de livros que, como entre nós os latinos, estão escritos em língua já não
usada.
Jesus Cristo
Nosso Senhor nos ensine a cumprir a sua vontade e, depois dos trabalhos desta
vida, nos leve àquele bem-aventurado e eterno descanso. Amen.
De Cochim, a
14 de Janeiro, FRANCISCO
73
AO PADRE SIMÃO RODRIGUES (PORTUGAL)
Cochim, 20 de Janeiro 1549
O Japão e a sua próxima partida com Cosme de Torres. Informações sobre
esse país
3. Pela muita
informação que tenho de uma ilha de Japão, que está além da China 200 léguas ou
mais, sei(*por) ser gente de muita arte e maneira, e curiosa de saber, assim
das coisas de Deus como de outras coisas de ciência, segundo me dão informação
os portugueses que daquelas partes vieram. Mas também por uns homens japoneses,
que no ano passado vieram de Malaca comigo, que se fizeram cristãos no colégio
de Santa Fé de Goa5, me deram informação daquela ilha, como vereis por um
caderno que lá vos envio, que foi sacado pela informação que nos deu [Paulo de]
Santa Fé. Este é o que se fez cristão. Dantes se chamava Anjirô, de Japão,
homem de muita verdade e virtude. Ele vos escreve largamente de si, e da
maneira que veio, e das mercês que Deus lhe tem feito. Espero que lhe há-de fazer
muitas mais. Estou determinado6, este Abril que vem, do ano de 1549, a ir ao
Japão com um Padre, por nome Cosme de Torres7 – o qual vos escreve muito
largamente – por me parecer que naquelas partes se há-de acrescentar muito a
nossa santa fé. E, porque nestas partes não faço tanta míngua, com a vinda dos
Padres deste ano e com me parecer que, para o ano que vem, vireis [vós), ou
quando não, enviareis alguma pessoa em vosso lugar com muitos outros da
Companhia, posso-me escusar nestas partes. Eu espero em Nosso Senhor que já
então terei escrito à Índia notícias do Japão, e da disposição daquelas partes
para o acrescentamento da nossa santa fé. Praza a Deus que, depois de ter dado
ordem na Índia em muitas coisas e em serviço de Deus, segundo a informação que
do Japão vos escrever nos ajuntemos naquelas partes, se forem mais dispostas
para o acrescentamento da nossa santa fé, como me parece será.
4.
Por tempos, prazerá a Deus que muitos da Companhia irão à China e, da China,
àqueles seus grandes Estudos que estão além da China e Tartao [numa terra] que
se chama Chingico, segundo a informação de Paulo: diz que em todo Tartao, China
e Japão têm a lei que ensinam em Chingico. Como ele não entende a língua em que
têm escrita a lei, que têm os da sua terra escrita em livros, que é como latim
entre nós, por isso não me sabe dar inteira informação da lei que têm escrita
em seus livros de impressão. Quando chegar ao Japão, sendo Deus servido, vos
escreverei muito particularmente as coisas que têm escritas em seus livros, que
eles dizem ser de Deus: é que eu estou determinado8 com a ajuda de Deus,
chegando ao Japão, de ir onde está o rei. Depois de ter experiência do que lá
há, vos escreverei muito miudamente, assim para a Índia como para o colégio de
Coimbra e de Roma e para todas as universidades, principalmente a de Paris,
para lhes recordar que não vivam em tanto descuido, fazendo tanto fundamento em
letras, descuidando-se das ignorâncias dos gentios
5
No dia de Pentecostes (20 de Maio) de 1548, batizou o Bispo três japoneses na
catedral de Goa (CAMARA MANUEL).
7 Ainda não menciona Juan Fernandez, designado depois
para a Missão do Japão (cf. SIE 64).
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