São Francisco Xavier
Estudos e Reflexões
Padroeiro da Comunidade de Resina
PROCESSO DE SANTIFICAÇÃO
CARTA DE D. JOÃO III - CULTO - OUTROS MILAGRES
Lisboa, 28 de Março de 1556.
Vice-rei, meu amigo.
A vida e as ações maravilhosas de Francisco Xavier têm sido tão admiráveis, que a sua publicação deve necessariamente resultar em glória de Deus Nosso Senhor.
Eu vos mando, por isso, que façais ouvir as testemunhas em toda a parte onde elas estejam; que procedais a um inquérito sobre todos os atos prodigiosos daquele homem extraordinário, sobre todos os feitos sobrehumanos por ele praticados, sobre todos os prodígios que Deus operou pelo seu ministério ou às suas orações, quer seja durante a sua vida ou depois da sua morte..
Fareis lavrar atas autênticas cujos originais me enviareis. Fareis inscrever todos os factos e todos os inquéritos, dia por dia, com suas datas, nos registos públicos. Este inquérito deverá ser feito por tal modo, que todo o homem que tenha conhecido as particularidades da urda, das ações, dos hábitos de Francisco Xavier, nos países que ele percorreu responda, em consciência e sob a fé de juramento, às perguntas que lhes forem dirigidas.
Vós me fareis uma dupla remessa deste inquérito, firmado com a vossa assinatura e do auditor geral, em número de três cópias, por três vias diferentes. Com isto muito me obsequiareis.
Vice-rei, meu amigo, envio-vos muito saudar.
Eu, O Rei.
Não era coisa muito fácil satisfazer aquele desejo, ou antes obedecer àquela vontade de D. João III. Todos os povos indianos se indignaram só com a idéia deste inquérito; era, no seu entender, levantar dúvidas sobre a santidade do seu santo Padre, e nada havia que pudesse feri-los mais viva e profundamente..
Já os Paravás, na costa da Pescaria, não consultando mais que a sua elevada devoção pelo seu grande Padre tão querido, tinham erigido uma igreja em sua honra, não obstante as representações dos Padres da Companhia. Concorriam em multidão a render-lhe homenagem naquela igreja onde haviam colocado uma imagem sua, e o santo apóstolo, sempre cheio de ternura pelos seus primeiros filhos indianos, concedia-lhes tantas graças, que os milagres não se contavam já; aquela igreja veio a ser a peregrinação mais célebre.
O rei de Travancor, persuadido de que o grande Xavier fosse um Deus, fez-lhe levantar um templo que excedia em magnificência a todos os outros que ele havia erigido em honra de Mahomet, cuja lei seguia.
Sobre a costa do Comorim, os muçulmanos haviam-lhe também consagrado uma mesquita. Todos os infiéis das Índias não o chamavam senão o Deus, o senhor do céu, da terra e dos mares. As imagens do apóstolo do Oriente existiam já em toda a parte, e em toda a parte elas faziam prodígios. O próprio arcebispo de Goa trazia uma ao pescoço e obteve do nosso Santo a cura de uma doença tida então como incurável.
Francisco Nunes, vigário geral de Coulão, num relatório sobre os milagres operados na área da sua jurisdição, diz que foi obrigado a abrir um poço para dar de beber aos peregrinos que concorriam de toda a parte à igreja que a cidade de Coulão fizera erigir em sua honra. Acrescenta que as igrejas do país, dedicadas a outros santos, perdiam a sua invocação se nela se colocasse a imagem do apóstolo das Índias. Para todo aquele povo passava Padre ou do santo Padre.
Os pagãos tinham por uso jurar tocando um objecto de ferro em brasa, para atestar a verdade do seu testemunho. Depois da morte de Xavier, não juravam senão pelo seu nome, a ser desde logo a igreja do grande e muitas vezes Deus não quis permitir que se mentisse impunemente invocando o nome do grande apóstolo.
Um pagão devedor duma soma considerável a um cristão, nega a sua divida; supunha ele que nada tinha a recear, pois que não existia prova alguma e nem mesmo testemunhas do empréstimo. O credor obrigou-ó, em presença de testemunhas, a jurar pelo santo Padre Francisco que ele lhe não devia nada; o idólatra jura, e, logo que entra em sua casa, é atacado duma espécie de frenesi, no meio do qual vomita todo o seu salgue, e morre proferindo palavras de raiva que causam admiração e horror naqueles que inutilmente buscavam socorrê-lo.
Os japoneses não testemunhavam menos confiança na santidade do ilustre Xavier. A casa em que ele residira em Amanguchi era tida como um lugar santificado pela sua presença; iam aí invocá-lo, pedir-lhe graças extraordinárias, e obtinham uma infinidade de milagres.
Em Saxuma, os cristãos conservavam com veneração uma pedra sobre a qual ele pregara muitas vezes, e a mostravam, com santo orgulho, como o seu mais precioso tesouro. O rei de Ficando, escrevia, em 1554, ao Padre Melchior Nunes, provincial da Companhia de Jesus nas Índias:
"Padre Bonzo Cristão,
O grande e célebre bonzo Francisco Xavier veio, há-de haver quatro anos, aos meus estados; ele converteu um grande número de meus vassalos à religião de um só Deus, e eu regozijei-me com isso; eu protejo-os contra o ódio dos bonzos de Chaca e de Amida.
O bonzo cristão, que está em Funai, veio duas vezes á minha côrte; ele baptizou muitos dos meus parentes e grandes do meu reino; eu ouvi a sua doutrina, e satisfêz-me muito; ela tocou o meu coração, e eu quero obedecer-lhe e ser cristão; é por isso que as portas do meu palácio se abrirão para vós, se quiserdes satisfazer ao grande desejo que tenho de vos ver.
Eu menti outrora, mas não mentirei mais. Se vierdes ver-me, fareis uma coisa muito agradável ao Deus único dos cristãos que é o verdadeiro, e a vossa vinda encherá de regozijo o meu coração".
O rei de Cangoxima, que S. Francisco Xavier não conseguira converter, encantado da submissão e das virtudes dos cristãos dos seus estados, escrevia também ao Padre provincial pedindo-lhe padres da sua Companhia, e dizia-lhe:
"Antes que os vossos santos mistérios fossem ensinados no meu reino, nós consumíamo-nos queimados por um ar de fogo, e os vossos bonzos foram como ventiladores que refrescaram os corações dos mortais".
Para os habitantes de Cangoxima, o grande Xavier era o ventilador celeste.
O Padre Luís de Almeida escrevia à Companhia de Jesus, que na sua passagem pela fortaleza do príncipe Hexandono, onde Xavier havia convertido um tão grande número de pessoas por meio de uma só pregação, encontrou a mais viva fé em todos aqueles que tinham recebido o batismo da sua mão.
A princesa operava numerosos milagres por meio do pequeno livro de orações que ele lhe deixara, e o intendente obtivera igualmente muitos por 'meio da sua disciplina.
Dirigiram sobre isto um grande número de perguntas ao Padre Almeida que retiveram por quinze dias na fortaleza para dele receberem os socorros religiosos de que se achavam privados.
O rei de Bungo, que tão ternamente amara o santo apóstolo do Japão, mas que não tinha tido a coragem de sacrificar as suas paixões por uma religião que ele reconhecia como única verdadeira, experimentou o efeito da proteção do nosso Santo; converteu-se sinceramente, fez lançar ao mar os ídolos que conservava até então no seu palácio, entregou-se aos exercícios da penitência, e foi finalmente baptizado pelo Padre Cabral.
Em memória do Santo que ele tanto prezara e admirara, e a quem se sentia agradecido pela sua conversão, quis tomar no batismo o nome de Francisco, ao qual ajuntou, para sua maior satisfação, o de Xavier. Dois meses depois do seu batismo, teve guerras a sustentar; foi vencido, destronado e despojado, mas coisa alguma enfraqueceu a sua fé. Respondia àqueles que atribuíam à sua mudança de religião os reveses que sofrera:
Eu fiz voto de viver e morrer cristão; pouco me importa a perda do meu reino! Uma só perda me seria horrível: a da fé! Quanto a mim, empenho-me tanto em a conservar, que desprezo tudo o mais! E quando eu visse o Japão, a Europa, os Padres da Companhia de Jesus e o próprio Papa renunciar a fé em Jesus Cristo, eu a não renunciaria! Se fosse necessário dar a minha vida, não hesitaria, com a graça de Deus, em a dar de todo o coração".
As suas disposições foram abençoadas; recobrou os seus estados e o seu poder, e solicitou com grande interesse a canonização do seu santo amigo, de acordo com os reis de Arima, de Omura e outros soberanos do Japão.
O Grão-Mogol Akebar, maravilhado da fama estrondosa dos milagres operados na Ásia pelo apóstolo do Oriente, despacha um embaixador a Goa para pedir padres da Companhia do grande Xavier, a fim de explicar a doutrina dum Deus pelo qual se operam tais prodígios.
O embaixador solicita também, para si, o favor de ver o corpo do célebre santo Padre das Índias, e não se atreveu a aproximar-se daqueles restos mortais antes de ter tirado os sapatos. Todas as pessoas da sua numerosa comitiva o imitaram, e viu-se todos aqueles muçulmanos prostrarem-se muitas vezes, até tocarem com a fronte o pavimento da igreja, antes que se permitissem a honra de dirigir os seus olhares para o corpo dum Santo cujo poder era superior ao do seu profeta.
Os navios que passavam à vista da ilha de Sancião, prestavam homenagem, salvando com toda a sua artilharia, ao lugar em que o grande Xavier tinha deixado a terra, e onde o seu corpo se conservara perto de três meses, privado das honras que lhe eram devidas.
Os portugueses aí fizeram erigir uma capela que posteriormente foi saqueada e destruída pelos piratas, e de que não existem senão ruínas.
Até na Africa o nome de Francisco Xavier era venerado como o do homem mais extraordinário e mais maravilhoso.
Será, pois, para admirar, depois de tudo isto, que os índios, os japoneses e todos os povos que a poderosa palavra do grande conquistador da Igreja havia convertido ao Cristianismo, se ofendessem pelos processos empregados para dar aos seus milagres a autenticidade exigida para a canonização dos santos? Supunham aqueles bons índios que era bastante abrir-se os olhos e olhar em torno de si, pois que os milagres brilhavam em toda a parte.
Achando-se o navio de Bento Coelho a caminho de Malaca para Cantão, adoeceram gravemente, atacados de perigosa enfermidade, alguns passageiros; eles pedem ao capitão que toque em Sancião e que os faça conduzir ao sítio do prado em que o santo Padre fora sepultado. O capitão cede àquele piedoso desejo; os doentes deitam sobre as suas cabeças uma pequena porção daquela terra que a presença do corpo venerando santificara, e no mesmo instante todos recobram a saúde.
O navio do Capitão Manuel da Silva fez-se à vela para o porto de Cochim, seguindo a derrota de Bengala. No meio dc golfo foi acometido por uma tempestade que o forçou a cortar a mastreação e a lançar ao mar o seu carregamento muito precioso. Todas estas medidas desesperadas não podem salvar o navio, o naufrágio é inevitável... Chamam em grandes gritos o santo Padre que tantas vezes acalmara o furor do mar... No mesmo momento uma terrível onda semelhando uma montanha, que ia cair sobre o navio e submergi-lo, recua e desaparece ao nome de Xavier!
As contas do rosário do nosso santo foram suficientes para operar maravilhas, assim como os rotos pedaços do seu pobre vestuário, que se tinha dividido com a mais notável parcimônia; eram apenas alguns fios, mas era bastante.
As cruzes que ele tinha colocado por suas próprias mãos nos lugares mais elevados, estavam cheias de ofertas ex-voto, não somente dos cristãos, mas também dos pagãos e muçulmanos, em reconhecimento dos favores obtidos por sua intercessão.
A cruz de Cotate, na qual estava a imagem do grande Padre, tornou-se uma das mais célebres pela cura imediata dos doentes que se faziam conduzir para junto dela. Um paralítico encontrara o movimento, um cego recuperara a vista, os prodígios multiplicavam-se todos os dias, e foi preciso tirarem-se cópias da imagem milagrosa que todos queriam possuir.
Gaspar Gonçalves, orgulhoso por possuir uma daquelas cópias que levava de Cotate, chega a Cochim, às onze horas da noite. A meia noite o fogo apoderava-se da casa vizinha à sua, morada de Cristóvão de Miranda. As habitações eram geralmente construídas de madeira e cobertas de folhas de palmeira: num instante o incêndio apresenta imensas chamas. A filha do Miranda perecera naquela fornalha; os habitantes da casa vizinha tinham lançado precipitadamente pelas janelas os móveis, a roupa, tudo quanto puderam salvar por este modo, e cada um se ocupava da sua segurança pessoal, quando Gaspar Gonçalves se lembra do tesouro que possue.
Lança-se de joelhos com todos os moradores da casa, chama o santo Padre em seu auxilio e apresenta às chamas a imagem daquele que não cessa de espalhar as graças do Céu sobre os que o invocam com confiança. No mesmo momento as chamas abatem-se, o fogo extingue-se, a cidade fica salva dum incêndio geral e inevitável!
Uma piedosa viúva, Lúcia de Velanzan, nascida na China, tinha habitado Malaca onde tivera a felicidade de ser dirigida por Francisco Xavier; posteriormente habitava Cochim, e tendo uma viva fé nos méritos do santo apóstolo, obtinha admiráveis maravilhas por meio duma pequena medalha tocada na sua imagem. Fazia o sinal da cruz com aquela medalha sobre os doentes que lhe levavam, dizendo-lhe: "Em nome de Jesus e do santo Padre Francisco, a saúde vos seja restituída!"
Gonçalo Rodrigues tinha, havia muitos meses, um abcesso junto do coração; não obstante os remédios empregados, aquele abcesso tomara todos os caracteres dum cancro e fazia-o sofrer todos os efeitos dolorosos. Vai procurar Lúcia, ajoelha-se diante dela, pedindo-lhe que o cure com a medalha do santo Padre, e Lúcia tendo feito o sinal da cruz três vezes sobre a parte ulcerada, a chaga desapareceu imediatamente.
Maria Dias era cega e paralítica de todo o lado direito, desde a cabeça até aos pés. Transporta-se para casa de Lúcia que a deixa em sua companhia e lhe aplica todos os dias sobre o lado paralítico uma compressa embebida em água na qual havia banhado a medalha milagrosa. Ao sétimo dia vendo a paralisia curada, Lúcia faz o sinal da cruz coxas a medalha sobre os olhos de Maria, a quem a vista é restituída no mesmo momento e vai imediatamente à igreja da Companhia de Jesus agradecer ao seu benfeitor.
Manuel Fernandes Figueiredo foi curado pelo mesmo meio de horrorosas úlceras nas pernas, de uma disenteria julgada mortal. Por toda a parte, finalmente, os milagres eram inumeráveis.
Ao mesmo tempo, muitas predições do ilustre Xavier se cumpriram literalmente.
A nau Santa-Cruz, depois de ter sulcado os mares durante vinte e dois anos, e ter sido vendida muitas vezes, sempre muito acima do seu valor, por causa da palavra profética do grande apóstolo, a Santa-Crus deixara um dia o porto de Malaca, e segundo o costume, ia bem carregada. Mal tinha levantado ferro, e o navio vai a submergir-se, faz água, é forçado a voltar ao porto, e pede-se aos capitães que se fazem à vela. para o mesmo destino que levem uma parte das suas mercadorias. Ouve-se então um grito de indignação da praia e dos navios ancorados.
"Então! Vós temeis ir a pique! Não sabeis que o santo Padre nunca Se enganou! A Santa-Cruz não se perderá no mar, ele o disse, portanto é verdade! É necessário que tenhais bem pouca fé! Não vêdes os milagres que ele faz todos os dias e em toda a parte? Vós ofendeis a Deus e ao santo Padre! Tornai a partir sem perda de tempo e nada temais."
E a Santa Cruz voltando ao mar não faz mais água, e chega a salvamento a Cochim.
A reputação deste navio deu-lhe o nome de Navio do santo Padre, e em todos os portos do Oriente, logo que ele chegava, todos os navio s ancorados o saudavam com a sua artilharia.
Depois de ter sido comprado pelo comandante da fortaleza de Diu, o navio do santo Padre fez muitas viagens, mas o capitão, julgando-o um dia em mau estado, manda-o a Cochim para aí ser reparado. Fazem-no entrar na doca de conserto. Apenas aí chega abre-se por si mesmo; todas as peças se deslocam, e não resta daquele grande casco, que caía de velhice, senão vigas e pranchas absolutamente inúteis.
A população de Cochim dirigia-se em massa para o porto à notícia de que a Santa-Cruz viera para ser reparada; toda a cidade conhece a predição de Xavier e sabia que este navio tinha sido construído em Cochim; todo o povo foi, pois, testemunha do seu fim.
O capitão Jorge Nunes apossou-se de uma tábua que fez aplicar à sua fragata, convicto de que este destroço conservara uma virtude que a garantisse dos perigos do mar. Parecia-lhe impossível que aquele fragmento dum navio no qual o grande apóstolo viajara durante a sua vida e depois de morte, não fosse o melhor preservativo contra todo o perigo. A sua confiança foi abençoada. Ele empreendeu as mais perigosas travessias por tempestuosos tempos e respondeu sempre aos conselhos da prudência humana:
"A minha fragata leva a prancha do santo Padre: é a prancha da salvação, ela me salvará de todo o perigo".
Com efeito, a fragata, depois de ter resistido aos mais grossos tempos, às mais violentas tempestades, desfez-se por si mesma, como a Santa-Cruz, no porto, de Coulão, onde devia ser reparada.
Pedro Velho, mercador português, habitante de Malaca, e a quem o nosso Santo tinha predito em Sancião que morreria na manhã do dia seguinte em que achasse o vinho amargo, ocupava-se mais, desde aquele momento, dos interesses da sua alma que dos do seu negócio. Vivia em exercício de penitência e de caridade, não obstante a sua posição no mundo, e chegara assim a uma extrema velhice, sem nada perder da sua jovialidade natural, mas sem esquecer a predição do seu bem-aventurado amigo.
Um dia, estando à mesa com muitos convivas, acha o vinho amargo e pergunta aos que o cercam se eles lhe sentem o mesmo gosto; todos respondem que o vinho é excelente.
Pedro Velho, querendo certificar-se se a delicadeza não entrara na afirmação dos seus amigos, faz servir-se doutro vinho e acha-lhe igual amargor. Não lhe resta mais dúvida, a sua última hora é chegada. Faz interior ente a Deus o sacrifício da sua vida e depois comunica aos seus convidados a predição do Padre Xavier.
Terminada a refeição ocupa-se dos arranjos do seu negócio, distribui a sua fortuna pelos pobres, vai seus amigos, pede-lhes as suas orações, convida-os para o seu enterro e faz preparar os seus funerais.
Na manhã do dia seguinte assiste ao santo sacrifício da missa, que era oferecido por sua intenção, e ali comunga como viático...
No fim da Missa estava morto...
04 - INCORRUPÇÃO DO CORPO DO SANTO - CULTO - MAIS MILAGRES
Até então o corpo de S. Francisco Xavier conservava todas as aparências de vida. Tinha a mesma frescura, as mesmas cores, a mesma flexibilidade dum corpo vivo, sendo de admirar aquela maravilha.
D. Dias Carvalho tinha conhecido intimamente o Santo apóstolo e viajado muitas vezes em sua companhia. Vem a Goa para o ver, muitos anos depois da sua morte, e arrebatado de espanto e admiração, exclama:
"Mas ele vive! que frescura! que cores! É ele! ... está, vivo!"
O vigário geral de Goa, D. Ambrósio da Ribeira, aplica um dedo sobre a ferida feita ao santo corpo em Malaca... O sangue corre ao contacto do dedo, e sai também dela água. Este prodígio renova-se ao contacto do dedo de um Irmão da Companhia de Jesus.
Expõe-se um dia o santo corpo à veneração empenhada dos fiéis de Goa. Uma mulher beija-lhe os pés, e esperando não ser vista arranca um fragmento de carne com os dentes e leva-o misteriosamente, considerando-se feliz por possuir aquela preciosa relíquia...
Mas o sangue corre na presença de testemunhas. Era sangue puro, rico e belo!... São chamados os médicos, que certificam o milagre e atestam que é, a seus olhos, o maior dos prodígios.
Em 1812, o Padre Aquaviva, Geral da Companhia de Jesus, pede à casa de Goa que envie a Roma o braço direito de S. Francisco Xavier. Este braço, que havia operado tão grandes prodígios, produziu então um novo e mais admirável ainda.
O corpo foi encontrado com a mesma frescura, a mesma flexibilidade e as mesmas cores, como as de um homem vivo; corta-se o braço pedido pelo superior geral e o sangue corre com tanta abundância como se o corpo estivesse cheio de vida! Embebem-se nele panos que os Padres de Goa enviaram a Filipe IV, rei de Espanha, e recolhe-se em um frasco que se remete com a mão à Casa de Roma. O braço foi dividido entre os colégios de Cochim, de Malaca e de Macau...
O navio que conduzia aquela santa relíquia para a Europa foi encontrado e perseguido pelos corsários; ia ser presa deles quando o capitão exclama:
"Leve-se o braço do santo Padre ao cesto da gávea! Ele porá os piratas em fuga".
A ordem é executada; os piratas viram de bordo, afastam-se a todo o pano e não tornam a aparecer mais.
A corte de Roma, solicitada pelos soberanos do Japão e pelo rei de Portugal, para proceder à canonização de Francisco Xavier, examinou o seu processo, reconheceu vinte e quatro ressurreições juridicamente provadas, e oitenta e oito milagres admiráveis operados durante a vida do ilustre Santo. Uma bula do Papa Paulo V, datada de 25 de Outubro de 1619, declara-o bem-aventurado.
Foi canonizado por Gregório XV, a 12 de Março de 1622, com todas as cerimônias ordinárias, porém a sua morte retardou a publicação da bula, que foi dada por Urbano VIII, seu sucessor, com a data de 6 de Agosto de 1623.
Aquela bula faz menção da maior parte dos milagres que aqui mencionamos, e acrescenta que um cego tendo invocado o apóstolo das Índias, Xavier, aparecendo-lhe, disse-lhe que solicitasse a cura da sua enfermidade durante nove dias seguidos e prometeu-lhe que a obteria com esta condição. O cego obedeceu e recobrou a vista ao nono dia.
Cita ainda um leproso que tendo-se servido, como de um linimento, do óleo da lâmpada que ardia junto do corpo do Santo, a sua lepra desaparecera.
Finalmente a mesma bula menciona que as lâmpadas colocadas diante da imagem do santo apóstolo em Colate, ardiam muita vezes com água benta tão bem como com óleo; e que aquele milagre convertia um grande número de pagãos.
Em 1670, por um decreto de 14 de junho, o Papa Clemente X fixou a festa de S. Francisco Xavier em 3 de Dezembro, e ordenou, pelo mesmo decreto, que o seu ofício seria do rito duplex para toda a Igreja.
Poucos anos antes, alguns índios tinham feito uma preciosa descoberta: tinham tornado a achar, no alto mar, um caranguejo duma espécie desconhecida, trazendo uma cruz latina sobre a concha, e tendo barbatanas nos pés trazeiros, o que nunca se tinha visto até então. Ficaram admirados do maravilhoso crustáceo, e empenhavam-se em fazê-lo conhecer com o nome de caranguejo de S. Francisco Xavier; porque estes bons índios estavam persuadidos que ele provinha daquele que a divina Providência se servira para fazer restituir ao santo Apóstolo do Oriente o crucifixo caído no mar das Molucas.
O conhecimento desta descoberta transmitiu-se muito longe, e o sábio Padre Kircher, da Companhia de Jesus, na sua China Ilustrada, publicada em 1667, menciona como novidade, a aparição deste caranguejo, de que, acrescenta ele, não se tinha ouvido falar até ali.
Mais tarde, no começo do século XVIII, um governador, de Pondichéry, pedia a um capitão que se ia fazer à vela para as Molucas, que fosse de Ambóino a Baranura, e que lhe trouxesse alguns caranguejos daquelas paragens a fim de os conservar em memória daquele que havia restituído o crucifixo de S. Francisco Xavier do fundo do mesmo mar.
Não era para si que o governador pedia, mas para um amigo que desejava possuí-lo, o que lhe parecia dever ser uma espécie de relíquia do nosso Santo.
O capitão fez procurar caranguejos desde Ambóino até Baranura, mas em vão; como são, de ordinário, tão comuns em todos os mares, os marinheiros da equipagem não podiam explicar a sua completa ausência em todo o percurso que exploraram com tanta atenção.
Finalmente encontraram um, um só, e este trazia uma cruz sobre a concha! Era o primeiro daquela espécie que se tinha visto naquelas paragens, e foi o único que se pôde levar ao governador porque, não obstante todas as pesquisas, não se puderam encontrar outros de espécie alguma. Este único que foi dado pelo governador ao seu amigo e transmitido aos herdeiros deste, foi levado a França e tivemos ocasião de o ver e admirar. Ele difere daquele que os índios chamam "caranguejo de S. Francisco Xavier".
Neste, cujo desenho vimos, nota-se ao pé da cruz, que parece sair de um pedestal, dois personagens envolvidos em mantos árabes; todas as formas são bem pronunciadas: é um homem de um lado, uma mulher do outro; adivinha-se, sente-se a Santíssima Virgem e São João.
Aquela espécie só se encontra em pleno mar e mui raras vezes; quando o índio tem a felicidade de encontrar um daqueles caranguejos, apossa-se dele e conserva-o com grande respeito, porque é o caranguejo de S. Francisco Xavier.
O único que foi encontrado no mar das Molucas, há-de haver século e meio, traz também a cruz latina perfeitamente formada, porém não tem a figura das personagens à direita e à esquerda. O que o distingue é a forma de três pregos em relevo, por baixo da cruz e veias brancas dos dois lados, cuja disposição sobre o fundo rosado, produz para muitos, à primeira vista, o efeito de três letras I. H. S. formadas pelo fundo e não pelas veias; a cruz parece sair da letra H e esta letra está riscada por uma linha transversal de pontos em relevo.
Como se explica que seja este o único encontrado até hoje com caracteres tão notáveis? Não se pode supor, tendo em vista a longevidade bem conhecida desses crustáceos, que talvez fosse este o próprio instrumento do milagre, instrumento providencialmente encontrado e conservado, e do qual descende a espécie tão rara, à qual os índios deram o nome do ilustre apóstolo do Oriente?
Depois da morte do nosso Santo, o número das ressurreições obtidas pela invocação dos seus méritos, - reconhecidas pela corte de Roma, juntos os processos da canonização, antes e depois da publicação da bula, - elevava-se, em 1715, à enorme cifra de vinte e sete, das quais quatorze haviam sido obtidas pouco antes.
Nesta época, em 1715, o arcebispo de Malaca certificou oitocentos milagres somente na sua diocese. Naquela cidade de Malaca, onde o grande apóstolo operara tantas maravilhas, não restam outras recordações da sua passagem e de seus magníficos trabalhos, senão as ruínas da sua morada!
Próximo do templo dos protestantes, mesmo no meio do seu cemitério, mostra-se ao estrangeiro um montão de pedras, e diz-se-lhe que foi ali a capela onde S. Francisco Xavier celebrava todos os dias os santos mistérios!... Os pastores ingleses obtiveram este resultado!
Mas não tiveram igual sucesso na costa da Pescaria com os Paravás, que consideram ainda como título de glória o descenderem daqueles que foram baptizados ou evangelizados pelo grande Padre Francisco Xavier. Os missionários reconheceram que a fé se conservara entre eles mais pura e mais ardente do que entre os outros povos indianos.
Quando os holandeses se tornaram senhores da costa da Pescaria, apossaram-se das igrejas e os missionários foram obrigados a ocultarem-se nas florestas. Ali continuavam eles a exercer o seu santo ministério, e os bons Paravás iam todos os domingos para junto deles, assistiam ao santo sacrifício da Missa, e recebiam a instrução que os devia fortificar contra a doutrina dos herejes.
Os vencedores, vendo-se repelidos com perda todas as vezes que tentavam ganhar os índios para a sua religião, fizeram vir de Batávia um ministro protestante, bem certos de que os Paravás não resistiriam à sua eloqüência. O ministro provoca à discussão um chefe da casta e esforça-se por lhe fazer compreender e apreciar todas as vantagens da religião protestante. O chefe dos Paravás escuta-o tranqüilamente até ao fim sem lhe opor uma única palavra, e quando o eloqüente ministro, fatigado de falar, terminou o seu discurso e perguntou ao seu ouvinte o que pensava do seu raciocínio, este respondeu-lhe
"A fé que nós professamos foi-nos pregada pelo grande Padre Francisco Xavier que operava tantos milagres quantas palavras proferia. Se vós quereis fazer-nos crer a vossa doutrina, provai-nos que ela é melhor que a sua, fazendo maior número de milagres do que ele fez.
Ele ressuscitou cinco ou seis mortos nesta costa; ressuscitai doze.
Ele curava muitos dos nossos doentes; curai-os todos. Quando tiverdes feito isto, nós nos resolveremos".
O ministro, conhecendo que perdia o seu tempo com tais homens tornou a embarcar a toda a pressa.
Em Cotate, onde os milagres do apóstolo das Índias continuavam na proporção da fé e da confiança dos peregrinos, deu-se um fato bem notável no dia da sua festa, 3 de Dezembro do ano de 1699, e que encontramos numa carta do P. Martin, datada de junho de 1700. Este missionário achava-se em Cotate na ocasião do acontecimento.
Todo o povo da costa da Pescara e da de Travancor tinha concorrido em peregrinação à igreja daquela cidade para a festa do grande Padre. Os idólatras e os maometanos concorriam também com zelo igual ao dos cristãos, porque a devoção pelo apóstolo do Oriente, é comum nas Índias a todas as religiões.
Um pagão, cujo único filho estava ameaçado de perder a vista, havia prometido ao grande Padre, se ele curasse o seu filho, dar oito fanons (Moeda da índia), à sua igreja de Cotate. A criança ficou curada, e o pai reuniu-se à multidão dos peregrinos para agradecer ao Santo e fazer-lhe a sua oferta.
Quando saía da igreja, com seu filho nos braços, nota que seus olhos estão num estado mais perigoso do que antes da cura; a criança nada via! O infeliz pai entra na igreja, grita que pecou, que merece a punição que o grande Padre lhe inflige, porque tendo prometido oito fanons só dera cinco. Apressa-se em juntar três outros, tira óleo da lâmpada do Santo e- fricciona com ele os olhos da criança...
O mal desaparece imediatamente. A multidão imensa que enchia a igreja foi testemunha daquele duplo milagre.
Xavier é olhado pelos pagãos como sua divindade mais propícia, e é incrível quantas graças eles obtêm.
O P. Martin, durante a sua permanência em Cotate, foi testemunha de um outro facto não menos extraordinário que o precedente.
Aqueles povos costumam associar-se em número de quinhentos até mil. Cada um dos associados deposita todos os meses numa bolsa comum um fanon. Quando a soma se eleva a uma cifra conveniente, reúnem-se, cada associado escreve o seu nome num bilhete, os bilhetes são lançados numa uma e depois de contados uma criança mete a mão dentro, tira um deles e aquele cujo nome sai primeiro recebe a soma total.
Num dos primeiros dias de Dezembro de 1699, um pagão entra na igreja de Cotate, e diz em alta voz ao nosso Santo
"Grande Padre, eu estou associado em duas lotarias; se vós me fazeis ganhar a primeira, dar-vos-ei cinco fanas; eu valo-prometo".
Feito isto, o pagão satisfeito com a sua boa idéia e bem certo de ganhar, pois que havia prometido uma parte ao grande Padre, dirige-se à reunião e anuncia antecipadamente que o seu nome sairá... E sai, com efeito, no meio da alegria de todos os associados.
O feliz sorteado corre à igreja, deposita os cinco fanons, agradece ao grande Padre, e lhe promete dobrar aquela soma se lhe faz ganhar a segunda lotaria. Volta para a praça, anuncia que novamente vai ser proclamado, e o seu nome aparece ainda no primeiro bilhete saído da uma, não obstante todos os meios empregados para evitar qualquer trapaça!
A igreja de Cotate está edificada sobre o mesmo terreno da cabana para onde S. Francisco Xavier se retirava, às tardes, depois de ter passado o dia todo a pregar, a confessar e a baptizar.
A tradição do país refere que tendo os pagãos incendiado a cabana uma noite, enquanto ele estava em oração, ficou ela reduzida a cinzas, mas o Santo foi encontrado em êxtase sem a menor queimadura; até os seus vestidos haviam sido respeitados pelas chamas, e ele só teve conhecimento do ocorrido quando viu os estragos do fogo.
Os cristãos, em memória deste milagre erigiram uma cruz no lugar onde ele se havia operado; aquela cruz veio a ser objecto duma peregrinação célebre onde se obtinham tantos favores, que uma igreja foi ali levantada logo depois da canonização do ilustre apóstolo.
Em Negapatão vê-se unia pequena igreja que os habitantes asseguram estar situada no mesmo lugar onde ele pregava.
Em 1832, indo o R. P. Moré a Calcutá, tocou na costa de Comorim; os Paravás, a quem ele disse ser Irmão do seu grande Padre Francisco Xavier, cercam-no imediatamente e lhe suplicaram com lágrimas que ficasse com eles, prometendo respeita-lo e obedecer-lhe. O grande nome de Xavier é ainda tido como todo-poderoso naqueles povos.
Não era só nas Índias e no Japão que este nome se invocava com respeito extraordinário; em todas as partes do mundo o Santo correspondia por meio de graças aos que imploravam a sua proteção.
O Padre de Arce, de origem espanhola, ensinava filosofia havia trinta anos no' colégio de Córdova de Tacamant. Foi atacado de uma moléstia mortal, os progressos são rápidos; resigna-se de todo o coração e faz o sacrifício da sua vida. O mal chegara ao maior perigo, quando, possuído duma grande inspiração para lhes resistir invoca a grande glória da Companhia de Jesus, Francisco Xavier, e lhe promete votar-se de todo à salvação dos índios se a saúde lhe fosse restituída.
No mesmo momento o Padre Arce acha-se livre de todo o sofrimento; estava curado contra toda a esperança, e tão subitamente que reconhecendo o milagre os seus superiores permitiram-lhe deixar o ensino pelas missões. Vai para os ferozes "chiquitos", e aí funda uma missão à qual dá o nome de S. Francisco Xavier, que conserva ainda, e em 1715 encontra no meio de seus trabalhos apostólicos, a palma gloriosa do martírio.
Num dos frequentes tremores de terra de Santiago, capital do Chile, o palácio episcopal foi derrubado. O arcebispo, D. Gaspar de Vilarcelo, ficou envolvido nas ruínas; mas ele tinha invocado o grande apóstolo das Índias Orientais no momento do desmoronamento, prometendo-lhe fazer qualquer coisa por sua glória se o preservasse daquela morte inevitável.
O piedoso prelado foi encontrado cheio de vida debaixo das ruínas; não tinha a menor ferida e nem sequer a mínima contusão!
Em reconhecimento daquele milagre compôs em latim as ladaínhas de S. Francisco Xavier.
Na Itália, correspondia o nosso Santo por meio de maravilhas a todas as orações que lhe eram dirigidas.
Em 1633, o Padre Marcelo Mastrilli, filho do marquês de Saint-Marzan, uma das mais ilustres famílias de Nápoles, achava-se às portas da morte em conseqüência duma ferida grave na cabeça.
Um operário, trabalhando na igreja, deixara cair um martelo, de mais de dez metros de altura, que atingiu na cabeça o Padre Mastrilli. Foi tratado imediatamente mas tendo sido esgotados todos os esforços da ciência, que em vão se tinham administrado ao doente, não se esperava senão a morte. S. Francisco Xavier aparece-lhe e inspira-lhe um ardente desejo de ir para o Japão, para ali trabalhar na glória de Deus, e ali morrer pelo seu nome. Fez-lhe proferir o voto de partir sem demora: pôs-lhe sobre a ferida da cabeça um relicário contendo um fragmento da cruz do Salvador, e fez-lhe pronunciar em latim esta oração que nos tem sido religiosamente conservada
"Ó cruz sagrada! E vós Salvador adorado que a inundastes do vosso sangue, eu me consagro inteiramente a vós para sempre! Suplico-vos que me concedais a graça de derramar todo o meu sangue pelo vosso santo nome! Imploro esta graça que o apóstolo Francisco Xavier não pôde obter!
Eu renuncio à minha pátria, à minha família, aos meus amigos, a tudo o que possa embaraçar ou retardar a minha partida para a missão das Índias, e me dedico sem reserva à salvação dos índios em presencia do meu pai S. Francisco Xavier".
Depois daquele voto, o doente recuperou subitamente a saúde; o grande apóstolo prometeu-lhe a coroa do martírio, e disse-lhe que rogaria junto de Deus por todos aqueles que o invocassem com fé e confiança durante nove dias seguidos; e depois desapareceu.
O Padre Mastrilli levantou-se logo depois daquela visão, nas melhores condições de saúde; disse missa na manhã seguinte o que causou admiração geral.
Toda a cidade de Nápoles sabia que na véspera só se esperava pelo seu último suspiro e todos viam ou ouviam dizer que ele estava perfeitamente curado.
O Papa Urbano VIII e Filipe IV rei de Espanha, quiseram vê-lo e ouvir da sua boca a narração daquele milagre e ele satisfez os seus desejos. Depois embarcou para Goa, e tendo feito ao grande Xavier o presente de um magnífico túmulo em reconhecimento da graça que havia recebido, partiu com a maior satisfação dos seus superiores, para ir conquistar a coroa que lhe havia sido prometida.
Chegado ao Japão, escreveu a seu pai:
"Eu espero que S. Francisco Xavier acabará a sua obra; por um milagre ele me restituiu a vida, por um milagre me conduziu às Filipinas, por um milagre me abriu a entrada deste Japão tão desejado; espero, pois, que por um milagre também me verei um dia no meio dos verdugos".
Teve, com efeito, a felicidade de ser martirizado no Japão a 17 de Outubro de 1637.
A cura tão pronta do Padre Mastrilli, as circunstâncias maravilhosas que a haviam precedido e seguido, causaram mais impressão, porque a família de Saint-Marzan era da mais alta nobreza napolitana.
A novena a São Francisco Xavier tornou-se em pouco tempo uma devoção popular tão viva, tão ardente, que em 1652 os calabreses fizeram publicar um grosso volume com as graças extraordinárias que tinham obtido pela intercessão do apóstolo das Índias. Este volume contém 142 narrações de fatos milagrosos devidos à sua proteção.
O Padre Portier, da Companhia de Jesus, missionário na Grécia, sofria desde muito tempo duma perna, cujas violentas dores a ciência não podia minorar. Declara-se uma chaga, a cárie ataca os ossos, e os cirurgiões anunciam ao doente que é necessário fazer-se a amputação; mas os seus superiores desejam que aquela cruel operação seja feita em França e ordenam-lhe que vá a Paris na esperança de que a ciência reconhecida dos operadores franceses lhe tornarão a amputação menos dolorosa e os tratamentos serão mais cuidados.
O doente embarcou-se em Constantinopla em 1699. Apenas embarcado, sente uma forte inspiração de pedir a S. Francisco Xavier que o cure, que promete fazer em sua honra a devoção de dez sextas-feiras [Esta devoção consiste na recitação de dez Pai Nosso, Ave e Glória ao Pai em honra dos dez anos de apostolado de S. Francisco Xavier nas Índias. Este exercício deve ser renovado dez sextas-feiras seguidas.], e começa-a na mesma semana.
Desde a terceira sexta-feira as dores cessam; as partes dos ossos que a gangrena havia atingido desligam-se e caem. O doente, querendo auxiliar o Santo na sua obra maravilhosa, lembra-se de pôr sobre aquela chaga, conquanto em via de cura, um aparelho, da sua imaginação que, segundo ele, devia bem depressa acabar o milagre começado.
Mas S. Francisco Xavier não queria meios humanos, não tinha necessidade de ser auxiliado, e provou-o bem depressa, fazendo-lhe voltar imediatamente todas as dores com que havia sido tão cruelmente martirizado durante mais de dois anos.
O Padre Portier, suficientemente advertido, retirou os remédios que o Santo mostrava poder dispensar; os sofrimentos cessaram de novo, e poucos dias depois a chaga estava sarada, a perna perfeitamente curada, e não restava mais do que uma cicatriz, como lembrança da obra divina obtida pela intercessão e pelos méritos do apóstolo do Oriente.
Pelos fins do último século, Roma, a cidade eterna, experimentou a dor de ver a Companhia de Jesus sempre perseguida pelo ódio do vício e da impiedade, despojada, encarcerada, dispersa, suprimida finalmente... O inferno queria absorver a terra. Contudo, os romanos não invocavam com menor confiança os grandes Santos que a ilustre Companhia havia dado ao Céu.
Em 1788, Anunciada Quartieroni via seu filho quase a morrer em conseqüência de bexigas. Gaspar tinha apenas dois anos, era única jóia, a única esperança de seus pais. Anunciada chama em seu auxilio o apóstolo do Oriente, declara-lhe a sua dor de mãe e põe o seu filho sob sua especial proteção.
No mesmo instante vê o filho voltar à saúde: S. Francisco Xavier mostrava-lhe que aquela criança se tornara sua.
Antônio de Buffalo e Anunciada Quartieroni, sua mulher, recordaram muitas vezes a seu filho o milagre que lhe havia restituído a vida; inspiraram-lhe um terno reconhecimento para com seu Santo protetor, porque desde a idade de 5 a 6 anos, o pequeno Gaspar gostava de se recolher a orar na igreja de Gear, diante do altar de S. Francisco Xavier.
Mais tarde, elevado ao sacerdócio, ardendo em zelo pela glória de Deus e péla salvação das almas, fundou muitos estabelecimentos de piedade ou de caridade, entre outros os Irmãos de Elite de S. Francisco Xavier ou Ristretta e a Congregação do Precioso Sangue. Esta congregação quis o cônego Buffalo colocar sob o patrocínio do nosso Santo, em memória do sangue milagroso derramado em cada 6ª-feira do ano 1552 pelo crucifixo do oratório do castelo de Xavier. Entre as práticas de piedade recomendadas pelos estatutos, o fundador indica a novena ao Santo protetor da Congregação do Precioso Sangue, São Francisco Xavier.
Em Bolonha, onde o nosso Santo, então no começo do seu apostolado, havia adquirido tanta confiança e tanto amor, a sua memória conservava-se viva em todos os corações e à solicitação dos habitantes, o quarto que ele outrora habitara no presbitério da paróquia de Santa Lúcia, foi transformado em capela onde o povo corria pressuroso a pedir a seu apóstolo querido, com o maior ardor, as graças que desejava. Mais tarde a igreja de Santa Lúcia foi cedida à Companhia de Jesus, assim como o presbitério de sua dependência; e mais tarde, quando foi abatida para se construir uma nova em maiores proporções, o presbitério foi destruído para ceder à igreja o seu terreno, mas a capela de S. Francisco Xavier foi conservada intacta e ficou compreendida na nova igreja.
Em conseqüência de perseguições que têm tantas vezes honrado a Companhia de Jesus, esta capela foi arrebatada repentinamente à devoção do povo, mas não puderam fazer esquecer aos bolonheses que havia ali morado o grande Xavier, o ilustre apóstolo que seus antepassados tinham tão grande glória de haver conhecido, e que manifestara por numerosos prodígios a lembrança que ele conservava no Céu da cidade onde foi ternamente venerado.
A devoção do nosso Santo estendeu-se até à Alemanha; como em outros lugares ela ali obteve maravilhas, e pelos fins do último século publicava-se em Oberbourg um grosso volume com graças assinaladas que ele havia espalhado na alta e baixa Styria.
No castelo de Xavier, os milagres eram inumeráveis: Transformou-se em capela o quarto em que ele nasceu, e os peregrinos aí concorriam em grande número. Navarra escolheu-o para patrono, é ainda hoje quase todos os navarreses dão no batismo o nome de Xavier, a seus filhos e as peregrinações continuam numerosas àquela capela aberta ao público pelos descendentes do nosso Santo. Todos têm conservado com religioso respeito aquele nobre solar, ilustrado por tão gloriosas recordações.
O castelo de Xavier é ainda o que era em 1524, época em que Francisco dele se ausentara para sempre... A capela da nobre família conserva-se como no tempo em que a feliz e desolada mãe do grande apóstolo do Oriente ia ali encher-se de forças para agradecer a Deus tantos sofrimentos e felicidade.
O crucifixo milagroso está ainda no lugar em que Francisco o deixou; o sangue maravilhoso, coagulado desde o dia em que o apóstolo das Índias subiu ao Céu, vê-se ainda hoje.
No fim do século XVII, tendo alguns peregrinos ousado subtrair pequenas parcelas, o arcebispo de Pamplona, advertido daquela piedosa temeridade, ameaçou com excomunhão a todo aquele que tentasse renova-la. Desde muito tempo o público não tem entrada naquela capela; é necessária uma autorização particular para ser admitido a contemplar o precioso crucifixo.
Em 1744, por ordem do rei D. João IV, o arcebispo de Goa e o marquês de Castelo-Novo, vice-rei das Índias, acompanhados de todos os grandes dignitários, examinaram os restos de S. Francisco Xavier, e declararam, com todas as formalidades exigidas, a perfeita conservação do seu corpo.
O Papa Bento XIV, vendo os milagres sem número que se obtinham constantemente pelos seus merecimentos, declarou-o protetor do Oriente, por um breve de 24 de Fevereiro de 1747.
Em 1728 o Padre Cicala da Congregação dos Lazaristas, assistiu à exposição das relíquias do grande apóstolo, a 10, 11 e 12 de Fevereiro. Escrevia ele que o concurso do povo havia sido tão considerável naquele ano ali que ultrapassava tudo quanto se tinha visto durante mais de trinta anos, no empenho de vir visitar o santo túmulo. Concorrera gente de todas as partes das Índias. O caixão, de oito pés de comprimento, dois de altura e fechado por três chaves, foi aberto em presença do bispo de Cochim, administrador da diocese de Goa, de todo o clero, de todas as ordens religiosas, do vice-rei e de todos os grandes dignitários e magistrados.
O corpo do Santo estava inteiramente coberto por um véu de sêda que se levantou, e todos os assistentes puderam contemplar o que restava do grande apóstolo do Oriente. Estava revestido de hábitos sacerdotais; a casula, presente da rainha de Portugal [Era de uso que as rainhas de Portugal bordassem por suas próprias mãos a casula de que está revestido o corpo do Santo. Todos os vinte anos se fazia a abertura do caixão e se mudava a casula; a velha era enviada à corte que fazia as suas generosidades a quem julgava a propósito.], e bordada por sua mão, estava perfeitamente conservada. O corpo não tinha o menor indício de corrupção; mas não apresentava as aparências de vida que conservara por mais de um século. "A pele e a carne, escrevia o P. Cicala, estão ressequidas e totalmente unidas aos ossos; as faces brancas; não lhe falta senão o braço direito que está em Roma e dois dedos do pé direito, assim como os intestinos. Os pés, sobretudo, conservam-se na maior beleza"
NOTA: [O Padre Cicala acrescenta: "É para notar que o Santo era de estatura muito baixa". A 4 de Dezembro de 1859, Monsenhor Canoz, vigário apostólico do Maduré, acompanhado das RR. PP. Gard e Charmillot pedia, em presença do Santo corpo, a um dos três médicos chamados ao ato da abertura do túmulo, a razão de um tal encurtamento. O doutor explicou-o pela ausência de muitas cartilagens, arrebatadas, vem dúvida, assim como os intestinos, pára relíquias.].
Em 1859, o rei de Portugal D. Pedro V, ordenava uma nova verificação do estado do Santo corpo. Um dos médicos chamados julga aquela ordem temerária porque havia mais de três séculos que aqueles restos preciosos estavam no túmulo. Mas enganava-se; o processo verbal que a seguir reproduzimos, merece fé.
APÊNDICE
PROCESSO VERBAL DA ABERTURA DO TÚMULO DE S. FRANCISCO XAVIER - 12 DE OUTUBRO DE 1859
No ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1859, a 12 de Outubro, às 9 horas da manhã na igreja do Bom Jesus, antiga casa professa dos Padres da Companhia, sita na antiga cidade de Goa, onde se acha o túmulo com o corpo de S. Francisco Xavier, com pareceram o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Torres Novas, Governador Geral do Estado da Índia; o Governador do arcebispado de Goa, a Relação do Estado, Câmara Municipal do Concelho das Ilhas, e outras corporações, autoridades e chefes das repartições deste Estado, abaixo assinados, os quais haviam sido convidados para assistir à abertura do dito túmulo com o fim de se conhecer o estado em que se achava o corpo do mesmo Santo, em virtude da autorização concedida por Sua Majestade, em portaria do ministério da marinha e ultramar n. 100 de 11 de Setembro do mesmo ano e abaixo transcrita.
E logo com as chaves que existiam na secretaria geral e que foram apresentadas neste ato, se abriu o cofre em que se acha o corpo do Santo e se encontrou revestido de hábitos sacerdotais; depois, os facultativos de que se compõe a junta de Saúde, o físico-mor Eduardo de Freitas e Almeida, o cirurgião-mor José Antônio de Oliveira e o cirurgião da 1º. classe Antônio José da Gama, tendo procedido ao exame do corpo, acharam o crânio revestido, do lado direito da respectiva pele cabeluda, onde se vêem ainda alguns raros cabelos, e completamente descoberto do lado esquerdo.
A face toda está revestida de uma pele seca e escura com uma abertura do lado direito comunicando com o seio maxilar do mesmo lado, e que parece corresponder ao lugar da contusão de que trata o processo verbal lavrado em i de janeiro de 1782; dos dentes visíveis, só falta um dos incisivos inferiores; existem ambas as orelhas. Falta o braço direito; a mão esquerda está completa, compreendendo unhas, como se disse no processo verbal de 1782; as paredes abdominais acham-se cobertas de uma pele ressequida e algum tanto escura; o ventre não contém intestinos; os pés estão cobertos de uma pele igualmente seca e escura, deixando ver a saliência dos tendões; faltam no pé direito o quarto e o quinto dedos; contudo existem ainda em um deles restos de pele e das falanges num estado muito esponjoso.
À vista disto foi decidido que o corpo e as relíquias do mesmo Santo estão em estado tal que podem ser expostos à veneração pública, a fim de excitar e aumentar a devoção dos povos; e de tudo, eu Cristóvão Sebastião Xavier, oficial-maior da secretaria do Governo deste Estado, redigi este processo verbal, no qual se assinam todas as corporações e autoridades acima mencionadas. E eu Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, secretário do Governo Geral o fiz escrever. - Visconde de Torres Novas. - O governador do arcebispado, Caetano Peres, etc... seguem 57 assinaturas.
Ajuntemos aqui a descrição do túmulo do nosso Santo.
S. Francisco Xavier, está depositado em um caixão de prata lavrada e dourada. Este caixão está colocado em um soberbo mausoléu de mármore negro de Itália, circundado por três altares que ocupam as três faces do mesmo mausoléu, onde se acham esculpidas sobre o mármore, em baixo relevo, e com toda a perfeição artística, as principais ações da vida deste Santo apóstolo.
Este monumento, rico e precioso, merece ser minuciosamente admirado.
Era naquela igreja que vinham outrora tomar posse do poder os antigos vice-reis e capitães generais, e os actuais governadores gerais também continuam aquele uso praticando as mesmas formalidades.
A sacristia é em tudo proporcionada à magnificência deste templo, e vê-se aí uma bela coleção de pinturas e quadros.
Atrás do túmulo, dirigindo-se da sacristia para o convento, vê-se o quadro representando S. Francisco Xavier É, segundo se diz, o seu verdadeiro retrato, tirado pouco tempo depois da sua morte. Próximo da porta deste majestoso templo lê-se a seguinte inscrição:
"Sepultura de D. Jerónimo Mascarenhas, capitão de Cochim e de Ormuz, que mandou edificar esta igreja à sua custa; e, em reconhecimento, a Companhia de Jesus lhe consagrou este lugar".
Sobre uma coluna à entrada da porta principal, lê-se:
"Reverendissimus et illustrissimus D. Alexis Menezeus, archiepiscopus Goanensis, Indiae primas, Anno Domini MDCVI. d. ma ".
Havia sido anunciado que a exposição do Santo corpo seria pública desde 2 de Dezembro, dia da morte do grande apóstolo das Índias, até 1 de janeiro de 1860. Mas já se contavam mais de trinta mil estrangeiros chegados a Goa antes do dia da verificação jurídica da santa relíquia. "As ruas desertas da cidade de Goa, viram desfilar uma multidão de povo pertencente a todas as seitas e a todas as religiões. O rio estava coberto de embarcações, e o templo majestoso do Bom Jesus, onde está depositado o Santo, cheio de pessoas distintas que concorreram a este ato solene. Um outro ato semelhante, e que havia excitado talvez menos entusiasmo, tivera lugar, há mais de 77 anos, ao 1 de Janeiro de 1782; porém pouca gente assistiu ".
Monsenhor Canoz, da Companhia de Jesus, bispo de Tamase e vigário apostólico de Maduré, convidado a fazer parte dos peregrinos aos quais o governador de Bombaim havia oferecido o seu barco para se transportarem ao lugar da exposição solene do santo corpo, vai-nos dar a interessante descrição daquela cerimônia e dizer-nos a felicidade que ele gozou, junto do túmulo venerado do nosso ilustre Santo. Achamos estes pormenores na carta que ele escreveu ao Rev. Padre Bekx, geral da Companhia de Jesus e tem a data de 10 de Dezembro de 1859.
"A igreja do Bom Jesus, ligada à antiga casa professa da Companhia e edificada por D. Pedro de Mascarenhas em 1592, não tem, diz ele, "senão uma só nave mui larga, e dois braços de cruz, no fundo dos quais se acham, dum lado o altar de S. Francisco Xaxier, e doutro o de S. Francisco de Borja. O altar-mor é dedicado a Santo Inácio...
Atrás da capela de S. Francisco Xavier eleva-se o famoso monumento erigido à memória do apóstolo das Índias pelo grão-duque de Toscam em 1655, e que se distingue através de uma larga grade de bronze dourado e artisticamente trabalhado. É para sentir que esteja encerrado em um espaço estreito e escuro que não permite apreciá-lo como merece. É formado de mármore branco, deixando nos quatro lados da base um largo espaço livre para um altar.
A segunda parte do monumento, colocado sobre aquela base, é ornada no meio de baixos relevos em bronze; representam, dum lado o Santo baptizando pobres infiéis, do outro pregando verdades da salvação, e sobre a terceira face, morrendo, abandonado na ilha de Sancião, próximo da China.
Finalmente a terceira parte diminui gradualmente de largura á proporção que se eleva; está encimada por um magnífico caixão de prata contendo o corpo do Santo e ornado de pequenas colunas entre as quais estão colocados vidros. Tinha-se feito descer aquele caixão para o colocar sobre um estrado elevado no meio do cruzeiro da igreja, e coberto de um tapete verde; mas o caixão forrado de um rico estofo, que encerra o santo -corpo, tinha sido retirado e deposto sobre uma das faces do monumento onde era permitido aos fiéis venerá-lo.
Um dia, depois de ter dito a santa missa no altar oposto, vim prostrar-me diante daquele caixão que abracei com toda a efusão do coração; e até à chegada dos piedosos peregrinos prolonguei com delicias minha ação de graças, meditando sobre as virtudes e merecimentos do Santo que o próprio corpo de Jesus Cristo que eu acabava de receber, santificara duma maneira tão prodigiosa.
Finalmente chegara o grande dia da festa de S. Francisco Xavier que foi anunciado solenemente pelo som majestoso dos sinos da Catedral e de todas as igrejas da cidade, assim como pelas salvas de artilharia.
As tropas, reunidas naquela ocasião, desfilavam com a música à frente, por diante da fachada da igreja do Bom Jesus e iam postar-se m estrada por onde devia passar o governador. Os cônegos da Catedral e a clerezia achavam-se já na capela do monumento esperando S. Ex.. Logo que ele chegou, ás io horas precisamente, começou a procissão que, atravessando o largo corredor do claustro, entrou m igreja. O caixão era levado por seis cônegos com capas de seda prateadas, debaixo do pálio e seguido do governador, do seu estado maior e de todos os funcionários civis e militares do Estado, convidados para aquela imponente cerimônia. Parou junto da barreira do santuário para se abrir o caixão e tirar-se a parte superior.
Então o corpo do Santo, posto a descoberto foi deslizado no interior do mesmo caixão, dando-se em seguida começo a uma missa solene com música que foi interrompida pelo panegírico do apóstolo das Índias.
O administrador daquela casa tinha preparado para nós um lugar na tribuna de onde podíamos contemplar à nossa vontade a procissão. Quanto ao sermão, foi-nos impossível entender uma só palavra por causa da distância em que nos achávamos e do grande sussurro do povo que ia e vinha dirigindo-se para junto do túmulo sagrado, sem prestar atenção ao pregador a quem também não compreendia...
Acabada a missa, um dos sacerdotes de serviço veio procurar-me assim como aos meus dois companheiros, o P. Gard e o P. Charmillot, chegados na véspera de Belgão, para nos introduzir no santuário a beijar os pés do Santo. Eu detive-me em presença do caixão, penetrado de devoção, deixando passar livremente por diante de mim todos os cônegos e os clérigos em serviço. Não posso exprimir-vos meu M. R. Padre, a comoção e o sentimento de alegria e felicidade que experimentei colando os meus lábios sobre aqueles pés sagrados que percorreram tantas regiões longínquas e pisaram tantas vezes esta terra da Índia para anunciar a tão diversos povos, abismados nas trevas da idolatria, a boa nova da paz e da salvação: Quam speciosi pedes evangelizantium pacem, evangelizantium bona! - Que formosos pés os daqueles que evangelizam a paz, que evangelizam o bem!
Quanto Deus é admirável nos seus santos, e como ele se compraz em glorificar, mesmo aqui em baixo, aqueles que só têm trabalhado pela sua glória! Eu considerei-me como delegado, com os meus dois companheiros, em nome de toda a Companhia, numa tão imponente cerimônia, e orei com todo o fervor de que era capaz, pela Igreja e seu chefe nas graves conjunturas em que ele se acha atualmente; por toda a Companhia e por aquele que a dirige; e por todas as missões da India e da China, unindo no meu coração o Maduré e Bombaim pedindo para todos os nossos missionários o espírito apostólico de S. Francisco Xavier e para os povos infiéis a graça da conversão.
O meu espírito, entregue a uma multidão de reflexões piedosas, não podia separar-se deste lugar abençoado. Não me achava satisfeito com aquele primeiro ato de veneração; voltei para ali naquela tarde, tornei a ir na seguinte manhã. Porém para satisfazer mais à vontade, a minha devoção, desejei ser admitido a uma visita particular; tinha já falado nisto ao cônego Pereira, vigário geral, encarregado de presidir no domingo à veneração das santas relíquias. Falei ainda ao administrador, depois ao secretário do governador, e fui bem sucedido. Conheceu-se que tinha esquecido colocar debaixo do caixão uma prancha com rebordos e guarnecida de pequenas rodas que devessem facilitar o movimento diário antes e depois da veneração. Foi fixado para o meio dia aquele trabalho e fui para aí convidado com os meus companheiros. Podeis imaginar se nós fomos fiéis ao chamamento. Ajudei por minhas próprias mãos a levantar a preciosa carga que foi deposta sobre o estrado em frente da uma de maneira, que nos deixava todo o vagar para contemplar o santo cor o. Ele está coberto de uma rica casula bordada a oiro e guarnecia de pérolas, presente de uma Rainha de Portugal em 1699, quando S. Francisco Xavier foi declarado defensor das Índias. Mas não era isto que atraia tanto a nossa atenção; ocupávamo-nos mais em fazer tocar os objetos de devoção, imagens, medalhas e rosários a seus pés sagrados.
Naquela ocasião um dos assistentes mandou-me uma fita cor de rosa, medida do comprimento do corpo, que eu envio a Vossa Paternidade. Auxiliei de novo a colocar o caixão no esquife; e foi então especialmente que ajoelhando-me junto daquela cabeça venerável, pus-me a contemplar aquele rosto do apóstolo, que parecia pregar ainda todas as virtudes apostólicas de que deixou no mundo tão belos exemplos, e sobretudo aquela máxima salutar que, saída da boca de Inácio, tinha feito nele uma impressão tão profunda e duradoira, e exercido uma tão maravilhosa influencia para a sua conversão e sua dedicação completa, ao serviço de Deus; aquela máxima que ele citava a todos, especialmente aos felizes do mundo e aos príncipes da terra, que mais precisavam: Quid prodest homini si mundum universum lucretur, animae vero suae detrimentum patiatur? - De que serve ao homem ganhar o universo se ele chega a perder a alma?
Reconhecem-se ainda os traços daquele heróico personagem que três séculos não puderam apagar. A pele que cobre o rosto está algum tanto trigueira; a boca entre-aberta dessa ver os dentes; distinguem-se os lábios, o nariz, as fontes; dir-se-iam espalhados sobre o crânio cabelos grisalhos, como encrustado na pele; a cabeça está algum tanto elevada, apoiada sobre um coxim. O braço esquerdo coberto duma alva preciosa estendido sobre a casula, deixa a descoberto a mão toda, cujos dedos se conservam suspensos e algum tanto separados uns dos outros.
Sabe-se que o braço direito foi cortado em 1616 por ordem do P. Geral Aquaviva e transportado a Roma, onde está exposto no Gesú, no altar de S. Francisco Xavier. Depois daquela amputação, feita numa grande sala da casa professa, o corpo do Santo perdeu aquela frescura e flexibilidade que conservara até ali.
Os pés conservam a sua forma e todos os dedos, exceto os dois pequenos do pé direito que foram tirados.
Entro nestes pequenos pormenores porque me persuado que agradará a Vossa Paternidade e àqueles dos nossos que lerem e que sem dúvida invejarão a minha felicidade de ter rosto com meus olhos aqueles restos milagrosamente conservados, que nos pregam tão fortemente a penitência e a mortificação, fazendo-nos ver sobre a terra a glória daqueles membros crucificados pelo serviço de Deus...".
Um fragmento do braço direito do Santo, como já dissemos, foi concedido ao colégio que a Companhia de Jesus tinha estabelecido em Macau; mas sob a influência, ou antes, sob a dominação inglesa, o colégio dos jesuítas foi transformado em caserna e somente a igreja conservada.
Em 1834, uma imprudência dos soldados incendiou a caserna, os socorros foram mal dirigidos, o incêndio devorou os estabelecimentos, alcançou a igreja e não deixou senão ruínas... Não nos enganamos: no meio daquela grande e deplorável destruição um admirável milagre se verificou: quatro estátuas somente foram respeitadas pelas chamas e se conservaram de pé perfeitamente intactas: eram as de Santo Inácio de Loyola, S. Francisco Xavier, S. Francisco de Borja e S. Luís Gonzaga.
Numerosas relíquias dos mártires do Japão desapareceram naquele desastre... A de S. Francisco Xavier foi a única salva!
Poderíamos citar factos ainda mais recentes, atestando que o poder dos merecimentos do ilustre apóstolo, cuja admirável vida nos foi tão agradável escrever, está bem longe de enfraquecer; mas limitar-nos-emos a afirmar que ele se não invoca em vão.
Acrescentaremos aperras que as páginas que acabam de ser lidas foram inspiradas pelo sentimento do mais profundo, mais vivo, mais terno reconhecimento.
Glória a Deus!
Glória a S. Francisco Xavier!
Processo de santificação
A 25 de Outubro de 1619, o papa Paulo V beatifica o Padre Francisco Xavier que passa a São Francisco Xavier em 12 de Março de 1622, canonizado pelo papa Gregório XV.
SÃO FRANCISCO XAVIER NO ORIENTE
ASPECTOS DE DEVOÇÃO E ICONOGRAFIA
A contribuição de Goa para o culto e iconografia de São Francisco Xavier
No dia 6 de Maio de 1542 Francisco Xavier chegou a Goa. Esta data marca o início do seu périplo pelo Oriente, o qual durou dez anos até à sua morte durante a noite de 2 para 3 de Dezembro de 1552 na Ilha de Sancião às portas da China. Foram estes anos que determinaram a origem do seu epíteto mais famoso: “ São Francisco Xavier – o Apóstolo do Oriente”. Por essa mesma razão, a maior parte das relíquias, dos atributos e das cenas mais representativas da sua iconografia, assim como os milagres in vita [em vida] e post mortem [depois da morte] estão ligados ao Oriente.
Em 1583 o poderoso visitador italiano Alessandro Valignano SJ [ jesuíta], provavelmente a pedido de Roma, encarregou um artista anônimo de pintar dois quadros de Francisco Xavier em Goa. Esta encomenda marcou o início da iconografia de São Francisco Xavier, o Apóstolo do Oriente. A razão de tal encomenda ter sido realizada em Goa deve-se porventura ao fato, de após as vicissitudes várias, o corpo de Francisco Xavier repousar na igreja jesuíta do Bom Jesus de Goa, principal igreja da Companhia em todo o Oriente, desde 1554. Infelizmente, os dois quadros permanecem desaparecidos. Todavia, um dos quadros que foi de imediato enviado para Roma (o outro quadro ficou em Goa), serviu de modelo para a vera effigies de S. Francisco Xavier: a gravura pelo flamengo Theodor Galle que ilustra a portada da Vita pelo Padre Horácio Torsellino, primeira biografia de S. Francisco Xavier a ser publicada em 1596.
Fig. 1: Theodor Galle, Vera Effigies de S. Francisco Xavier, C. 1596, ARSI
Fig. 2: Pedro Kano (atrib.), tela sobre óleo,
sec. XVIII, Museu de Kobe (Japão)
À semelhança da iconografia xaveriana latum sensum, a arte oriental difunde a imagem de São Francisco Xavier de rosto afilado e com o olhar dirigido para o céu, cabelo e barba negras, e levantando um pouco a sua sotaina, seguindo assim a descrição do jesuíta português Padre Manuel Teixeira, primeiro biógrafo de Xavier, e transmitida para a iconografia pela vera effigies estabelecida em Goa.
Um quadro setecentista da Escola Japonesa Kano atribuído ao pintor Pedro Kano e atualmente no Museu de Kobe no Japão, é uma das mais célebres pinturas representando São Francisco Xavier. Neste quadro Francisco Xavier de meio corpo veste a sotaina e o manto, cruza os braços sobre o peito, e de olhos erguidos para o céu profere o célebre lema “Satis est, Domine Satis est”, alusão aos seus momentos de êxtase sofridos em Goa entre Setembro de 1551 e meados de 1553. Este quadro ilustra assim uma cena tipicamente contra-reformista que, graças à gravura flamenga a partir de Hieronymus Wierix nos finais do séc. XVI - inícios do séc. XVII, se tornou um dos motivos iconográficos mais característicos de S. Francisco Xavier, após ter ser sido incluída na bula de canonização e ter decorado o Il Gesù durante as mesmas celebrações.
Fig. 3: Capela Mortuária de S. Francisco Xavier, Goa, Basílica do Bom Jesus (cortesia de G. Torres Olleta)
Na igreja do Bom Jesus em Goa conservam-se igualmente duas das principais séries narrativas da vida de São Francisco Xavier. Falamos obviamente do ciclo de trinta e dois relevos do seu túmulo em prata realizado por artistas indianos entre 1636 e 1637 e do ciclo de vinte e sete pinturas decorando a sua capela mortuária terminada em 1655. Em especial, a decoração do túmulo em prata é um dos mais completos testemunhos das preocupações da hagiografia e da iconografia no séc. XVII. Isto é, esta notável obra de ourivesaria baseia-se nos relatos hagiográficos mais antigos e decisivos para a iconografia de Xavier (Teixeira, Lucena, Torselino), reproduzindo ainda algumas das gravuras abertas pelo francês Valerius Regnartius em 1622 para divulgar a decoração do il Gesù durante as cerimônias de canonização. O ciclo do túmulo em prata é o mais extenso ciclo narrativo da vida de Xavier, tanto em número de episódios ilustrados como pela extensão cronológica. Este ciclo inicia-se com o primeiro episódio relativo à vocação missionária de Francisco Xavier, ou seja, a visão da sua irmã Madalena em 1532, terminando com a cura milagrosa de Marcello Mastrilli atribuída à intercessão a S. Francisco Xavier em 1634. Esta cura esteva indiretamente na origem da execução deste túmulo. Pois, Marcello Mastrilli foi agradecer a sua cura ao Santo em Goa e vendo que o túmulo era demasiado pequeno para o corpo do Santo e por isso indigno para o conservar, decidiu encomendar o actual féretro em prata. Além disso, liga-se porventura à figura de Marcello Mastrilli a divulgação duma das principais iconografias de São Francisco Xavier no Oriente, ou seja, a sua iconografia de peregrino ilustrada pelas vestes (sotaina, o manto, às vezes, a esclavinha) e ainda pelos atributos do bordão e da concha. Pois, na sua aparição milagrosa a Mastrilli, S. Francisco Xavier traria a indumentária de peregrino. Depois de várias tentativas sem sucesso em Itália, Mastrilli encomendou a pintura duma imagem de S. Francisco Xavier vestido de peregrino ao Irmão Diogo Cunha em Lisboa. Mastrilli conservou sempre esta imagem, à qual dedicava grande veneração, durante as suas viagens pela Índia, pelas Filipinas e pelo Japão.. Pensamos igualmente que Mastrilli teria mostrado esta imagem aos artífices do túmulo em prata em Goa, pois o primeiro relevo com a visão profética de Madalena representava Francisco Xavier trajado como peregrino.
Aspectos do Culto de São Francisco Xavier no Oriente
Entre os primeiros e principais fomentadores do seu culto encontravam-se várias personalidades orientais. Destaca-se o nobre japonês Õtomo Yoshige do Reino do Bungo, que após ter sido batizado com o nome de Francisco em 1578 devido à sua devoção pelo Santo, pediu fervorosamente a Alessandro Valignano, acompanhante da célebre embaixada dos quatro japoneses à Europa em 1582, que o jesuíta italiano conseguisse a beatificação de Francisco Xavier junto do Papa. Lemos igualmente na Carta Anual para a Província de Goa (1647) que nesse ano tinha sido esculpida uma estátua de Francisco Xavier por encomenda dos cristãos locais.
O culto do Apóstolo do Oriente afirmou-se rapidamente em Goa como em todas as missões da Companhia de Jesus no Oriente, em especial nas zonas por onde o Santo passou. A bula de canonização de Francisco Xavier permitia aos jesuítas a celebração de missas em igrejas da Companhia nas Índias Orientais e ainda no Castelo de Javier. Todavia, esta determinação apenas serviu para legitimar uma prática anterior. No caso do Oriente, sabemos que eram celebradas missas em honra de Francisco Xavier nos primeiros anos do séc. XVII.
Um outro inequívoco sinal da popularidade do culto de Xavier no Oriente foi a dedicação de inúmeras igrejas, capelas e confrarias a Francisco Xavier no Oriente muito antes da sua beatificação. Isto é, em 1603 o Geral Cláudio Acquaviva autorizou a construção da primeira igreja dedicada a São Francisco Xavier em Cotar, Cabo Comorim (atual Estado de Madya Pradesh, Sul da Índia). Esta igreja tornou-se rapidamente um importante local de peregrinação, devido ao fato de aí terem ocorrido vários milagres. Ou seja, no mesmo ano uma cruz erguida em honra de Xavier verteu sangue, após a ressurreição milagrosa duma menina. Este milagre foi o primeiro duma série prodigiosa de milagres que teriam ocorrido nesta igreja. O cronista Sebastião Gonçalves atribuiu nada menos do que oito milagres entre 1603 e 1610 à imagem de S. Francisco Xavier aí guardada. De igual modo, várias testemunhas ouvidas durante os processos de 1616-1617 afirmaram o carácter taumatúrgico desta imagem. Curiosamente, apesar da literatura jesuítica ter enfatizado este milagre (Crónica de Sebastião Gonçalves e o Compendio de la vita di S. Francisco Saverio pelo Soprani, 1622), aparentemente, a sua iconografia popularizou-se apenas no Oriente, a partir da sua inclusão no ciclo de relevos em prata do túmulo do Santo.
O fato de São Francisco Xavier se ter distinguido como missionário do Oriente determinou a “santificação” ou “veneração” de certos lugares com ele associados, assim como a proliferação de inúmeras relíquias, tanto corpóreas como objetos de contacto, praticamente em toda a Ásia. Uma tradição muito antiga diz que S. Francisco Xavier teria determinado a construção duma capela no interior do Colégio de S. Paulo onde teria celebrado missa. Esta capela poderá corresponder à atual Capela de S. Francisco Xavier, a qual sofreu importantes obras de reformulação e decoração nos finais do séc. XIX11. Em Yamaguchi, Japão, conserva-se um poço, junto ao qual, segundo a tradição local, S. Francisco Xavier costumava fazer as suas pregações e que continua a ser um tema favorito da iconografia de S. Francisco Xavier.
Verificou-se, de igual modo, o crescente interesse pelas suas relíquias, em particular pelas relíquias corpóreas. De 1553 data a extração de um bocado de carne da coxa direita. Em 1556 existia um relicário com cabelo de S. Francisco Xavier no Colégio de S. Paulo Uma parte do dedo do pé do Santo que a devota exaltada Condessa de Villahermosa tinha arrancado em 1554 era transportada em procissão em Goa nos finais do séc. XVII. Todavia, a distribuição de relíquias corpóreas e de contacto de Francisco Xavier iniciou-se verdadeiramente nos anos antecedendo a sua beatificação. Destaca-se em 1614 a separação do seu braço direito, aquele com o qual o Santo batizava, a pedido do Geral Cláudio Acquaviva.
Relíquia do braço de São Francisco Xavier, Macau, Igreja de S. José (cortesia de Rui Loureiro)
A parte inferior do braço (o antebraço) foi levada para il Gesù em 1615, onde ainda se conserva. A parte superior do braço foi dividida em várias relíquias ex brachio, as quais foram distribuídas por casas jesuítas, incluindo as missões em Macau, Cochim e no Japão também em 1619.
Data das décadas de 1620 e 1630 a moda da distribuição de relíquias ex visceribus. No que refere ao Oriente, em 1637 Francisco Mastrilli ofereceu uma parte da sua relíquia ex visceribus à Província das Filipinas, a qual em 1643 era objeto de especial veneração. Esta relíquia corpórea tinha um valor acrescentado, dado que os intestinos são os órgãos que normalmente entram primeiro em decomposição.
Fig. 5: Cofre em prata com a sobrepeliz de S. Francisco Xavier, Museu de Arte Sacra, Goa
Maria Serrão, moradora em Goa, afirmou em 1556 que estava na posse duma pequena relíquia do cordão que o santo trazia em cima da alba, a qual teria poderes curativos. Durante os processos de Lisboa (1614-1616) o Padre Francisco da Costa mencionou não só a devoção pelo túmulo de Xavier, como destacou a veneração pelas suas vestes, em particular pela sobrepeliz que o Santo vestiu em vida e com a qual foi enterrado em Malaca. Durante os mesmos processos, o Padre Luís Pereira testemunhou acerca do estado de conservação considerado milagroso da sobrepeliz. Para evitar os excessos de veneração (os devotos mais fervorosos tinham por hábito arrancar bocados da sobrepeliz com a boca), em 1611 os jesuítas locais terão ordenado a execução dum cofre coberto de veludo com placas em prata. Este cofre foi substituído na década de trinta do mesmo século pelo relicário em prata actualmente no Museu de Arte Sacra em Velha Goa. A medida do corpo morto de S. Francisco Xavier é uma outra relíquia dispensadora de milagres. No início do séc. XVII, como nos relata o cronista Sebastião Gonçalves SJ, as mulheres parturientes com dificuldades em terem os seus filhos, costumavam cingir a medida à volta da barriga. Estas capacidades taumatúrgicas, sobretudo no caso de mulheres grávidas, aparecem aliás incluídas nas inquirições relativas à beatificação e posterior canonização de Francisco Xavier. Devido às várias aberturas do seu túmulo em Goa, este tipo de relíquia de contacto teve aliás enorme sucesso, enquanto objecto de culto de S. Francisco em Goa, existindo ainda as medidas tiradas ao corpo do santo por ocasião da abertura oficial do túmulo em 1859.
Um missionário jesuíta, o Padre J. P. Porro SJ escreveu em 1625: «A uma hora de Yamaguchi encontra-se Myano. Aqui viveu o Santo Francisco Xavier. Coloquei um quadro de Francisco Xavier na parede, e as lágrimas, que os cristãos verteram perante a sua visão, mostraram claramente a sua veneração, a sua emoção e o seu amor pelo Santo».
De fato, nas primeiras décadas do séc. XVI, assistiu-se no Oriente à proliferação de imagens de Francisco Xavier. Muitas destas imagens teriam um caráter taumatúrgico, tendo sido, por isso, um importante instrumento da Companhia de Jesus para fomentar a beatificação de Francisco Xavier. Uma carta do Padre Simão de Figueiredo ao Padre Diogo Monteiro de Goa e com a data de 25 de Novembro de 1614 refere entre os vários episódios taumatúrgicos atribuídos a Francisco Xavier e dos quais foi tomado instrumento público uma cura milagrosa dum velha de cento e vinte anos em Cochim, graças à intercessão duma imagem de Francisco Xavier. De igual modo, os actos dos processos desta época mencionam imagens e medalhas de S. Francisco Xavier para culto privado e público e detentoras de capacidades taumatúgicas nas várias missões orientais.
São Francisco Xavier – o Santo Missionário
Talvez devido ao fato de S. Francisco Xavier se ter tornado o Apóstolo do Oriente, pudemos dizer, quase que por acaso (ele foi enviado para o Oriente em substituição de Nicolau de Bobadilla impedido de partir por doença), a hagiografia xaveriana vai realçar o carácter de predestinação da sua missão do Oriente através de episódios que teriam ocorrido ainda Xavier vivia na Europa.
Neste sentido, destacamos o facto antes referido que o ciclo narrativo do seu túmulo em prata começa com a visão de Madalena, irmã de Francisco Xavier, em 1537. A iconografia xaveriana destaca assim a sua atividade como missionário, isto é, os seus batismos e a sua atividade de pregador. Francisco Xavier veste, por norma, a sotaina, e ainda a estola e a sobrepeliz que são as duas vestimentas adequadas à sua atividade de batizar e predicar. Ergue ainda o crucifixo, um outro símbolo do predicador. As cartas do próprio Francisco Xavier estão na origem da fama que obteve na atividade de batizar. Em 1544 escreveu: “é tanta a multidão dos que se convertem à fé de Cristo nestas terras onde ando, que muitas vezes me acontece ter os braços cansados de batizar…”. Sendo esta afirmação repetida à exaustão pelos seus hagiógrafos a partir de Manuel Teixeira.
Uma outra afirmação de Xavier em 1546, segundo a qual três reis ter-se-iam convertido em Macassar ou Celebes nas Filipinas foi transmitida à iconografia, incluindo ao ciclo em prata do seu túmulo, através da gravura do ciclo de Regnartius. De acordo com o protótipo mais comum, os reis ajoelhados têm os seus cetros e as coroas pousados junto a eles. Ao fundo, as várias figuras de pé ilustram o sub-título da gravura de Regnartius que diz «Reges tre et multa centena hominum millia baptista».
Fig. 6: Relevo em prata do Túmulo de S. Francisco Xavier com o Batismo dos três reis de Macasar, Fondo Schurhammer, -VI-2107
Francisco Xavier e a cultura da mortificação
Francisco Xavier foi um santo da Contra-Reforma. Por essa razão, a sua hagiografia e a sua iconografia estão indissociavelmente marcadas pela sua capacidade de sofrimento e mortificação tão ao gosto da época. A primeira pergunta colocada durante os processos de Cochim (1556) era precisamente se Francisco Xavier teria passado: «muitos trabalhos e persecuçõis por amor de Deus e da virtude n´esta vida».
De igual modo, alguns dos episódios iconográficos mais célebres retratam esta virtude de Xavier. Seguindo de perto a discrição do primeiro biógrafo de Xavier, o português Manuel Teixeira, o relevo número três do túmulo em prata mostra Francisco Xavier a lamber as chagas do enfermo e a chupar a matéria do incurável no Hospital de Veneza.
O relevo número quatro mostra outro episódio característico do espírito de mortificação de Francisco Xavier e bastante repetido pela iconografia. Trata-se da visão que Francisco Xavier teria tido num hospital de Roma em 1537, onde se lhe apresentavam os seus futuros trabalhos no Oriente. Xavier gritava “más, más”, enquanto abria o seu manto para receber os seus futuros sofrimentos representados pelas cruzes enviadas por Deus. Este tema terá tido aliás assinalável sucesso na arte oriental. Para além do relevo do seu túmulo, conhecemos uma pintura na Capela de S. Francisco Xavier e ainda um quadro na Catedral em Goa.
S. Francisco Xavier, o “Príncipe do Mar”
Francisco Xavier realizou a maior parte das suas viagens por mar, onde terão ocorrido alguns dos seus mais notáveis milagres. Citando Lorenzo Ortiz na sua magnifica obra San Francisco Javier, Príncipe del Mar (1682):
Fig. 7: Autor indiano, Milagre da transformação da água salgada em água doce, óleo sobre tela, séc. XVII, Capela Mortuária de S. Francisco Xavier (foto da autora)
O milagre da transformação da água salgada em água doce durante uma viajem por mar em 1552 é seguramente um dos milagres que mais contribuíram para a designação de Francisco Xavier, “o Milagre dos Milagres”, e sobretudo para o seu epíteto de “O Príncipe do Mar”. Este milagre que foi testemunhado por sessenta inquiridos durante os processos de 1616-1617 foi colocado no topo dos milagres incluidos na Relatio Super Sanctitate et Miraculis Patris Franciscis Xaverii em 1619. O cronista jesuíta Sebastião Barradas, que compilou os relatos dos processos de 1616 e 1617, concluiu que Francisco Xavier teria transformado várias vezes água salgada em água doce, umas vezes com os pés, outras vezes da água recolhida pelos marinheiros, milagres condensados numa bonita pintura decorando a Capela de S. Francisco Xavier em Goa.
Ainda mais espetacular é o celebérrimo milagre (falso) do caranguejo. De acordo com a lenda hagiográfica, na Primavera de 1546, um caranguejo teria devolvido a Xavier o seu crucifixo caído ao mar perto da Nova Guiné. Este motivo iconográfico recorrente entrou na iconografia e na hagiografia xaverianas durante os processos de Cebú, Filipinas, em 1608 e é tanto mais importante, quanto para o Padre Schurhammer se trata dum episódio de origem européia posteriormente transmitido à hagiografia budista.
Na arte oriental destacam-se dois extraordinários biombos com a alusão simbólica a este atributo xaveriano. Um destes objectos terá sido oferecido pela Cidade de Macau à Casa Professa de Roma em 1624 para agradecer o envio de uma relíquia do braço direito de Francisco Xavier. O outro biombo encontra-se actualmente no Museu dos Mártires em Nagasáqui, China. Em ambos os biombos um caranguejo no escudo dos soldados alude à protecção de Francisco Xavier.
Como acontece frequentemente na hagiografia, esta história conheceu versões ou variantes menos conhecidas, mas não por isso menos curiosas, tais como a história transmitida pelo Padre Simão de Figueiredo no início do séc. XVII, segundo a qual o crucifixo teria sido substituído pelo relicário e o caranguejo teria tomado a forma de peixe: «hum Portugês mui antigo referio, que, indo hum dia embarcado com o P. Francisco, com outra muita gente, lhe sobreueio huma grande tempestade; e pedindo elles ao santo que lançasse no mar alguma relíquia, elle tirou o relicairo do pescoço e o lançou sobre as ondas, as quais logo se aquietarão, e a tormenta cessou. Hia o santo Padre um pouquo desconsolado de ficar sem relíquias; eis que, chegando á praya d’ahi muitas legoas; uem uir hum peixe por cima de agoa com o relicario na boca; e, chegado á terra, o deixou diante do Padre e se uoltou ao mar. A tudo se achou este português presente».
S. Francisco Xavier e a castidade
No Ocidente como no Oriente, a açucena ou o lírio são um atributo constante na iconografia xaveriana até à atualidade. A sua fixação como atributo iconográfico essencial da figura de Xavier está intimamente ligada à cronologia da sua beatificação e da sua canonização. Data de 1619 uma gravura do Padre Sadeler com este atributo, sendo de destacar que a estátua de São Francisco Xavier decorando o interior do Collegio Romano em 1622 segurava a açucena nas mãos. A questão da castidade ou pureza de Francisco Xavier tinha antes sido objeto de especial interesse durante os processos de Cochim em 1556, tendo sido sobretudo divulgada ao grande público, graças à biografia de Inácio de Loyola pelo Padre Ribadeneira, que escreveu: Como observado por Ricardo Fernández Gracia:
A Morte de Francisco Xavier – Culto e Iconografia
A veneração do túmulo dum santo é uma dos aspectos principais do seu culto. No caso de S. Francisco Xavier, a veneração do seu túmulo iniciou-se praticamente logo após a sua morte. O seu corpo foi inumado de Sanchuão dois meses e meio após a sua morte, mais concretamente em 17 de Fevereiro de 1553 foi trasladado para Malaca onde chegou a 22 de Março de 1553, sendo finalmente transportado para Goa, onde, à sua chegada a 16 de Março de 1554, foi alvo duma imponente recepção liderada pelo Vice-Rei e na qual participaram membros de todos os institutos religiosos e da nobreza portuguesa, assim como a população local em grande número.
De imediato, o corpo de Xavier começou a dispensar milagres. Pois o seu corpo incorrupto e de bom odor vertia constantemente sangue e água fresca, como terá sido testemunhado, entre outros, pelo próprio Vice-rei, quando meteu a mão numa ferida aberta do corpo de Francisco Xavier por volta de 1556. Encontramos a referência a outros milagres precoces nos primeiros processos em Goa em 1556. Por exemplo, o escrivão dos órfãos António Rodrigues testemunhou acerca da cura milagrosa dos seus problemas do foro oftalmológico, após ter beijado os pés e as mãos de Francisco Xavier. Por sua vez, o Padre Baltazar Dias ter-se-á curado dos seus males de garganta, após ter pousado a garganta no corpo de Francisco Xavier.
A dupla trasladação do corpo de Francisco Xavier originou um importante culto junto do seu túmulo não só em Goa, como também em Sanchuão e em Malaca, tendo sido assinalados vários milagres durante as trasladações e junto aos seus três túmulos. Em especial, liga-se a Sanchuão um dos principais indícios da santidade de Francisco Xavier – a incorruptibilidade do seu corpo. Quando Diogo Pereira abriu o túmulo de Xavier em Sanchuão, ficou assombrado com a incorruptibilidade do corpo, não obstante o corpo ter sido coberto de cal viva para acelerar o processo de decomposição. Por essa razão, colocou algumas pedras sobre o túmulo que deviam servir de recordação. Em 1640 o Reitor de Macau ordenou que fosse ali colocada uma pedra sobre o monte decorada com uma inscrição latina e outra portuguesa. Seguiu-se, a partir de 1644, a proliferação de vários milagres. Em 1700 foi assim decidida a reconstrução do túmulo em Macau. Na origem de tal decisão encontra-se o facto de, após vários anos de seca, ter chovido, bênção divina que foi relacionada pelos devotos locais do santo com a reedificação do túmulo pelo italiano Padre Carocci dois anos antes.
Durante a Época Moderna, S. Francisco Xavier ganhou reputação como um dos santos mais eficazes em caso de peste ou epidemia, facto ilustrado em três quadros na Casa Professa de Goa e que representam Xavier em profunda oração pedindo o final da epidemia que então grassava na Ilha de Manar. A intercessão a Francisco Xavier é considerada, pelo menos tão eficaz in vita, como post mortem, no caso de epidemias de peste. Nesse sentido, vários moradores de Goa testemunharam em 1556 e 1567 que a peste cessara em Malaca logo após a chegada do cadáver àquela cidade.
Em paralelo à crescente veneração do corpo de Francisco Xavier, desenvolveu- se a iconografia da sua morte. No Oriente, esta iconografia parece ter-se aliás desenvolvido exactamente na Índia e na China. No caso da arte indo-portuguesa conhecemos, porventura apenas documentalmente, várias obras representando este tema. No Fundo Schurhammer descobrimos aliás uma gravura do flamengo Fred. Bouttats, com a data de 1662, mas cujo subtítulo em latim é «Verdadeira Imagem, segundo o protótipo emitido em Goa, de S. F.co de Xavier, Apóstolo das Índias, morrendo afastado de todos». Esta gravura ter-se-á portanto inspirado no protótipo iconográfico da sua morte criado em Goa com a morte solitária de S. Francisco Xavier. Vemos, portanto, Francisco Xavier moribundo num tugúrio na Ilha de Sanchuão com o crucifixo e o rosário nas mãos, um barco simbolizando o sonho não realizado da viajem à China e uma segunda cabana de palha que foi um motivo muito divulgado pela gravura flamenga.
Curiosamente, não obstante a concepção iconográfica da morte solitária de Xavier ter sido, como vimos, eventualmente criada em Goa, a mesma concepção só se começou a impor na arte oriental no séc. XIX. O relevo em prata do seu túmulo, que se inspirou diretamente na respectiva gravura do ciclo de Regnartius, mostra já duas figuras, obviamente o convertido chinês Paulo de Santa Fé e o indiano Cristóvão junto a Xavier em agonia. De igual modo, uma pintura na Casa Professa de Goa representando Xavier moribundo e ainda com os anjos evoca a pintura do italiano Gaulli, mais conhecido por il Bacciccia, que com o Maratta foi um dos grandes especialistas da iconografia da morte de S Francisco Xavier. Uma outra notável pintura da morte de Xavier é atribuída a Gaspar Conrado, finais do séc. XVII. Esta pintura segue o modelo mais raro de São Francisco deitado com a cabeça à direita do quadro e segurando os três atributos característicos da iconografia da sua morte (o crucifixo, o rosário e o breviário). Aos pés do Santo encontra-se o chinês António de Santa Fé vestido com trajes chineses. A cena é coroada pelos anjos tocando música e tem ainda ao fundo uma paisagem marinha com vários barcos.
Fig. 8: Gaspar Conrado (atr.), Morte de S. Francisco Xavier, séc. XVII, óleo sobre tela, Cidade do México, Casa Professa.
São Francisco Xavier e a Companhia de Jesus
A devoção e a iconografia de S. Francisco Xavier no Oriente vão testemunhar compreensivelmente o interesse da Companhia de Jesus pelas devoções maiores do Cristianismo: a devoção cristológica e a devoção mariana. Num quadro a óleo de Escola Indo-Portuguesa conservado na Casa Professa da Basílica do Bom Jesus em Goa, os dois primeiros santos jesuítas estão sob a proteção do Salvator Mundi.
Fig. 9: Pintor indiano, Cristo Salvador do Mundo com Santos Jesuítas, óleo sobre tela, séc. XVII, Bom Jesus, Goa (foto da autora)
Em uma outra iconografia muito divulgada pela arte indo-portuguesa e característica da grande devoção cristológica entre os jesuítas S. Francisco Xavier tem o Menino Jesus nos braços. Na minha opinião, esta iconografia que se salientou no Oriente, é uma simplificação da iconografia da Aparição de Nossa Senhora com o Menino Jesus a S. Francisco Xavier.
Fig. 10: Pintor japonês anónimo, Nossa Senhora com o Menino e os quinze mistérios do Rosário e os dois primeiros santos jesuítas, séc. XVII, aguarela, Museu da Universidade de Kyoto.
Segundo a hagiografia, S. Francisco Xavier teria tido duas aparições de Nossa Senhora, uma em Loreto em 1537 e outra em 1541 a caminho de Portugal. Francisco Xavier foi igualmente um fervoroso adepto da devoção de Nossa Senhora tão característica da Companhia de Jesus. Chegado a Goa, começou a solicitar incessantemente indulgências para todas as igrejas dedicadas a Nossa Senhora no Oriente. É provável que Xavier tenha levado o culto da Madonna di San Lucca para o Oriente, nomeadamente para o Japão. Ainda dentro da hagiografia e da iconografia japonesas de S. Francisco Xavier proliferaram pinturas dos dois primeiros santos jesuítas em adoração de Nossa Senhora com o Menino, entre os quais se destacam uma pintura de Nossa Senhora com o Menino e os quinze mistérios do Rosário e os dois primeiros santos jesuítas atualmente no Museu da Universidade de Kyoto.
A obra Imago Primi Saeculi, cuja publicação em 1640 celebrou o primeiro centenário da fundação da Companhia de Jesus, comparou os primeiros dois santos jesuítas, S. Inácio de Loyola e S. Francisco Xavier respectivamente ao Apóstolo S. Pedro e ao Apóstolo S. Paulo. Enquanto S. Inácio e S. Pedro ficaram em Roma, S. Paulo e S. Francisco Xavier foram enviados inter gentes. Assim, a arte jesuíta divulgou a representação dos quatro santos, como vemos numa porta da sacristia do Bom Jesus em Goa.
Estátuas dos primeiros quatro santos da Companhia passaram a decorar as fachadas das igrejas jesuíticas a partir do séc. XVII. Inácio de Loyola e Francisco Xavier encontram-se respectivamente à direita e à esquerda na parte superior da fachada. Sob estes, estão Luigi Gonzaga e S. Estanislau Koska. A sua organização e as suas vestes simbolizam os vários graus possíveis no interior da Companhia de Jesus. Inácio e Xavier vestidos de casula representam os padres, enquanto o noviço Gonzaga veste a simples sotaina e o escolástico Koska a sobrepeliz. Não obstante o facto de S. Francisco Xavier ter tido uma morte natural, ele tornou-se no ideal do missionário, e o seu exemplo inspirou muitos jovens europeus a seguirem os seus passos. Por essa razão, também no Oriente a arte da Companhia de Jesus vai difundir a imagem de S. Francisco Xavier entre os mártires da Companhia de Jesus.
O CONCEITO DE MISSIONAÇÃO DE SÃO FRANCISCO XAVIER: ALGUNS ASPECTOS DA SUA AÇÃO MISSIONÁRIA NA ÍNDIA (1542-1545)
NOTA: * Este artigo foi elaborado a partir de um trabalho apresentado em 1993, no 3º ano da licenciatura de História, da Faculdade de Letras de Lisboa, no âmbito da cadeira de História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa, sob a orientação do Dr. Francisco Contente Domingues.
** Mostrando em História Moderna na Faculdade de Letras de Lisboa. 1 Georg SCHURHAMMER e Joseph W1CKI. Epistolai- S. Francisci Xaverii. aliaque eius sripla, tomo I (1535-1548). Roma. 1944. (EX. I) LUSITANIA SACRA. 2" série. 8/9 (1996-1997) 537-571
O objetivo deste artigo é proceder a um estudo da formação do pensamento missionário de São Francisco Xavier na índia. Definiu-se, assim, um período cronológico que se inicia em Maio de 1542, com a chegada de São Francisco Xavier à índia, e termina em Setembro de 1545, quando o missionário abandona o território indiano em direção a Malaca. Um período de três anos em que se formou e definiu a relação de São Francisco Xavier com o espaço missionado.
Como base deste estudo encontram-se as cartas escritas por São Francisco Xavier e publicadas por Georg Schurhammer e Joseph Wicki no I volume da correspondência do missionário. No entanto, só são aqui apresentadas as cartas que, entre 1542 e 1545, demonstram de uma forma inequívoca a concetualização e desenvolvimento da atividade missionária na índia. Duas cartas, apenas, estão fora deste período de três anos, foram escritas em 1549, a D. João III (em Janeiro) e ao Padre Gaspar Barzeo (em Abril), mas refletem e resumem, especialmente no caso desta última, a experiência missionária de S. Francisco Xavier nos anos de 1542 a 1545.
Para além da leitura da correspondência e igualmente importantes para a concretização deste estudo foi a leitura das obras historiográficas de João de Lucena (1550-1600) e de Francisco de Sousa (1649-1712), respectivamente História da Vida do Padre S. Francisco Xavier e do que fizeram na Índia os mais religiosos da Companhia de Jesus 2 e O Oriente conquistado a Jesus Cristo pelos padres da Companhia de Jesus da Província de Goa \ obras que, pela sua fidelidade narrativa, possibilitam um estudo da missionação no Oriente e, para o caso particular deste artigo, da evolução do pensamento e atividade missionária de S. Francisco Xavier na índia.
1. O Cristianismo na índia a quando da chegada de São Francisco Xavier
No dia 4 de Agosto de 1539, D. Pedro de Mascarenhas embaixador português em Roma, recebe uma carta de D. João III. Nesta carta o Rei pedia ao seu embaixador para informá-lo das atividades de Inácio de Loyola e dos seus companheiros, e se estes estavam preparados para serem enviados para a índia. Em caso afirmativo, deviam ser tomadas as diligências necessárias junto do Papa para que Inácio e os seus companheiros pudessem ser enviados para o oriente. Numa carta de 10 de Março de 1540, o embaixador português informava o rei de que a Companhia de Inácio estava preparada para responder às necessidades de evangelização da índia.
O convite de D. João III à Companhia de Jesus compreende-se perante os poucos progressos do cristianismo na índia. A cristianização dos nativos não progredia, situação a que não era estranha a ausência de um plano de missionação, por diminuto empenho dos religiosos ou ainda, pelo mau exemplo dado pelos portugueses que levavam um comportamento distante dos padrões da moral cristã. A cristianização da índia para além de ser uma preocupação moral do rei português, não se reduzia só ao seu significado religioso e espiritual, assumia igualmente uma importância estratégica fundamental para a consolidação da presença portuguesa no Extremo Oriente, daí uma maior preocupação por parte do rei na evangelização da índia. Desta forma, a cristianização dos povos surge não somente como um fim em si mas como um instrumento do Estado português para se impor com maior eficácia. Em território indiano é exemplo deste tipo de política a conversão em 1516 dos Paravás, pescadores da costa da Pescaria (região na costa oriental indiana que abrange cerca de 70 léguas entre o cabo Comorim no extremo sul da península e a ilha de Manar). Ao converterem os Paravás, os Portugueses desferem um golpe no domínio muçulmano obtendo pontos de apoio na costa da Pescaria, indispensáveis para o comércio português no Oriente e para a dissuasão da pirataria. Estamos perante um dos fios condutores da política portuguesa no século XVI, procurando-se «por meio da criação de núcleos ribeirinhos de cristandade subtrair influência muçulmana pequenos espaços geograficamente estratégicos».
Acontece que a superficialidade da conversão tornava precária a aliança destes povos com Portugal, pelo que era essencial proceder a uma evangelização mais consistente. E neste sentido que se compreende o apelo que D. João III faz à Companhia de Jesus.
Já em 1510, após a conquista de Goa, Afonso de Albuquerque tentara a aproximação dos nativos ao Cristianismo, e consequentemente a Portugal, através do patrocínio de casamentos entre soldados portugueses e mulheres goesas, dando assim origem a um grupo de 'casados'.
Contudo, verificar-se-á o oposto: inserido numa sociedade exótica, completamente distinta da sociedade cristã, o português em vez de cativar o nativo, com quem convivia quotidianamente, para o modo de vida ocidental, vai integrar-se na sociedade indiana, entrando num processo de aculturação. Uma leitura das histórias da missionação da índia escritas por jesuítas, apontam como única causa deste afastamento da moral cristã, o fato dos portugueses se terem tornado senhores de determinadas regiões da índia. Referindo-se especificamente a Goa, Francisco de Sousa afirma que «nesta Babylonia Portugueza, viviaõ entaõ os Portuguezes soberbos, & arrogantes com as contínuas victórias que alcançavaõ, & riquezas immensas, que possuiaõ como se já naõ lembrassem da humildade, & modéstia Christaã» \
Mas a existência de um comportamento considerado moralmente reprovável não se justifica apenas pela existência de um domínio português. Uma leitura cuidada da historiografia jesuíta, que nos relata o comportamento dos portugueses na índia, permite inferir outra causa mais pertinente para a explicação desta anarquia de costumes. Para compreender a situação que se vivia na índia é necessário ver que os portugueses que aqui se encontravam eram. na sua maioria, de origem social humilde. Agora, numa terra estrangeira e longínqua, tentavam proporcionar a si mesmos um estilo de vida que lhes permitisse superar os limites que em Portugal lhes eram impostos, não só pela sua condição social, mas também pelos códigos morais de uma sociedade cristã. O comportamento sexual era um dos campos onde o indivíduo procurava concretizar essa liberdade: «Y por estar tan mezclados com moros y gentiles, que son dados a sensualidad y a todo pecado (...) y ser la tierra de su natural muy relaxada, viciosa e llena de regalos, (...) y tratarse los Portugueses muy bien en la índia, y ser muy liberales en gastar (...) era entre ellos tan grande la dissolución y vicio sensual, que la inayor parte de ellos vivían publicamente amancebados: y por hallarse aqui ifinidad de donzellas y mugeres, que de diversos reynos se compran muy barato, muchos no se contentavan con una sola, mas antes tenían quatro y cinco y quantas querían en sus casas».
Note-se a presença de um certo eurocentrismo neste tipo de afirmações, e que no fundo não se limita a Valignano, mas caracteriza a mentalidade que preside a todas as produções historiográficas dos jesuítas relativas à história da missionação na índia. Apesar do português ser criticado pelo seu comportamento é-nos sempre transmitida a noção de que esse comportamento resulta de um desvio que é provocado pelo convívio com os indígenas, ou seja, o português, ou melhor dizendo o europeu, está a priori preparado para fazer o bem, enquanto que o indígena encerra em si a propensão inata para fazer o mal. Segundo os Jesuítas é deste convívio pouco saudável que resulta a degeneração dos portugueses. Como afirma Valigano «la gente portuguesa naturalmiente es bien inclinada y religiosa, todavia la ociosidad y regalo de la índia y la ocasión tan grande que en ella hay para este pecado, con el uso acostumbrado y tan comun de toda gente, que no lo entranan, facilmente pudieron corromper las buenas costumbres de los portugueses» Para agravar a situação «era tanta la falta de clérigos e religiosos (...) que ní aún podia proveer bastante a los portugueses [e indígenas] porque en toda la índia no avia outros religiosos sino algunos poços Padres de S. Francisco ».
Ao condicionarem a cristianização à sua política diplomática, os portugueses fizeram com que, em muitos casos, as vicissitudes políticas de alguns reinos nativos levassem a um precoce abandono do Cristianismo. Mas a conversão à fé cristã também era subtilmente utilizada pelos reis nativos para conseguirem a aliança dos portugueses. É exemplificativo deste tipo de situações a conversão do Rei das Maldivas: «Conjurãraõse agora os Maldivanos contra o Rey presente (não se escreve a occasiaõ) & vendose elle sem forças bastantes para resistir à uniaõ dos colligados tratou de salvar a vida, já que não podia segurar o Reyno, & fugio para Cochim esperando das armas Portuguezas soccorro para restaurar a Coroa.
Os Padres o recolherão em casa, & (...) o persuadiraõ a trocar a Monarquia das ilhas pelo firmamento das estrellas, que mais facilmente podia conquistar seguindo as bandeiras de Jesu Christo» Outra situação paradigmática é a conversão ao Cristianismo do irmão do rei de Jaffa, de forma a recuparar o trono que por direito lhe pertencia: « [o] pobre príncipe passou a terra firme com alguns que o serviam (...) até chegar a Goa, nela não somente foram bem agasalhados e consolados como com as esperanças da restituição a seu estado, mas todos depois de bem instruídos na fé receberam o santo baptismo» .
Neste contexto o Cristianismo não resultava de uma catequização profunda dos conversos, por isso, para descontentamento da Coroa portuguesa, era abandonado tão depressa como fora aceite, como aconteceu com o rei de Tanor «deyxando empenhada sua Real palavra ao Governador, & ao Bispo de sugeytar com muyta brevidade pedem socorro e baptismo, o qual os embaixadores logo receberam em reféns da todo o seu Reyno à fé de Christo. Posto em Tanor faltou aos homens com a palavra, & a Fé jurada no bautismo, & nunca se pode saber a occasiaõ desta mudança permittida por justos juizos de Deos em não expor a qualquer risco a Coroa temporal por não perder a eterna» " Mas o Cristianismo não era só uma forma de responder às necessidades dos poderosos, muitas aldeias procuravam com a conversão alcançar a protecção dos portugueses. É nesta situação que se encontram os paravás, pescadores da Costa da Pescaria, a quem os mouros atacam e roubam os navios «Mandam logo os patangatins, que são regedores da nação, alguns mais principais de toda ela a Cochim, representam a causa, pedem socorro e baptismo, o qual os embaixadores logo receberam em reféns da f é de toda a sua gente (...) em poucos dias, os mouros ficaram castigados, a terra pacífica, os paravás senhores absolutos da pescaria, que por antigo direito era sua. (...) Cumpriram também sua palavra os paravás baptizando-se logo até vinte mil almas em trinta lugares» .
S. Francisco Xavier referindo-se a estes paravás, pouco tempo após a sua chegada, escreve que «Los cristianos destes lugares por no aver quien los ensenne en nuestra fe, no saben mas dello que dezir que son cristianos» . O Padre João de Lucena acrescenta ainda que «Não tem de cristãos toda aquela gente mais que o baptismo que lhe demos e os nomes que lhe pusemos; nos ritos nos costumes, na doutrina são os que eram quando eram infiéis; assim vivem, assim morrem, assim nascem, sem haver quem baptize os filhos, quem ensine e encaminhe os pais, quem leve enfim, por diante a obra de Deus naquela terra».
Resumidamente era esta a situação do Cristianismo à chegada de S. Francisco Xavier, uma situação precária e comprometedora para a presença do Estado Português na índia. É perante a incapacidade da Igreja instituída localmente e de algumas ordens regulares de procederem à definitiva evangelização dos povos e à vigilância do comportamento moral dos portugueses, que D. João III convida a recém criada Companhia de Jesus a instalar-se na índia.
2. A atividade missionária de S. Francisco Xavier
2.1. A itinerância do missionário
Após uma breve estadia em Goa, onde chega em 1542, Francisco Xavier parte para a costa da Pescaria para proceder à reevangelização dos Paravás. Depressa se apercebe que o insucesso da cristianização entre este povo, em particular, e de todos os neófitos nativos, em geral, se devia ao abandono a que estes eram votados após a sua conversão.
Desta forma, nas cartas de Francisco Xavier, a contínua vigilância dos conversos surge como uma das principais atividades dos missionários, materializando-se esta, através de permanentes visitas às comunidades cristãs. Em Abril de 1545, pouco antes de partir da índia, um dos conselhos que Francisco Xavier dava a Franciso Mansilhas era: «não estareis de assento em nenhum lugar, senão continuamente andareis de lugar em lugar visitando todos esses cristãos, como eu fazia quando lá estava, porque desta maneira servireis mais a Deus» O próprio Francisco Xavier: «Detinha-se (...) em cada lugar o tempo necessário para o deixar assim instruído e cultivado, e logo passava a outro, até os correr e visitar a todos, tornando a dar uma e muitas voltas e andando sempre de cima para baixo e de baixo para cima em roda viva pela costa; caminhava a pé e descalço, gastadas já as botas que em Goa lhe deram». Mais tarde, em 1556, João de Artiaga escrevia acerca de Francisco Xavier: «Nunqua estava hum mes nem vinte dias n'um luguar, sempre andava n'um luguar n'outro visytando sempre a pee, e às vezes descalso» l?.
Esta prática, que consiste numa aproximação entre o elemento missionário e o meio evangelizado, entronca numa tradição medieval marcada pelas ordens mendicantes e por grandes pregadores itinerantes. Com S. Francisco Xavier encontramos, associada a essa itinerância, aquilo a que podemos chamar de 'pobreza e d i f i c a n t e ', tão ao estilo de muitos pregadores medievais e que marca desde logo os primeiros missionários da Companhia. Como diz Bernard Dompnier «Le jésuite en mission épouse la figure d'un pauvre voyageur, au mode de vie comparable par bien des aspects à celui du pèlerin». Este conceito de itinerância, fundamental para a estruturação da missionação, está presente no espírito da Companhia desde o seu início como nos é demonstrado pela própria correspondência de Inácio de Loyola: «Les membres de notre Compagnie doivent être libres, sans attaches, afin de pouvoir voler vers n'importe quel endroit du monde o brille un plus grand espoir de la gloire divine et du salut des Âmes, sans être fixés en tel ou tel lieu (...), mais en dépensant pour en temps nos e f f o r t s au service des uns et des autres, aussi gratuitement que librement».
Francisco Xavier andava sempre a visitar as populações, indo ao mesmo local várias vezes num curto espaço de tempo. Através da leitura das constantes exortações de Xavier, para que nunca se abandone a vigilância das comunidades cristãs, sobrevêm a ideia de que os nativos precisam de ser trabalhados constantemente porque não têm capacidade para se manterem na fé cristã. Mesmo após converter várias populações o jesuíta escreve: «Eu estava em Trichantur para hir a Viravandiãopatanão, a visitar os cristãos como fiz em Alandale, Pudicurim e Trichantur: tinhão eles muita necessidade de ser visitados». Escrevendo a Manuel da Cruz, missionário que se encontrava em Combuturé, exorta-o a «que olhe muito por aquelles dois lugares de christãos dos christãos caréas [comunidade de nativos no sul da índia] assim acerca da união com os inimigos, como que não façam pagodes [templos pagãos] nem bebam urraqua [tipo de bebida alcoolizada]» .
Mas a itinerância era uma actividade que não se reduzia só à digressão pelas principais aldeias de uma comunidade, reproduzindo-se no interior do espaço da aldeia: Francisco Xavier «todas as manhãs corria o lugar revestido na sobrepeliz com uma cruz que um menino levava, perguntando à porta de cada casa se havia enfermos que visitar, mortos que enterrar, crianças ou outras pessoas para receber o santo batismo», porque como ele dizia «se a a goa não for ao molino, que vaa o molinão donde há esta a goa» \
O exercício contínuo da acção evangélica decorre do fato do missionário jesuíta sc entender como um elemento activo na ligação entre o mundo eclesiástico (conhecedor da palavra de Cristo) e o mundo laico. Neste contexto, e partindo da leitura das cartas de Francisco Xavier, transparece a noção de que o jesuíta deve ser um missionário a todo o momento c não somente quando está a catequizar os indígenas.
Como prova deste espírito missionário está um evento que nos é relatado por Francisco dc Sousa: Hm Baçaim, encontravam-se oito fustas que sob o comando de Alvaro Castro partiam para o Mar Vermelho, Francisco Xavier tem conhecimento que numa das fustas vai partir um «certo valcntaõ taõ desalmado, que achando-se em muytas batalhas (...) passou dezoyto annos sem se confessar (...) andava sempre Xavier ã caça destas feras, & tendo notícia deste publico escandalo da soldadesca indiana, de cujos excessos lhe contavam maravilhas (...) chegando o dia destinado à partida perguntou (ao soldado) em qual das fustas sc embarcava, & quem era o seu capitaõ (...) como |a viagem) havia dc ser breve, tratou o Santo dc naõ perder tempo em ir dispondo o animo do soldado à ultima resolução; & querendo por huma parte grangearlhe a vontade, & por outra irlhe dando luz ao entendimento, comia com elle à mesma mesa, assistialhc quando jugava, |e assim | lhe metia a praclica da misericórdia divina» No fim da viagem e «acabada a confissão (...) o abraçou o santo & lhe declarou que só pela salvação de sua alma tinha feito aquela viagem» .
Por certo que Cláudio Aquaviva foi um dos homens que conheceu as relações dc Francisco Xavier, e este, foi com certeza um dos que contribuiu para que no gencralato de Aquaviva (1581 - 1615) se consolidasse a noção de que a acção missionária era a actividade primordial da Companhia. Provam-no as cartas enviadas por Aquaviva aos Superiores Provinciais entre 1590 e 1609, especialmente De fervore ct zelo missionum (1594) e Dc modoinstituendarum missionum í I.
2.2. S. Francisco Xavier e a relação da Igreja com o mundo
Sendo a Companhia de Jesus um dos instrumentos da Igreja tridentina, pode parecer curioso encontrarmos na correspondência de Francisco Xavier alguns pontos de contacto com o humanismo cristão, e muito especialmente com Erasmo (censurado pela Inquisição). Em comum há o desejo de reformular a relação da Igreja com a sociedade.
Contudo, não é estranho encontrar esta semelhança entre Francisco Xavier e Erasmo, ambos vivem num tempo em que largos setores da sociedade europeia sentem a necessidade de uma nova vivência religiosa que garantisse a salvação, e num momento em que a Igreja Católica demonstrava uma incapacidade para se reformar e responder às necessidades e receios dos fiéis. Assistimos, assim, à conseqüente aparição de novas formas de enquadramento religioso como o Oratório do Amor Divino (1517) que integrava leigos e clérigos em busca de um sentimento de segurança que não lhes era dado pela Igreja. Este movimento de renovação religiosa atravessava a própria instituição: vários homens como o Papa Adriano VI e o Cardeal Cisneros, com a reforma da vida monástica e a fundação da Universidade de Alcalá, tentaram insuflar na Igreja Católica um espírito humanista que possibilitasse a concretização de uma reforma eclesiástica.
A religiosidade popular ia conquistando a comunidade de fiéis ao mesmo tempo que muitos dignatários da Igreja tinham mais responsabilidades políticas do que religiosas. Em 1561, perante a ignorância da população da Calábria os padres da Companhia designam esse território por «índia» e, em finais do século, a diocese de Albano, perto de Roma, é conhecida como «índia Romana».
Mas se encontramos em Francisco Xavier, tal como em Erasmo, o desejo de que a Igreja deve reformular a sua relação com o mundo, isso não significa que as posições de Xavier decorram de uma filiação erasmista. Acima de tudo, são dois espíritos cristãos atentos às transformações existentes nas sociedades que os rodeiam. Afinal, como diz Erasmo «Elle est davantage dans notre sensibilité que dans les syllogismes, plus dans la vie que dans la discussion; elle est plutôt une intuition qu'une érudition, une inspiration q u ' u n e raison; c ' e s t le lot d'un petit nombre d'êtres érudits, mais il n ' e s t permis à personne de n'être 26 V. B. DOMPNIER, op. cit.. pp. 161 e 171. pas chrétien..» 27. Com Francisco Xavier a consciencialização ou, pelo menos, a manifestação da desadequação entre a Igreja e a comunidade de conversos é-lhe transmitida pelo confronto com as necessidades de uma comunidade extra-europeia. No pensamento de Francisco Xavier, a Igreja deve deixar de ser uma instituição distante para se tentar aproximar das necessidades espirituais da comunidade humana. Numa carta para a Companhia em Roma ele escreve que: «Muchos Christianos se dexan de hazer en estas partes, por no aver personas que en tan pias y sanctas cosas se ocupen. Muchas vezes me mueve pensamientos de ir a los estudos dessas partes, dando bozes, como hombre que tiene perdido el juizio, y principalmente a la Universidad de Paris, diziendo en Sorbona a los que tienen más letras que voluntad, para disponerse a fructificar con ellas: quántas animas dexan de ir a la gloria y van al infierno por la negligencia dellos! Y así como van estudiando en letras, si estudiassen en la cuenta que Dios nuestro Senor les demandará delias, y dei talento que les tiene dado, muchos dellos se moverían. (...) Ténome que muchos de los que estudian en Universidades, estudian más para con las letras alcançar dignidades, benefícios, obispados, que con desseo de conformarse con la necessidad que las dignidades y estados ecclesiásticos requieren» 28. O afastamento de Francisco Xavier da Europa e o contacto com a rudimentar formação espiritual das comunidades de cristãos no sul da índia, deram-lhe a independência suficiente para criticar um meio a que ele próprio pertencera. A escolástica e o estudo teológico são inconsequentes se não forem orientados para a missionação dos homens, o conhecimento só é valorizado quando tem por finalidade a evangelização dos povos «O ! si los que estudian letras tantos trabajos pusiesen en ayudarse para gustar delias, quantos trabajos dias y noches levan para saberias! O ! si aquellos contentamientos que hun estudiante busca en entendier lo que estudia, lo buscasse en dar a sentir a los próximos lo que les es necessário para conoscer y servir a Dios!».
Não só neste extracto mas em toda a correspondência de Francisco Xavier surge claramente a noção de que a missionação é o conceito a que se deve subordinar toda a actividade da Igreja. Mas para Francisco Xavier a missionação não se limita à evangelização dos povos não europeus, antes se assume como a prática primordial da Igreja, consistindo no exercício de uma contínua acção de formação espiritual e moral sobre a humanidade, é só no contacto directo com a comunidade humana e através da pregação que a Igreja responde às dúvidas e receios do fiel, cumprindo assim a sua função. No pensamento de Francisco Xavier, a actividade eclesiástica é valorizada em função da sua integração no mundo, neste sentido, Xavier encontra-se em completa oposição à concepção monástica medieval de fuga ao exterior, em que o mosteiro se assume como «uma ilha, no interior de uma sociedade que se prefere ignorar» e em que o monge não só é «uma alma em busca de Deus na oração e na solidão, mas também um homem que necessita de tranquilidade e de paz, num mundo cada vez mais hostil e difícil» .
O clérigo só cumpre a sua função quando está plenamente integrado no mundo que o rodeia. Afinal, através de uma constante actividade missionária, Cristo e os Apóstolos integram-se no mundo para divulgar o Evangelho. São as próprias Regras da Companhia
que referem «O Exemplo de Jesus Cristo, que é verdade que não saiu da Palestina porque essa era a Vontade do Seu Eterno Pai, mas n'ela que lugar houve que não percorresse?» e referindo-se aos
Apóstolos «que correram todo o mundo» pergunta «Pois nós tendo também o mesmo o f í c i o d ' e l e s não queremos fazer o mesmo que eles fizeram?».
É a partir desta conceptualização, e tendo em conta as dificuldades de missionação no local, que Xavier apela para que muitos padres da Companhia e outros clérigos se dirijam para a índia aquela «terra tan subjecta de pecados de ydolatria (...) tómandose estos trabáxos por quien se debirián tomar son grandes refrigérios y matéria para muchas y grandes consolaciones. Creo que los que gustan de la cruz de Christo nuestro Senor descansan vinindo en estos trabaxos y mueren quando a ellos huyen o se hallan fuera dellos. Que muerte es tan grande vibir, dexando a Christo. después de averlo conocido! (...) no ay trabaxo ygual a este y por el contrario, qué descanso vibir muriendo cada dia, por yr contra nuestro próprio querer, buscando non quae nostra sunt sed quae Yesu Christi. [Fl, 2,21]» -'-. Porque tendo a Companhia o nome de Jesus «temos que zelar pelos interesses do mesmo Jesus que são a Salvação e o bem de todas as almas, pois todas custaram o seu preciosíssimo sangue e por todas o derramou e padeceu o mesmo» É neste contexto, e observando a própria vida e morte de Cristo, que o estado de mártir se assume como a glorificação da vida cristã.
2.3. A integração do missionário no meio evangelizado
Para os jesuítas um dos primeiros obstáculos à missionação foi a diferença linguística que os separava dos nativos, tanto que de início «além de serem mal entendidos do comum do povo e a todos causarem mais riso que atenção, poucas vezes têm suficiência para se declarar mais que nas coisa ordinárias, quais não são os mistérios da fé e doutrina do Evangelho» !4. O missionário jesuíta para se integrarem numa determinada comunidade que manifesta características sócio- culturais diferentes das que existem no seu meio de origem, tem que se adaptar culturalmente ao novo meio para poder transmitir a sua mensagem de uma forma mais eficaz. Nesta perspectiva o conhecimento linguístico é fundamental para o progresso da missionação.
Ainda que a assistência social não exigisse a presença de um intérprete, a pregação ficava sériamente comprometida quando o jesuíta não se fazia acompanhar por um conhecedor da língua nativa: «aqui ando entre esta gente sem topaz [intérprete]. Por aqui podeis ver a vida que levo. e as exortaçoens que posso fazer, que nem elles me entendem. nem menos os entendo. Aqui podeis ver as falias que a esta gente faço. batizo as crianças que nascem, e aos outros que acho por baptizar: para isto não hei mister topaz: os pobres sem topaz os entendo: para as coisas mais principaes não tenho necessidade de topaz»
No entanto, os intérpretes surgiam como uma solução a curto prazo que seria suprimida a partir do momento em que os próprios missionários tivessem um conhecimento mínimo da língua nativa, tanto mais que os jesuítas consideravam que os intérpretes não tinham a formação
teórica suficiente para ministrarem diretamente a doutrina.
João de Lucena conta-nos que os jesuítas se valiam «dos intérpretes, mas porque estes, quando os padres lhes dizem a eles as coisas da fé, raramente as entendem com suficiência para as tornar e declarar na própria língua, fez o padre Francisco que logo se pusesse nela por um sacerdote natural a declaração dos artigos, para que todos a tomassem de memória e a lessem e ensinassem aos cristãos» Para Xavier a aprendizagem das línguas faladas pelos diversos povos da índia passava pela criação de gramáticas ao estilo europeu, é por isso que «ordena ao padre Francisco Henriques, a que sentiu mais aplicação e talento reduzisse a arte a língua malabar como anda a latina, com suas declinações de nomes e pronomes, conjugações de verbos, géneros, pretéritos e todas as mais regras de gramática» Como se viu, em relação à questão dos intérpretes, o missionário jesuíta defende que a doutrina devia unicamente ser exercida por quem estava preparado para o fazer. Mas para Francisco Xavier a noção daquilo que deve ser um missionário bem preparado modifica-se à medida que ele próprio se vai integrando na realidade indiana.
No início, aquando dos primeiros contactos com os nativos, Xavier visiona os intérpretes como sendo incapazes de cumprir a sua missão capazmente, porque não possuem o conhecimento teórico suficiente para pregarem, mesmo que estejam unicamente a reproduzir o que lhes é dito pelo jesuíta. O que se verifica, nas cartas de Francisco Xavier, é que progressivamente, o primado do conhecimento teórico vai dar lugar ao aspecto prático. Numa carta de Janeiro de 1545, três anos após a sua chegada à índia, Francisco escreve a Inácio de Loyola dizendo que «las personas que no tienen talento para confessar, predicar, o fazer cosas annexas a la Compania, después de haber acabado sus Exercitios, y haber servido en officios humildes algunos meses, farían mucho servido en estas partes, se tuvieren fuerças corporales juntamiente con las espiriluales, porque para estas partes de infieles no son necessarias letras, sino ensenar las oraciones y visitar los lugares (...) porque a todas las partes no podemos acudir.
Por esso, los que no son para la Compania, y viéredes que son para andar de lugar en lugar baptizando y ensenando las oraciones, mandarlos eis, porque aquá servirán mucho a Dios, Nuestro Senor.
(...) Diguo que sean pera muchos trabajos corporales porque estas partes son mui trabajosas, por causa de las grandes calmas y muchas partes faltosas de buenas agoas; son los mantimientos corporales poços, y son solos sin haber pan ni vino, ni otras cosas que en essas tierras hay mucha abundancia. Hande ser mancebos, sanos e no enfermos, ni vellos, para poder llebar los contínuos trabajos de baptizar, ensenar, andar de lugar en lugar baptizando los ninos que nascen, y favoresciendo a los christianos en sus persecuciónes y los insultos de los infiéles» •,s e «los que viéredes que tienen fuerças corporales pera llevar los trabajos que dicho tiéngo, (...) no dexeis de mandarlos» 39. Nesta inversão de prioridades Xavier escreve ainda que «los que tuvieren talento o para confessar, o dar los Exercitios, dado que non tiengan cuerpo para llevar mas trabajos, mandarlos eis, porque estos estaran o en Goa o Cochín donde farán mucho servício a Dios» 40.
Da leitura destes extratos, bem como de outras passagens das epístolas de S. Francisco Xavier, depreende-se que esta gradual subvalorização do conhecimento intelectual se deve, genericamente, a três factores: antes de mais a desproporção entre o número de missionários e o número de conversos obriga a tornar menos rígido o critério de escolha dos missionários; depois o nível intelectual dos potenciais conversos, bem como o tipo de doutrina que lhes é ministrada, não exige uma grande formação por parte dos missionários: «nas pregações avisai-vos que nunca pregueis cousa duvidosa ou dificuldades de doutores, senão cousas muito claras e doutrina moral (...) e desta maneira fareis fruito em várias pregações». 4I; por último, são as próprias condições climatéricas que exigem que os missionários sejam jovens e saudáveis.
A atitude de Francisco Xavier em relação ao tipo de missionários que deveriam evangelizar na índia é reveladora de uma capacidade de adaptação ao meio, característica que não é exclusiva de Xavier, mas de toda a missionação jesuíta. A disciplina existente no interior da Companhia não deveria ser tomada como um sinônimo de inflexibilidade no contacto com o mundo exterior. Flexibilidade e capacidade de adaptação ao universo missionado são características da actividade evangelizadora da Companhia de Jesus e, claro está, de Francisco Xavier. Se a preocupação em cristianizar dificultava uma aproximação à cultura nativa, tal não significava que Xavier não tivesse a versatilidade suficiente para adaptar a evangelização aos ritmos de vida das comunidades indianas. Assim, Francisco Xavier não se incomoda em alterar a tradicional data de celebração da Quaresma para uma ocasião mais apropriada.
Para Xavier, o significado religioso da Quaresma é mais importante que o período cronológico em que é celebrada. Segundo Xavier «En tiempo de Coresma, la gente de guerra toda anda de armada por mar, y los mercaderes de una parte para outra tratando com sus aziendas (...) de manera que (...) por navegar la gente en aquel tiempo, no se guarda la Coresma, ni aunando ni dexando de comer carne (...) que se pudiesse hazer que el tiempo de la Coresma se mudase en otro tiempo, en el qual la gente no navega, ni los mercaderes tratan per mar, que es por Junio, Julio, porque en estes dos meses es la fuerça dei invierno(...) muchos non comerían carne, la gente se confessava, y comulgaria, e avería más memoria de la Coresma » 42.
Com a missionação de Francisco Xavier inicia-se um processo de assimetria entre as concepções dominantes no centro da Igreja Católica, em Roma, inserida num contexto cultural europeu conhecido, e a necessidade de adaptação, na transmissão do Evangelho, a novos espaços sócio-culturais. Gradualmente, verificar-se-á uma deslocação do valor do rito, que não é visto como um fim em si, mas apenas como uma forma de transmitir uma mensagem ou de iniciar um percurso catequético. O conteúdo sobrepõe-se à forma, e é esta assimetria entre aquilo que poderemos chamar de 'eurocentrismo católico' e as vicissitudes da missionação extra-europeia, que irá levar à 'querela dos ritos '.
A aculturação e valorização das sociedades extra-europeias será um dos meios utilizados pelos padres jesuítas para a cristianização dos povos. Os jesuítas, na índia, tal como fizera a Igreja no início da Europa medieval, procuraram aproveitar-se do fundo primitivo da cultura popular, não a eliminando totalmente, de forma a deixar subsistir certos hábitos que permitam o aumento da devoção cristã. A primitiva idolatria dos objetos da religião pagã é orientada no sentido do culto
de objetos santos sempre com o intuito de aumentar a piedade dos nativos. É neste contexto que se cultuam alguns objectos de Francisco Xavier ainda quando ele é vivo: «[alguns enviados de Xavier
quando iam visitar doentes] procuravam levar alguma coisa sua, ou fosse a coroa por onde rezava, ou a cruz, ou o relicário que trazia ao colo (...) para saúde dos doentes e remédio dos endemoninhados» 4\
Os indígenas podiam manter os seus costumes e tradições desde que estes não pusessem em causa a religião cristã: «Também lhe reparava [em relação ao rei de Tanor] o Padre [António Gomes] na linha de tres fios, & de tres põtas que os Bramanes costumaõ trazer a tiracolo como própria divisa de sua casta; mas esta bem lha podia permittir, por ser mais sinal de nobreza, & de homem Filosofo, & comtemplativo, que protestativo da seyta, & sem escrupulo a trazem hoje todos os Bramanes Christãos»
2.4. A importância da educação e o papel das crianças.
Para Francisco Xavier a descrença em que o Cristianismo tinha caído na índia, advinha da ignorância das populações e esta só podia ser colmatada através da educação. Numa das primeiras cartas que escreve da índia a Inácio de Loyola, Xavier diz «conocí, en ellos [nativos] grandes yngenios y si huviesse quien los ensennase en la santa fe, tengo por muy cierto que serian buenos cristianos» 45.
Acima de tudo a missionação dos jesuítas distingue-se das restantes devido ao seu conceito de educação. A ideia que preside à fundação do Colégio de S. Paulo (também conhecido como Seminário de Santa Fé) é, segundo o Padre Francisco de Sousa, a de criar um centro de apoio à evangelização da índia, a partir de onde sairiam os missionários que iriam eliminar toda a sorte de idolatrias. O padre Francisco de Sousa escreve que «o f im da fundação do Seminário de Santa Fé fora crear operários Evangélicos para as missões da índia, & que este fim melhor se conseguia por via de missionários europeus, como já mostrava a experiencia nas dilatadas Christandades da Costa de Travancor, Pescaria, & Molucas (...)» J6.
Com a chegada de Francisco Xavier, o Seminário abre as suas portas ao exterior e dá prioridade à formação de missionários nativos que, por terem um melhor conhecimento das populações, podem empreender uma missionação mais frutuosa. Numa das suas primeiras cartas, em Setembro de 1542, escreve a propósito do Colégio que «antes de seys anyos ha de haver passados de trezientos estudiantes, entre los quales ha de haver de varias lenguas, naciones y gentes. Espero en Dios nuestro Senor que desta Casa han de salir hombres, antes de muchos anyos, los quales han de multiplicar el número de los christianos» J?. O próprio Xavier muitas vezes se encarrega de conduzir pessoalmente os nativos para o Colégio «[em Fevereiro de 1544 regressou a Goa] deixando no Colégio alguns moços filhos dos seus paravás que de lá trouxera, para que aproveitando-se, conforme à instituição daquela casa em virtude e letras, servissem depois melhor à sua pátria».
Para Francisco Xavier, a educação não existia para a formação pessoal de um indivíduo, se assim fosse seria uma acção inconseqüente e sem qualquer valor. A educação não vale como um fim em si mas como um meio. A formação de um missionário, quer este seja europeu ou indiano, só se justifica se for utilizada ao serviço da comunidade.
Francisco Xavier diz que no Colégio deviam ser «ensenyados en la fe los naturales destas tierras. y destos que fuessen de diversas naciones de gentes; y después que fuessen bién instruttos en la fe y mandarlos a sus naturalezas para que fructificassen en la que eran instruttos » e que «creo que antes de seys anyos ha de haver passados de trezientos estudiantes, entre los quales ha de haver varias lenguas naciones e gentes. Espero (...) que desta casa han de salir hombres, antes de muchos anyos, los quales han de multiplicar el numero de los christianos».
E partindo deste conceito de educação que o converso nunca é visionado somente como uma alma salva, mas como um novo pregador que deve divulgar a fé na qual foi instruído. Para o jesuíta a conversão não se limitava ao acto de aceitação da fé cristã pelo converso.
Uma leitura das cartas de Francisco Xavier permite-nos concluir que o ato de conversão encerra em si três objectivos. Dois desses objectivos procuram ser concretizados na pessoa do converso, salvando a sua alma e tornando-o num missionário. O terceiro objectivo não se realiza imediatamente mas a longo prazo: o jesuíta ao converter um infiel está também a assegurar a salvação da sua própria alma.
A 15 de Janeiro de 1544 Xavier escrevia para a Companhia em Roma: «acabo rogando a Dios nuestro Senor que, pues por su mesiricordia nos juntó y por su servicio nos separo tan longe unos de otros, nos torne a ayuntar en su sancta gloria. Y para alcançar esta merced y gratia, tomemos por intercessores y avogados todas aquellas sanctas ánimas destas partes donde estoi, (...) que por mi mano baptizé, antes que perdiessen el estado de innocencia (...). A todas estas sanctas ánimas ruego, que nos alcancen de Dios nuestro Senor esta gracia».
Na missionação de Xavier as crianças eram um elemento muito importante na divulgação da doutrina. Desde logo eram as crianças que se encontravam mais receptivas à mensagem cristã: «quando allegava en los lugares no me dexaban los muchachos ni rezar mi officio, ni comer, ni dormir, sino que los ensenase algunas oraciones». Perante as contínuas dificuldades que sentia na sua missionação, de certo que Francisco Xavier ficava extremamente emocionado perante o
comportamento exemplar de muitas crianças. Segundo o Padre João de Lucena «trazia o padre Francisco na alma aquela brandura e caridade infinita com que o Senhor tomava as crianças nos braços (...) conforme esta sua tão santa e afectuosa devoção, assim estimava tanto o fruto e o baptismo das crianças e doutrina dos meninos de menos idade, que tratando dele, afirmava numa carta, nunca o poderia acabar de escrever»
Em muitas situações, face ao muito trabalho que tinha que realizar, Francisco Xavier acaba mesmo por confiar às crianças tarefas que normalmente só lhe estavam destinadas: «sendo impossível atender a todos havia j á entre eles [aldeões] paixões sobre quem levaria o padre a sua casa e, assim para as escusar, como para dar tempo às outras obras de serviço, Deus tomou por meio mandar aos enfermos os meninos que, melhor sabiam a doutrina, os quais, chamando a vizinhança, primeiramente diziam e faziam dizer a todos algumas vezes o credo e as mais orações, depois admoestavam o doente que tivesse fé e receberia saúde». Mas a colaboração das crianças com Francisco Xavier não se limitava ao ocasional, elas constituíam uma verdadeira militia Christiana que era usada por Xavier para vigiar o comportamento moral e religioso doshabitantes da aldeia «os meninos além de virem a dar depois por aquela boa criação os melhores cristãos da índia como o Padre Francisco se prometia e hoje vemos com os olhos, j á naquele tempo se fez muito neles e por eles. Foi coisa maravilhosa a diligência com que tomaram de cor as orações, o fervor com que as ensinam e f a z i am saber a seus pais e mães, a toda a casa e vizinhança; sem dúvida foram grande parte para os cristãos da costa saberem tão depressa e cantarem perpetuamente a santa doutrina. Iam em perseguir e destruir os ídolos, eles eram os primeiros com tanto zelo que até aos próprios pais não repreendiam somente vendo-os cair nalguma superstição, mas acusavam-nos ao padre, diziam-lhe onde estava o ídolo escondido, seguiam-no todos feitos num esquadrão, saltavam na casa, pisavam aos pés, quebravam, tornavam em cinza as estátuas do demónio, não se fartando de cuspir nelas e de lhes fazer outras tantas afrontas que mais corrido e injuriado (diz o mesmo padre Francisco) fica o inimigo pelos filhos, do que fora a honra que recebera fazendo-se servir e adorar dos pais». É perante esta importância que as crianças assumem para a manutenção do Cristianismo que encontramos nas cartas de Francisco Xavier a preocupação sempre presente em olhar pela educação das crianças.
2.5. Pregação, batismo e confissão
A marca de conversão de uma aldeia era o batismo, no entanto, este só é dado após um extenso ritual onde são repetidamente enunciados os principais dogmas da fé. Como narra o próprio Xavier: «hazia ayuntar todos los hombres y muchachos dei lugar a una parte, y começando por la confissión dei Padre dei hijo y dei Spiritu Sancto, los hazia tres vezes sanctigar [benzer] y invocar las tres personas, confessando un solo dios. Acabado esto dezia la confessión general, y después el Credo, Mandamientos, Pater Noster, Avé Maria y salve Regina; y todas estas oraciones que saqué a uso de dos anos en su lengua, y lãs see de coro (...) y así como yo los voudiziendo, todos me van respondiendo, asi grandes como pequenos, por la orden que los digo; y acabadas las oraciones les hago una declaración sobre los artículos de la fee Y mandamientos de la ley en su mesmo lenguaje. Después hago que todos demanden perdán publicamente a Dios nuestro Senor de la vida passada, y esto a altas bozes, (...) acabado el Sermón que les hago, demando a todos assí grandes como pequenos, si creen verdade em cada artículo de la fee, respóndenme todos que si; y asi a altas bozes digo cada artículo, y a cada uno les demando si creen; y ellos puestos los brazos en modo de cruz sobre los pechos me responden que sí; y assy los baptizo, dando a cada uno su nombre por escrito. Después van los hombres a sus casas y mandon sus mugeres e familia, los quales, por la misma orden que baptizé los hombres, los baptizo. Acabada la gente de baptizar, mando derribir las casa donde tenían sus ydolos, y ago, depués que son christianos que quiebren las ymágines de los ydolos en minutíssimas partes. (...) en cada lugar dexo las oraciones escritas en su lengua, dando orden cómo cada dia las ensenen una vez por la manana y otra a oras de bísperas. Acabado de hazer esto en hun lugar, voy a a otro, y desta manera ando de lugar en lugar haziendo christianos ».
Por vezes os batismos eram tantos que Francisco Xavier nos conta que «me acontece cansarem-me os braços de batizar e perder as forças e a voz de repetir as orações na língua da terra» Note-se, como observou António Lopes, que a conversão na índia será diferente da do Japão onde a capacidade racional e o nível intelectual de muitos japoneses permitirá uma conversão pelo diálogo e não em massa Para Francisco Xavier o missionário não deve ser impiedoso, mas humilde no seu contacto com os outros homens e mulheres. Por isso Xavier escreve a Gaspar Barzeo dizendo-lhe: «Atentai bem quando confessardes, porque achais pessoas (...) com vergonha de alguns pecados feos e torpes (...) e estes animai-os com grande maneira pera que digão suas culpa, dizendo-lhes que sabeis outras maiores das que elles tem (...) e ainda vos digo, que algumas vezes com estas taes pessoas ajuda a confessarem suas culpas, que por vergonha o demónio as impede que o não digão (...) dizerdes vós em geral vossa triste vida passada. Isto vos ensinará a experiência» Sendo a confissão um acto fundamental para a salvação, Francisco Xavier avisa Gaspar Barzeo que o jesuíta, enquanto confessor, nunca deverá repreender o crente antes da confissão: «quando confessardes nessas partes, que não entreis com algum rigor aos penitentes, nem medos até que acabem de dizer seus pecados, mas antes lhe falareis na muita Mesiricordia de Deus, fazendo leve o que em si hé muito grave: e isto até que acabem de confessar e disserem suas culpas» M. Somente após a confissão é que o jesuíta deverá consciencializar o penitente dos seus grandes pecados de forma a que este não os repita.
Partindo do princípio de que a confissão era um acto imprescindível para qualquer crente, Xavier defendia que esta deveria ser utilizada eficazmente pelo missionário, não apenas como uma das suas funções de rotina, mas como um instrumento que levasse a uma regeneração no comportamento do penitente: «Quando confessardes (...), primeiro que confesseis, incitai o penitente a que cuide em sua vida passada por alguns dous ou tres dias, trazendo à memoria seus pecados, escrevendo-os pera mais cuidar nelles, e depois o ouvireis em confissão, e não o absolveis logo, mas antes deferi a absolvição por alguns dous ou tres dias (...) pera que meditem e chorem suas culpas (...) fazendo com estes que restituam o que devem, ou fassão amizades, ou se apartem de pecados da carnalidade, ou de outros em que estão apegados. Fazei que fação isto antes que os absolvais, porque elles prometem muito r.as confissoens e cumprem pouco» 61 Mais do que um ritual de demonstração de arrependimento, o missionário devia tornar a confissão e consequente absolvição num acto propiciador de uma efectiva reflexão do penitente sobre o seu comportamento e estilo de vida.
Mas a consolidação do Cristianismo não se faz somente pelo baptismo, pregação ou confissão. Para o progresso do Cristianismo é igualmente importante a vigilância do comportamento dos conversos. É assim, subordinada à causa da missionação, que a punição encontra o seu fundamento ético: «com esta gente fazei sempre quanto puderdes por leva-llos com muita paciência; e quando por bem não quiserem, uzai da obra da mesiricórdia que diz: castigarais a quem há mister castigo» 62. No entanto, o castigo será sempre uma situação excepcional, que não deve ser esquecida, mas que deve ser evitada.
Para Francisco Xavier, e estamos em crer que para todos os jesuítas, um dia numa aldeia de nativos começava por uma ronda às casas da aldeia, inquirindo se havia doentes, mortos, ou recém nascidos a baptizar, «até às dez e onze horas andava nestas ocupações sem nunca por elas deixar as doutrinas. Dava sobre a tarde audiência aos cristãos, compondo-os nas demandas que tinham entre si, apaziguava as discórdias, contratava os casamentos, fazendo-os celebrar santa e devidamente» .
As exigências da evangelização e a desproporção entre o número de missionários e a enormidade das tarefas que se lhes deparavam, obrigavam o jesuíta a desdobrar-se nas mais variadas atividades . O Padre Gaspar Barzeo, que mais tarde assumiria a direcção da Companhia de Jesus na índia, a quando da sua chegada ao Colégio de S. Paulo, foi obrigado a «multiplicar-se em Medico, enfermeiro, & cozinheiro» Ainda, segundo o Padre Francisco de Sousa, nos jesuítas havia sempre «a promptidaõ,& alegria (...) a qualquer serviço, por mais vil, & bayxo que fosse» .
2.6. Milagres e procissões
Quando se estuda a missionação na índia não se pode deixar de fazer referência aos muitos milagres que são relatados na historiografia jesuíta. Ainda que os milagres possam parecer uma temática marginal a este artigo, a frequência com que estes são referidos, bem como a relevância que lhes é concedida, obrigam a reflectir sobre a sua importância para a conversão dos nativos. Sob esta perspectiva não se vai analisar o milagre em si, nem a sua veracidade, mas sim a sua existência como um elemento de impacto fundamental para a conversão
dos nativos.
Embora a evangelização seja feita a partir da pregação, o milagre surge como um elemento que pelo seu impacto imediato leva à conversão.
Como nos relata o padre João de Lucena: «Além destas obras houve outras que podemos chamar mais próprias e pessoais do padre Francisco e que sem dúvida foram mais principal meio do número e fé dos cristãos da Pescaria. Nela se publica voz e fama que ressuscitou neste tempo o padre alguns mortos, não falando em muitos enfermos a quem milagrosamente deu saúde e em grande número de endemoninhados a quem livrou» 65.
Este forte impacto dos milagres pode-se explicar por uma certa predisposição humana para a aceitação de situações sobrenaturais que se impõem empiricamente, o que as leva a aderir com maior facilidade a factos extraordinários. Desta forma se explica que, muitas vezes, alguns milagres tenham sido construídos a posteriori. Um dia, em Goa, o Padre Diogo Borba, director do Colégio de S. Paulo, questiona Francisco Xavier acerca do milagre do ressuscitamento de um jovem no cabo Comorim, ao que este lhe respondeu: «ai pecador de mim, trouxeram-me aquele mancebo, dizendo que era morto, mas ele vinha vivo, mandei-o levantar em nome de Deus, levantou-se; o povo que a tudo se espanta e faz milagres, fá-lo-ia disso» 66.
Por certo Francisco Xavier tinha a percepção de que o povo facilmente aderia a situações onde o sobrenatural se manifesta empiricamente. Daí que talvez se encontre uma outra causa para explicar porque é que Xavier defendia, nas suas cartas, a permanente visita aos doentes: ele sabia que num estado de enfermidade as pessoas estavam sem pre à espera do sobrenatural, logo procurava exaltar a piedade dos doentes convencendo-os que essa força metafísica que os podia salvar provinha de Deus. O Padre João de Lucena relata-nos uma visita que Francisco Xavier fez a uma doente, a morrer de parto, em Tuticorim: «[Francisco Xavier ao aproximar-se da doente] declara em suma a substância de nossa santa fé, segura à pobre mulher se crê e se baptiza a saúde da alma, dá-lhe grandes esperanças das do corpo. Ela com o sentimento da perda da vida corporal, entra em desejos da espiritual.
Nasce como outras vezes, da desesperação, a confiança e onde fora do perigo nenhuma coisa cria que haver na lei de Deus salvação eterna, j á crê que só nela tem a temporal; oferece enfim a fé, pede o baptismo. Tudo foi um, baptizá-la o padre e ficar alumiada juntamente na alma e no corpo. Hão os gentios que estavam presentes, a obra por milagre de Deus, pela brevidade e facilidade do parto, pela saúde da mãe, pela vida da criança. É o espanto igual ao prazer, rendem-se logo a Cristo os da casa, chega a nova ao tirano senhor do lugar, muda em amor o ódio que tinha à nossa santa lei, recebe-a sem ficar alma gentia em toda a terra» 67. Ainda que possa haver algum exagero no relato deste milagre, especialmente no que diz respeito à forma imediata como o Cristianismo foi aceite pelo soberano, este extracto é bem demonstrativo não só do impacto que tinha o milagre, mas também como a assistência dos jesuítas aos doentes podia ser aproveitada convenientemente para a conversão cristã.
É ainda dentro deste contexto do uso da valorização da percepção sensorial como forma de conseguir uma adesão mais imediata ao Cristianismo, que se devem estudar as procissões. Afinal a valorização das procissões decorre da noção de que os sentidos são uma forma privilegiada de apreensão da dimensão religiosa do catolicismo.
Esta visão dos jesuítas constituiu não só um contributo para a Igreja tridentina captar, de novo, a piedade popular, mas permitiu também uma valorização da arte como mediação para atingir Deus.
Na índia as procissões surgem, tal como na Europa, como um elemento importante para o progresso do catolicismo. Para além de serem um símbolo de devoção tornam-se também num mecanismo de conversão, onde o espectáculo visual e sonoro (entoação de ladainhas) surge como um meio para cativar os nativos. O próprio Padre Francisco de Sousa refere que «daqui [Colégio de S. Paulo] tiveraõ principio as pregações, & procissoes tam celebres, que ainda hoje continuaõ (...) todas as tardes das sestas feyras da Quaresma, com grande concurso de toda a nobreza, & povo, & naõ menor f r u to das almas. (...) para confusão dos mouros & gentios, que tem por vitupério a Cruz do Redemptor.
Este nobilíssimo cortejo, & Catholica urbanidade interrupta por muiytos annos tornou a renovar na índia a grãde Christandade » 68. É igualmente neste contexto de preferência da transmissão de conceitos pelos sentidos e do uso da cultura popular, que se compreende o uso da língua e da música vernacular para transmitir a fé cristã.
É na perspectiva de que os sentidos devem ser disciplinados através da contemplação do maravilhoso que se deve compreender, também, o comportamento edificante de muitos missionários jesuítas.
Se os missionários levam uma vida exemplar, porque a moral e a ética cristã assim o ditam, esse comportamento edificante tem uma função pedagógica perante os que empiricamente o apreendem.
O exemplo de vida de muitos jesuítas, entre os quais encontramos São Francisco Xavier, contribuiu, não só para que muitos leigos manifestassem o desejo de entrar na Companhia mas, também, para que os padres da Companhia cativassem o respeito e a admiração de muitos pagãos, judeus e muçulmanos.
Tendo o comportamento dos missionários uma vertente pedagógica, procurando demonstrar as virtudes associadas ao cristianismo, era natural que os jesuítas vissem no mau comportamento dos portugueses um impedimento para o progresso da religião cristã.
3. A relação de S. Francisco Xavier com o poder temporal
3.1. A atitude para com os detentores do poder
Tomando os nativos como um todo, a prioridade de conversões ia para os detentores do poder. Numa das primeiras cartas que da índia escreve para Inácio de Loyola, Xavier conta que «[converteu] los mas principales dei lugar, con todas sus casas y después que los principales fueran cristianos bautizé los dei lugar asi grandes como pequenos » 69. A maioria dos nativos não eram cristãos porque o seu soberano não os deixava, daí a preocupação, sempre presente nos jesuítas, de escolherem como alvo preferencial os indivíduos mais importantes de uma região, quer esta fosse uma aldeia ou um reino, porque atrás deles iria toda a comunidade. Numa carta a Loyola, Xavier conta que «llegué en un lugar de gentiles donde no avia ningunt Cristiano, ni se quisieron hazer quando sus vezinos se convertieron a la fe, diziendo que eran vassallos de un senor gentil, el qual él, no queria que ellos fuesen cristianos» .
Sendo a atitude dos poderosos tão importante para o progresso do Cristianismo, Francisco Xavier defende que se deve ter um especial cuidado no trato com os mesmos: «Avisai-vos que particularmente em pregações nunca reprehendais pessoas ou pessoa que tem mando na terra. Sejão as reprehenções particulares em suas casas ou em confissões, porque estes homens são muito perigosos, em lugar de se emmendar se fazem peiores quando os reprehendem publicamente. E sej
ã o estas reprehenções quando com eles tiverdes amizade: e se for muita amizade, reprehende-los-eis muito, e se pouca for, pouco os reprehendereis.
De maneira que as reprehenções serão com o rosto alegre, e palavras manças e d'amor, e não de rigor; de quando em quando abraçando-os, humilhando-vos diante delles, e isto porque recebão inilhor a reprehensão, porque, se com rigor os reprehenderdes, temo-me que percão a paciência e os acheis por imigos. Isto entendo principalmente com pessoas poderosas, ou que tem mando ou riquezas».
Para Francisco Xavier o esforço evangelizador dos missionários de nada vale se não tiver o apoio do poder temporal, não só dos indianos mas também dos portugueses. Referindo-se ao caso específico do capitão aconselha «Ao capitão obedecereis muito (...) humilhando-vos muito diante delle; por nenhuma coisa quebrareis com elle (...). E quando sentirdes que elle é vosso amigo (...) com o rosto alegre lhe direis o que de fora se diz delle (...). Muitos vos virão com queixumes delle pera que lhe vades falar; escuzai-vos quanto poderdes que estaes ocupado em cousas espirituaes (...) dizendo-lhes que não tem conta com Deus e com suas consciências menos a terá convosco » .
O privilegiar a conversão dos poderosos em relação ao resto da comunidade explica-se unicamente pelo fato destes serem um elemento que podia favorecer o progresso do cristianismo porque, sob o ponto de vista da salvação da sua alma, tinham tanta importância como os outros nativos. A prova disso é o fato dos jesuítas deixarem que um rei convertido pudesse esconder a sua fé em Cristo, desde que publicamente não professasse nem favorecesse outra religião. A conversão de um rei tem, sobretudo, valor pelo impacto que produz nos seus súbditos. E exemplo disto uma situação que nos é relatada pelo Padre Francisco de Sousa acerca do rei de Tanor: «Às portas fechadas adorava a Christo crucificado no seu Oratorio, & às abertas, & publicadas entrava nos pagodes, & fazia como antes todas as cerimónias da superstição gentilicia, dizendo que com essa condição lhe deraõ, e recebera o Bautismo, por se naõ expor a evidente risco de perder a Coroa. Repugnava o Paulista (Padre António Gomes ) a esta condição, mostrandolhe que huma coisa era encobrir & dissimular a Fé, o que podia ser licito a S. Alteza pela conservaçaõ da vida, & do Reyno, salvo em alguns casos particulares, nos quaes todo o Christaõ era obrigado a cõnfessalla com a boca até morrer por ella: & que era outra cousa muito diversa simular a superstição, & fingirse gentio, adorando idolos, offerecendolhes incenso, & fazendo outras ceremonias determinadas ao culto das falsas divindades, acções tam abominaveis de sua natureza, que nenhum bom fim as podia cohestar».
3.2. S. Francisco Xavier e o Estado Português da índia
Como foi referido, o Estado Português e a Companhia de Jesus iniciam em 1541, uma colaboração que tem por objectivo evangelizar a Índia. A partida poder-se-ia pensar que esta comunhão de objectivos iria levar a uma sintonia na acção entre o Estado Português na índia e a Companhia de Jesus. Contudo, a linha comum que liga a Coroa portuguesa e a Companhia de Jesus é, por vezes, muito ténue porque enquanto a Coroa portuguesa quer subordinar as necessidades das comunidades cristãs aos seus interesses, os missionários da Companhia querem salvar as almas dos nativos. O contacto com a realidade indiana vai fazer ver a Francisco Xavier que o bem estar da comunidade cristã, passa bem mais longe dos interesses do poder temporal português do que ele pensava aquando da sua partida para a índia.
Numa das cartas que escreve da Índia, Xavier afirma que a missionação não é coincidente com os interesses dos portugueses. Francisco Xavier começa por referir a ausência de portugueses nas zonas mais pobres e escreve que em Tuticorim «no abitam portugueses, por ser la tierra muy estéril en extremo y paupérrima» Para Francisco Xavier os portugueses estão unicamente nas regiões ricas, ora este posicionamento dos portugueses não coincide com a actividade evangelizadora dos jesuítas, que muitas vezes se expande para regiões economicamente muito pobres. Como escreve Francisco Xavier «En estas ciudades [Cochim e Goa] ay todolas cosas en abundancia, como em Portugal, porque son pobladas de portugueses (...) hay muchos médicos y medicinas, lo que no ay donde no habitan portugueses como donde andamos Francisco Mansillas y yo».
Rapidamente, Xavier passa da simples observação desta situação a uma efectiva crítica da separação entre a prática do Estado e aquilo que devia ser a resposta deste às exigências da missionação dos nativos.
Numa Carta a D. João III, com a data de 26 de Janeiro de 1549, S. Francisco Xavier escreve que «V.A. nom hé poderoso na Imdia pêra acrecemtar a f é de Christo e hé poderoso pera levar e possuir todas as riquezas temporais da Imdia. Perdoai-me V.A., que tam craro lhe falo». Segundo o Padre João de Lucena «em toda a costa da Pescaria, eram os pobres cristãos maltratados dos oficiais de el-rei, sem respeito do padre Francisco, cujas lembranças e repreensões podiam já menos com eles que a própria cobiça.(...) Em Goa eram favorecidos os brâmanes (casta que controlava muitos templos pagãos) e tão desamparados os que se convertiamcomo se estivera à nossa conta poupar a gentilidade e não dilatar a Igreja». E Francisco Xavier escreve indignado «dos aggravos que fazem a esses cristãos [da costa da pescaria], assim os gentios como os portugueses, não posso deixar de sentir dentro em minha alma, como he razão. Estou j á tão acostumado a ver as offensas que nestes christãos se fazem e não os poder favorecer, que é muito uma magoa que sempre commigo tenho». As críticas ao poder temporal português concretizam-se, frequentemente, nas queixas do comportamento de oficiais do Estado: «o mao tratamento que os capitães e feitores fazem aos que novamente se convertem avendo-os elles de ajudar, são imcomportabiles hé casy hum género de martírio ter paciência e ver destruir o que com tanto trabalho tem ganhado».
O poder temporal, que devia ser o principal sustentáculo da evangelização torna-se no seu principal obstáculo. Por isso Xavier procura que o trabalho dos missionários não seja confundido com o poder temporal português. A atuação do Estado é muitas vezes prejudicial para a «pregação do evangelho, porque na índia, os mouros, (...) publicamente pregavam e pregam que não tratamos da religião senão para haver o Estado. E entre os japões e chins é coisa sabida que com nenhuma outra nos faz o Demónio mais guerra, (...) não são eles [os missionários] espias nem conselheiros, nem por qualquer via ministros dos vizo-reis e capitães nas matérias das conquistas e governo e que, quanto for possível creiam de nós os infiéis, que só queremos deles as almas para Cristo e não as terras para a coroa de Portugal (...) Com esta tenção, o padre-mestre Francisco não deu nunca em suas cartas avisos nem alvitres nem pareceres para descobrimentos de ilhas, e entradas de reinos, crescimento de rendimentos ou fazendas reais, mas todo o negócio que teve com os governadores da índia foi sempre (...) sem nenhum respeito aos poderes temporais do Estado que, sobre não estar à sua conta, ele não havia que não podia ir bem, indo mal ao da religião».
Aliás, Francisco Xavier, por vezes parece querer monopolizar para a Companhia de Jesus o contacto com os nativos, defendendo, por isso, um gradual afastamento do Estado nas relações com a população indígena: «Tão longe, enfim, estava o padre-mestre Francisco de ajudar nem servir aos ministros do rei na sujeição dos naturais da índia, que para livrá-los das vexações que por ela padeciam pediu por suas cartas ao rei libertasse os novamente convertidos de toda a jurisdição de feitores e capitães. E este foi o principal ponto sobre que lhe escreveu no ano de quarenta e nove».
Numa esclarecedora carta datada de 11 de Setembro de 1544, Xavier mostra-se indignado pela falta de tacto do poder temporal português na relação com os reinos indígenas, estas não estão reguladas de forma a tornar estável o progresso da missionação. Perante a incapacidade do poder temporal, Francisco Xavier começa por revelar uma certa indignação perante a prepotência do poder português para com a população nativa: «Agora me vierão três gentios, homens d'el-rey com queixumes que hum português prendera em Patanão hum criado deste príncipe de Iniquitribim [aliado dos portugueses] (...) se alguma cousa lhe dever esse gentio, que venha diante deste príncipe a requerer justiça e que não alevantem a terra mais do está alevantada: por causa destes nós nunca fazemos mais.(...) Parece-me, deixarei de hir ver a el-rey (...) esta gente está agastada, por causa que assim os deshonrão e os prendem em sua terra (...) porque, assim como parecera mal que hindo hum gentio donde estão os portugueses, se aprendessem lá hum portuguez estando lá o capitão e o trouxessem à sua terra firme, assim estes lhes parece mal prender hum portuguez a hum homem em sua terra delles e leva-llo ao capitão; tendo elles justiça na tierra e estando de paz» .
Duas conclusões se podem tirar da leitura deste extracto. Em primeiro lugar parece estar presente uma certa indignação pela forma como uma civilização estrangeira pretende impor um modelo de justiça eventualmente estranho à noção de justiça da população indígena. A segunda conclusão que se pode retirar da leitura desta carta de Francisco Xavier, é de que o conceito de justiça é subvertido em função das contingências da missionação. Xavier não está preocupado com o fato daquele nativo ter cometido um crime, para o jesuíta, o mais grave da situação é que o progresso de cristianização naquele reino pode estar comprometido com a prisão do criado do príncipe. Para demonstrar como o conceito de justiça está subordinado à evangelização, numa outra carta a Francisco de Mansilhas Xavier escreve que «A Cosme de Paiva [oficial regi a udareisa dezencarregar a conciencia dos muitos roubos que ." > Costa tem feito, e dos males e mortes de homens que por muia sua cobiça se fizerão em Tutucorim; (...) E assim lhe direis da minha parte, que o avizo que tenho de escrever a El-Rey suas malfeitorias, e ao Senhor Governador para que o castigue, e ao infante Dom Henrique, que por via de Inquizição castigue aos que perseguem aos que se convertem a nossa santa ley e fé». Agora, neste caso particular, Francisco Xavier j á defende o exercício da justiça, porque a prisão de Cosme de Paiva é essencial para o progresso da missionação. É curiosa a relação da Companhia de Jesus com o poder temporal.
Ainda que nas cartas de Xavier, e em historiografias de jesuítas, se defenda uma separação da atividade da Companhia de Jesus das ações da Coroa portuguesa, não se dispensa a existência do poder civil. Há, claramente, uma noção utilitária do Estado Português. Através da leitura da correspondência de Francisco Xavier, e das Histórias de Lucena e Sousa, nota-se que é na proteção a missionários e neófitos (novos cristãos) que o poder temporal justifica a sua autoridade sobre as populações. A presença do poder temporal português era tanto mais importante quanto «importava, também, saberem os príncipes infiéis que tinham os cristãos na índia quem os defendesse e tomasse de suas afrontas e vexações a devida satisfação» . Imediatamente após um ataque dos muçulmanos aos cristãos da costa da pescaria Francisco Xavier «escreveu ao governador Dom Estêvão, ele houve a armada de socorro e se embarcou nela com outros sacerdotes, a qual foi de tanto efeito que, em poços dias, os mouros ficaram castigados, a terra pacífica, os paravás senhores absolutos da pescaria, que por antigo direito era sua».
Neste contexto os critérios que definem um bom governador não são a sua competência militar nem diplomática, mas antes a sua política religiosa. Parece que Martim Afonso de Sousa se encontrava nesta categoria, porque segundo Xavier «sí su Santidat supiesse quanto acá el Senor Governador le sirve, agradecelle ya los servicios que acá haze pués tanto mira por sus ovejas, Y tan solicito es en vigilar sobre ellas que los ynfiéles, lupi rapaces, non devorent eas (...) que le de su sanctissima gratia para siempre preserverar en bién» .
Nas cartas de Xavier, para além das múltiplas referências relacionadas com a atividade missionária, encontramos passagens que nos dão a conhecer um Francisco Xavier mais distante da imagem do soldado cristão incansável na luta contra a idolatria. Muito longe das contínuas exortações que faz para que o missionário seja incansável na expansão da fé, estão manifestações de resignação com a situação existente. Em Maio de 1544 numa carta a Francisco de Mansilhas, que também trabalhava nos cristãos da costa da pescaria, Francisco Xavier escreve as seguintes palavras: «Rogo-vos muito que não vos agasteis por nenhuma cousa com essa gente tão trabalhosa, e quando vos virdes com muitas occupaçoens, e que a todos não podeis satisfazer, consolaivos fazendo o que podeis; e dai muitas graças ao Senhor (...)» Numa outra carta afirma que «se não acabais com eles tudo o que quereis, contentai-vos com o que podeis, que assim faço eu» .
Noutras cartas essa resignação chega a dar lugar à frustração. Em Setembro de 1544 escreve: «por não ouvir estas couzas, e também por hir aonde dezejo à terra do Preste João, donde tanto serviço se pode fazer a Deos, Nosso Senhor, sem ter quem nos perigos, não será muito que tome aqui em Manapar hum tone [espécie de embarcação] e me vá» . Noutra carta, escrita mais tarde, em Novembro de 1544, diz: «Eu estou enfadado de viver, que julgo ser melhor morrer por favorecer a nossa ley e fé, vendo tantas offensas quantas vejo fazer sem acudir a ellas».
Finalmente uma alusão à importância da correspondência de S. Francisco Xavier para a estruturação da missionação jesuíta. A correspondência tem uma função basilar na atividade evangelizadora da Companhia. Como principal meio de comunicação, a carta é a forma pela qual os jesuítas se informavam mutuamente do progresso da missionação. Esta ampla comunicação entre os jesuítas, não se explica unicamente por uma razão prática.
Segundo João de Lucena «nasceu este santo costume de comunicarem os servos de Deus uns aos outros o que fazem por serviço do Senhor com a mesma Igreja e com o próprio Evangelho, não somente por seu nome, que quer dizer boa nova (...) mas porque j á quando os discípulos mandados por Cristo tornavam de o pregar, refere São Lucas que lhe contavam tudo quanto deixavam feito, donde tirou São Basílio a regra septuagésima que diz: os que por divino benefício fizeram algum bem devem fazê-lo saber aos outros para maior honra e glória de Deus».
O Padre João de Lucena acrescenta ainda, a este propósito, que «Conformando-se com o tal espírito que os sagrados apóstolos sem dúvida tomaram de Cristo nosso redentor, esta sua mínima Companhia nenhuma coisa é nela mais antiga que as cartas com que damos parte uns aos outros do que Nosso Senhor é servido obrar por seus, posto que indignos instrumentos. E, ainda que o autor desta Constituição, como todas as mais fosse nosso padre Inácio de Loiola de gloriosa memória, contudo entre as cartas de semelhantes argumentos, as primeiras que nós sabemos foram do padre-mestre Francisco escritas de Goa em Setembro do ano de quarenta e dois, que parece deram o exemplo à Constituição que muito depois fez o padre Inácio e introduziram o costume por toda a Companhia» .
HAGIOGRAFIA XAVERIANA
A oração nos escritos de S. Francisco Xavier
Conhecemos cento e trinta e sete documentos, os quais foram considerados pelo P. Georg Schurhammer(1) como tendo sido escritos, ditados ou pelo menos inspirados por Francisco Xavier. Entre estes cento e trinta e sete documentos, trinta e sete são importantes para o tema da oração. Trata-se de textos que podem incluir referências mais ou menos vagas até textos que são quase tratados acerca da oração. Não será ainda demais mencionar o fato de que as biografias escritas pelos primeiros hagiógrafos de Francisco Xavier, entre eles, Manuel Teixeira e João de Lucena, incluem cartas ou trechos de escritos de S. Francisco Xavier.
Nota: 1 Georg Schurhammer SJ, o maior especialista em S. Francisco Xavier de todos os tempos, considera no artigo Die Xaveriusreliquien und ihre Geschichte que os documentos 2, 4,5,9, 99 foram escritos pelo próprio Santo, os documentos 52, 58, 59, 67, 77, 100, 102, 115, 122, 23, 125, 128, 132 como cartascom endereço ou assinatura de Xavier, os documentos 139, 140, 141 extractos e carta completamente de sua mão, enquanto os documentos 151 153 162, 362 teriam sido apenas assinados por ele.
A documentação atribuída a S. Francisco Xavier, que para a época não era particularmente vasta, incluía majoritariamente hijuelas ou cartas privadas destinadas ao Padre Geral, cartas endereçadas a seus companheiros na Europa, cartas para não jesuítas, incluindo as cartas ao Rei D. João III, assim como instruções ou cartas – regulamentos para os missionários no Oriente, como a Instrução Terceira ao Padre Barzeus, Reitor do Colégio de S. Paulo, as instruções para os missionários da Costa da Pescaria, e sobretudo as vinte e seis cartas dirigidas a Francisco Mansilhas, textos para a catequese (Instrução para os Catequistas da Companhia de Jesus), escritos espirituais que compreendem textos como as anotações aos Exercícios Espirituais, até textos como o Catecismo Breve (1542), o Modo de Rezar e salvar a alma (1548?), a Oração pela conversão dos gentios, Goa, (1548?), e ainda documentos vários de difícil classificação.
O documento mais antigo que se conhece é uma carta que Francisco Xavier escreveu durante a sua estadia em Paris em 1535 ao seu irmão João de Azpilcueta (Obanos). Do ano da sua morte data a grande maioria das epístolas escritas por Francisco Xavier e que chegaram à atualidade, ou seja, quarenta e duas cartas, quase um terço do total do seu legado epistolar.
Entre os seus textos mais famosos e que tratam diretamente a questão da oração, começamos por referir a sua Doutrina Cristão ou Catecismo Breve, composto em Goa em Maio de 1542. Trata-se duma adaptação do Catecismo publicado pelo cronista João de Barros entre 1539 e 1540 em Lisboa. Todavia, Francisco Xavier realizou importantes alterações. Francisco Xavier introduziu o seu catecismo com uma Oração à Santíssima Trindade e terminou o mesmo escrito com uma oração dedicada a S. Miguel Arcanjo, que são precisamente duas das principais devoções da Companhia de Jesus.
De igual forma, o Catecismo Breve reflete o contexto missionário em que foi composto. Pois S. Francisco Xavier, grande devoto do Apóstolo S. Tomé, acrescentou, provavelmente pela mesma razão e devido ao fato de S. Tomé ser Padroeiro da Índia Portuguesa, uma especial intercessão a S. Tomé. Francisco Xavier juntou ainda no mesmo texto uma oração por si composta e na qual renegava todos os sinais de heresia representados na sua opinião pelos «pagodes, que são deuses dos gentios em figuras de bestas e alimárias do diabo».
A mesma preocupação é visível no texto doutrinal Explicação do Símbolo da Fé (Credo), composto em Ternate em 1545, no qual afirma: «E assim, os que adoram em pagodes, como fazem os infiéis, e os que crêem em feitiços e sortes e adivinhadores pecam, gravemente, contra Deus, porque adoram e crêem no diabo e o tomam por seu senhor, deixando a Deus que os criou e lhes deu alma e vida o corpo e quanto têm, perdendo, os tristes, por suas idolatrias, o céu, (..). Mas, os cristãos verdadeiros e leais a seu Deus e Senhor crêem e adoram, de vontade e coração, um só Deus verdadeiro, Criador dos Céus e da terra. Bem o mostram quando vão às igrejas e vêem suas imagens que são lembranças dos santos que estão com Deus, em a glória do paraíso; põem, então, os cristãos os joelhos no chão, …, e alevantam as mãos para os céus.
De acordo com o espírito da época, Francisco Xavier considerava a profissão de religiões diferentes do Cristianismo um pecado grave. Defendia que sinais do ritual cristão, tais como ajoelhar-se nas igrejas, venerar as imagens dos santos, são sinais inequívocos da pertença à única e verdadeira religião: o Cristianismo.
Francisco Xavier e o Breviário Romano de Quiñones (1536)
Durante os primeiros processos realizados em Goa, Rodrigo Sequeira, que jurou ser grande amigo do santo, afirmou: “E disse ele que, em Malaca, pousando ele das portas adentro com o Padre, onde o Padre tinha uma casinha sobre si, em que se recolhia a fazer oração e contemplar, (…); na qual casinha estava uma mesa pequena posta, e sobre ela hum crucifixo de pão de São Tomé, e uma cruz com hum véu; e hum breviário á ilharga d’esta mesa estava hum seixo preto (…), e que depois que ele e o companheiro morriam, o P. Mestre Francisco se ia a contemplar e rezar de giolhos, asi (…), e antemam se alevantava a rezar e a dizer missa”.
Este episódio transmitido com grande sucesso à iconografia xaveriana serve para introduzir a importância que o Breviário Novo reformado pelo Cardeal Quiñones em 1536 tinha para Xavier. Na sua rotina quotidiana, após a meditação realizada pela manhã, rezava o Breviário. Ainda durante a sua estadia em Lisboa em 1540 Francisco Xavier escreveu uma carta a Pedro Codácio e Inácio de Loyola pedindo autorização para seis clérigos poderem rezar pelo Breviário Novo nas Índias e que os mesmos pudessem autorizar outros missionários a usar o mesmo texto. Tal autorização para rezar o Breviário foi aliás concedida a Francisco Xavier antes de finais de 1542. Pois, num documento de 21 de Setembro de 1542, Francisco Xavier autorizava o Padre Agostinho a rezar o Ofício do Breviário Novo12. De igual modo, os escritos de Francisco Xavier demonstram a sua grande preocupação em que os recém convertidos aprendessem a rezar o Ofício. Como podemos ler em uma carta a Inácio de Loyola datada de 20 de Setembro de 1542, Francisco Xavier regozijava-se com o fato de a quase totalidade dos sessenta rapazes que iriam habitar o Colégio de S. Paulo em Goa já saberem “ler e rezar o Ofício, e muitos deles, escrever”.
A oração na hagiografia xaveriana
A oração constitui um importante aspecto da atividade e da personalidade de S. Francisco Xavier. A importância que a oração teria assumido para Francisco Xavier começou a ser difundida pela hagiografia desde a sua estadia em Bolonha em 1537-1538, durante a qual se começou a formar a sua imagem como uma figura de “santos desejos” e “muito dado à oração”.
Como foi sistematizado e demonstrado de forma clara por Eduardo Javier Alonso Romo na sua obra Los Escritos Portugueses de San Francisco Javier, a questão da oração em São Francisco Xavier está intimamente ligada aos Exercícios Espirituais. Por outras palavras, várias passagens dos escritos de S. Francisco Xavier, onde é referida a oração, inspiraram-se diretamente nos Exercícios
Espirituais.
Ainda na Europa, todas as viagens de Francisco Xavier foram acompanhadas por múltiplos perigos e recheadas de dificuldades, como o próprio referiu nas suas cartas. Entre as dificuldades vividas por Xavier destacam-se as tormentas, mas também as doenças e ainda as dificuldades, melhor, os fracassos freqüentes da sua atividade evangelizadora. Nesse sentido, Francisco Xavier fez numerosos apelos aos seus companheiros, incluindo ao Geral Inácio de Loyola, para que os mesmos se lembrassem dele nas suas orações, assim como aos recém-convertidos. Outras vezes, Francisco Xavier agradecia aos seus companheiros as orações destes, às quais atribuiu a sua salvação em momentos difíceis, como escreveu em uma carta de 27 de Janeiro de 1545 onde dizia que “dos perigos que Deus Nosso Senhor me tem guardado, creio, sem duvidar, que foi por vossas orações e dos da Companhia”.
Em uma muita emocionada epístola de 1548 destinada aos seus companheiros em Roma Francisco Xavier atribuiu a sua salvação durante uma terrível tormenta à intercessão a Cristo, Nossa Senhora, a todos os santos e todas as figuras maiores da mundividência cristã da Época Moderna, assim como aos membros da Companhia já falecidos e aos seus devotos, como segue:
“Estando na maior força da tormenta, me encomendei a Deus Nosso Senhor, começando por tomar primeiro por valedores na terra todos os da bendita Companhia de Jesus com todos os devotos dela. Com tanto favor e ajuda, entreguei-me todo nas devotíssimas orações da esposa de Jesus Cristo, que é a Santa madre Igreja a qual, diante do seu esposo Jesus Cristo, estando na terra é continuamente ouvida no céu. Não me descuidei de tomar por valedores todos os santos da glória do paraíso, começando primeiro por aqueles que nesta vida foram da santa Companhia de Jesus, tomando primeiramente por valedora a beata alma do Padre Fabro, com todas as demais que em vida foram da Companhia de Jesus. Nunca poderia acabar de escrever as consolações que recebo quando, pelos da Companhia, assim dos que vivem como dos que reinam nos céu, me encomendo a Deus Nosso Senhor. Entreguei-me em todo o perigo, a todos os anjos, procedendo pelas nove ordens deles, e juntamente, a todos os patriarcas, profetas, apóstolos, evangelistas, mártires, confessores, virgens, com todos os santos do céu”.
Destaca-se ainda a repetida solicitação feita aos seus companheiros na Europa e destacados em outras missões para que rezassem por ele, assim como aos convertidos.
Próprio da época da Contra-Reforma, a hagiografia e sobretudo a iconografia de Francisco Xavier cristalizaram um protótipo duma figura imersa em profunda oração e êxtase. Com base nos testemunhos de várias pessoas ouvidas durante os primeiros processos de Goa em 1556, os quais conheceram pessoalmente Francisco Xavier e ainda na sua primeira biografia pelo P. Manuel Teixeira, a vera effigies de Francisco Xavier apresenta o Santo com os olhos erguidos para o céu proferindo o celebérrimo lema “Satis est Domine, Satis est”. Tal lema é a alusão aos seus momentos de êxtase sofridos em Goa entre Setembro de 1551 e meados de 1552. No segundo protótipo em importância relativo a Francisco Xavier, o qual foi estabelecido por uma gravura de Hieronymus Wierix, recebe o coração alado do céu simbolizando as vias de consolação interior referidas pelo próprio Xavier na citação anterior.
Ligado ao espírito de mortificação salientado pelos seus hagiógrafos, Francisco Xavier procurava frequentemente na oração forças para as maiores tormentas pelas quais ansiava e que são expressas pela célebre expressão “Más, Señor, más”.
De fato, a hagiografia de Francisco Xavier confirmada pela iconografia destaca alguns episódios, verdadeiros ou não, nos quais Xavier se encontraria em oração. Mencionamos, assim, a suposta perseguição pelos demônios, enquanto se encontrava imerso em oração durante a sua estadia em S. Tomé de Meliapor em 1544. Ficaram igualmente célebres as noites que passaria imerso em oração em Malaca em 1547. Como lemos na biografia de João de Lucena:
«E foi o primeiro, em contínua oração em que passava as noites inteiras. O que viram e testemunharam foi o que já atrás fica escrito não uma só vez, que estava em oração posto de joelhos diante do crucifixo com os olhos no céu e as mãos levantadas, não tomando mais sono, (…), de ordinário o achavam na de oração».
De igual modo, a oração está intimamente ligada ao assim denominado Milagre de Achim, que foi um dos quatro milagres referidos pela Bula de Canonização em 1622. Pois, a hagiografia atribui a S. Francisco uma profecia segundo a qual ele teria exortado os seus companheiros a dizerem um Pai Nosso e uma Ave-Maria pela vitória dos portugueses sobre os achens.
Sabemos igualmente pelo próprio Francisco Xavier que ele recorria sempre à oração nos momentos de tomar decisões. Em 10 de Novembro de 1545 terminava uma carta aos seus companheiros jesuítas na Europa dizendo: «Assim cesso, rogando a Nosso Senhor, que nos dê a sentir dentro das nossas almas sua santíssima vontade, e forças para a cumprir e a pôr em obra».
Nos seus escritos Francisco Xavier referiu ainda a função fundamental de reparação ou de caráter penitencial da oração no Cristianismo, quando, na Meditação dos Dez Mandamentos anexa ao documento “Modo de rezar e salvar a alma” (1548), exortava os fiéis a rezar duas orações, após terem refletido sobre os pecados por si cometidos contra a Lei de Deus.
Por fim, a sua morte parece ter sido antecedida por um período de profundo recolhimento e oração. Citando de novo o texto de João de Lucena: «Os primeiros oito dias, até aos vinte e oito de Novembro, gastou em suaves colóquios com Deus Nosso Senhor, tendo os olhos no céu como os costumava trazer e repetindo muitas vezes aquelas palavras: “Jesu, Fili David, miserere mei”, e à Virgem Nossa Senhora “Monstra te esse matrem».
A oração no quotidiano de S. Francisco Xavier
A leitura dos seus escritos, assim como das suas biografias, permite-nos estabelecer com bastante rigor o papel fundamental desempenhado pela oração no quotidiano de S. Francisco Xavier. Mal acordava, de madrugada, fazia a sua meditação, rezava o breviário, celebrava a Santa Missa e depois ia de casa em casa com um crucifixo e seu intérprete ou um ou mais meninos que sabiam bem as orações, e inteirava-se se havia algum defunto para aí de imediato se dirigir em oração. Estes trabalhos ocupavam a sua manhã até às 10-11 horas (segundo a instrução de Malaca de 1545 duraria uma hora e meia). Depois o Padre dirigia-se com o famoso sino pelo povoado para chamar os meninos e também crescidos para a doutrina cristã e ensinava-lhes durante uma hora as verdades da fé e as orações traduzidas para as línguas locais, exortando-os à penitência. Como Salve-Rainha. Todas estas orações traduzi, havera dois anos, na sua língua e sei-as de cor. (…). Acabadas as orações, faço-lhes uma explanação sobre os artigos da fé e os Mandamentos da lei de Deus na sua própria língua. Depois, faço que todos peçam perdão publicamente a Deus Nosso Senhor da vida passada.»
Tinha feito aos alunos de Paris, fazia repetir uma ou mais vezes as orações aos seus ouvintes, primeiro através de uma acompanhante para que as entendessem melhor e logo todos juntos, até as saberem de cor. À tarde dedicava uma outra hora a ensinar o Catecismo.
Uma vez por semana reunia todos os adultos (geralmente as mulheres ao Sábado e os Homens ao Domingo) durante duas horas, para realizar o culto religioso e a instrução. Mandava-os repetir as verdades e orações do seu catecismo tamil e declarava‑os com a ajuda dum intérprete. No final fazia uma exortação onde lhes explicava o Evangelho ou as verdades do Catecismo ou as orações.
Após terminar a sua instrução do povo, deixava uma cópia do seu catecismo em folhas de palmeira, e aos que sabiam escrever convidava também a copiar as orações e a aprende-las de memória e recitá-las todos os dias. Além disso, designava um local em cada sítio para continuar seu trabalho e reunia as pessoas ao Domingo para as orações. Quando regressava ao povoado, não deixava, apesar da fadiga, de testar se pelo menos os meninos sabiam as orações. Finalmente, tinha grande preocupação em que os recém-convertidos realizassem as suas orações em privado.
A oração na missão
A composição de orações específicas, entre as quais se destaca a “Oração pela conversão dos gentios” em Goa por volta de 1548, constitui prova suficiente do significado atribuído por Francisco Xavier à oração na sua tarefa missionária.
Entre os requisitos considerados necessários por São Francisco Xavier para o bom missionário encontrava-se a capacidade de ensinar a dizer orações, como lemos em uma carta que o mesmo escreveu a Inácio de Loyola em 1545 e na qual afirmava que «para estas partes de infiéis, não são necessárias letras, senão ensinar as orações e visitar os lugares».
Neste contexto, gostaríamos de salientar o fato de que Francisco Xavier compôs um texto, cujo título em português, “Modo de rezar e salvar a alma” (1548?), ilustra bem a importância por ele atribuída à correta forma de rezar.
A oração para Francisco Xavier liga-se a um dos aspectos mais marcantes da sua atividade missionária: o seu tão apregoado e exagerado dom das línguas, instrumento principal na sua estratégia de acomodação missionária.
Referimos a título de exemplo a seguinte exortação contida numa carta de 1548 ao P. Francisco Gomes: «Também ensinareis orações em alguma igreja. Eu folgaria que fosse na Sé: pregando aos domingos e festas, depois de almoçar, aos escravos e cristãos os artigos da fé em língua que vos entendam. Antes de mais, Francisco Xavier favorecia a prática de os convertidos dizerem as suas orações nas línguas vernáculas. De igual modo, Francisco Xavier foi o primeiro missionário europeu a aprender a língua tamil e a traduzir textos do Cristianismo para esta língua.
Para Francisco Xavier, a questão de os convertidos poderem eles próprios ter acesso aos principais textos do Cristianismo era tão importante, que ainda no mesmo ano, em Outubro de 1542, iniciou a tradução do seu catecismo para a língua tamil32. Em uma longa carta escrita em 15 de Janeiro de 1544 em Cochim, Francisco Xavier informou os seus companheiros em Roma de que tinha decidido iniciar a árdua tarefa de traduzir o Catecismo para a língua tamil, após ter reconhecido que a incapacidade de comunicação mútua por questões linguísticas impossibilitava a conversão dos povos locais ao Cristianismo. Na execução da mesma tarefa, Francisco Xavier e os seus companheiros recorreram a intérpretes locais que entendiam a língua castelhana. A colaboração destes tornou possível esta primeira tentativa de tradução do seu catecismo. Após ter traduzido com muita dificuldade este texto, Francisco Xavier aprendeu de cor o texto na língua local, andando durante dois anos de terra em terra onde o ensinava tanto aos adultos como às crianças, deixando, quando partia, uma cópia escrita do mesmo texto.
Igualmente ilustrativo da importância que a questão da tradução correta para as línguas vernáculas dos principais textos da fé cristã significava para Francisco Xavier, uma sua carta de 27 de Março de 1544 ao seu companheiro Francisco Mansilhas fazia várias correções lingüísticas ao texto relativo ao Credo.
Será ainda interessante referir, que em 1545 (Dezembro) Francisco Xavier se ocupou da tradução das principais orações do Padre Nosso, da Ave Maria e outras orações, como é a Confissão geral, para a língua malaia.
De igual modo, na sua estratégia missionária, Francisco Xavier exortou missionários e convertidos a empreenderem a tradução de textos do Cristianismo para as línguas locais. Durante a sua passagem pelo Japão, em uma carta aos seus companheiros em Goa de 5 de Novembro de 1549, Francisco Xavier mencionou a sua intenção de mandar traduzir os princípios básicos do Cristianismo, incluindo as principais orações, a Paulo de Santa Fé para a língua japonesa e depois imprimir, pois a maior parte das pessoas importantes sabiam ler e escrever.
Neste sentido, foi então compilado um catecismo que no início de 1552 era lido em público por Xavier e pelos seus zelosos companheiros nas ruas das cidades japonesas, assim como nas casas privadas. Na sua origem, terá estado a lacuna observada por Francisco Xavier que os bonzos não tinham livros, ou seja, uma autoridade estabelecida relativamente às suas práticas de contemplação consideradas positivas pelo mesmo missionário. Tal prática de leitura provocou poucas conversões, como reconhecido pelo próprio Francisco Xavier, mas foi uma das componentes das famosas disputas realizadas entre os missionários jesuítas e os chefes locais.
De forma a tornar mais acessível a mensagem do Cristianismo e a facilitar simultaneamente a memorização mais rápida das orações, Francisco Xavier recorreu à música, segundo o costume da época, como podemos ler na seguinte passagem: «Era para dar graças a Nosso Senhor o fruto que Deus fazia em imprimir nos corações de suas criaturas, em gente novamente convertida à sua fé, cantando de seu louvor e glória. Era de maneira que, em Maluco, pelas praças, os meninos, e, nas casas de dia e de noite, as meninas e mulheres e, nos campos, os lavradores e, no mar, os pescadores, em lugar de vãs canções, cantavam santos cantares, como o Credo, Pai Nosso, Ave-Maria, Mandamentos, de maneira que todos os entendiam, assim os novamente convertidos à nossa fé, como os que não o eram».
Na sua atividade catequética, Francisco Xavier dedicava atenção especial às crianças, seguindo assim o espírito da Fórmula do Instituto 1539 reafirmada pela bula de 1551 que estabelecia o ensino da Doutrina Cristã às crianças. Ademais, rapidamente, Francisco Xavier deu‑se conta da dificuldade de converter povos com fortes tradições religiosas e culturais. Para além da fundação de colégios para rapazes, Francisco Xavier dedicou‑se com grande entusiasmo à evangelização de crianças. A partir da sua estadia de 1542 em Goa, Xavier introduziu o ensino das orações, o Credo e os mandamentos a crianças. De igual modo, exortava os seus companheiros a não confiarem a ninguém a tarefa de ensinar «as orações aos filhos dos portugueses, e ensina-los a rezar as Horas de Nossa Senhora, os sete salmos, e as horas de Finados pelas almas de seus pais».
Na sua estratégia missionária, Francisco Xavier favorecia o ensino às crianças, pois considerava ser mais fácil converter os jovens porque mais abertos à mensagem do Cristianismo. Em termos práticos, Xavier dedicava uma hora ou mais a ensinar as orações e atribuía às crianças um importante papel na difusão da oração. Ou seja, tinha a opinião de que as orações nas celebrações dominicais deviam ser pronunciadas por crianças. Igualmente, ordenava aos jovens, que sabiam as orações, que fossem eles às casas dos doentes, e que juntassem todos os de casa e vizinhos, e que dissessem [com] todos o Credo muitas vezes, dizendo ao doente que acreditasse, que sararia; e, depois, as outras orações.
No caso dos jovens convertidos, estes deviam assumir seguidamente a tarefa de ensinar os adultos. Em 1544 escrevia assim: «No espaço de um mês, ensinava as orações, dando a seguinte ordem: que os moços, aos seus pais e mães, e a todos os de casa e vizinhos, ensinassem o que na Escola apreendiam».
São Francisco Xavier e o Rosário
A hagiografia do Santo difundiu a idéia de que Francisco Xavier era um grande devoto do Rosário através do qual realizava numerosos milagres. Com segurança, sabemos que Francisco Xavier trazia um rosário no Outono/Inverno 1536 durante a sua viagem de Paris para Veneza. De fato, Francisco Xavier tinha especial interesse na propagação desta devoção. Em 1542 Francisco Xavier pediu a Inácio de Loyola que lhe enviasse dois rosários para o Governador da Índia, Martim Afonso de Sousa, e para a sua mulher, que eram muito devotos da Companhia. O rosário que presumivelmente Francisco Xavier trazia sempre consigo e com o qual teria morrido nas mãos, tornou-se uma importante relíquia de contato.
No que refere à iconografia, no Japão difundiu‑se a imagem dos dois primeiros santos da Companhia, Inácio de Loyola e Francisco Xavier, em oração a Nossa Senhora do Rosário, entre a qual se destaca a fantástica pintura a óleo no Museu Universitário de Kyoto. Tal importância hagiográfica e iconográfica do Rosário no Japão deve‑se se ao fato de os budistas terem igualmente uma semelhante devoção ao Rosário44. De igual modo, Francisco Xavier descreveu em 1552 a devoção japonesa semelhante à devoção do Rosário no Cristianismo da seguinte forma:
“Todos os japoneses, tanto os bonzos, como o povo, rezam por contas: o número delas é mais de cento e oitenta. Quando rezam continuadamente, nomeiam a cada conta o Fundador da seita que têm. Uns têm por devoção passar muitas vezes as contas e outros menos”.
A existência enraizada desta devoção no Japão terá com certeza estado na origem da oferta por Francisco Xavier de dois rosários ao chefe da comunidade cristã de Ichiku, na Costa Ocidental, durante a sua passagem pela mesma região.
RETRATO DE SÃO FRANCISCO XAVIER
A celebração dos 500 anos de nascimento de São Francisco Xavier é uma ocasião para redescobrir uma figura missionária extraordinária que, através de sua profunda humanidade, encontrou o caminho da santidade no encanto pelo rosto do outro e do pobre ... um encanto que o conduz ao pleno encontro com Deus.
Os biógrafos de Francisco Xavier dizem que seu aspecto físico e exterior revelava uma pessoa forte e equilibrada: “O padre Francisco era de estatura antes grande que pequena, tinha o rosto bem proporcionado, branco e corado, alegre e de muito boa graça; os olhos negros, a fronte larga, o cabelo e barba pretos”, escreve o padre Manoel Teixeira.
Suas qualidades, moldadas desde a infância pela educação familiar e por uma vida marcada pelos conflitos, o habilitava a resistir às fadigas do ministério e a enfrentar os riscos e os perigos das viagens daquele tempo. Era também uma pessoa dotada de grande inteligência e de sensibilidade aguda, curiosa e interessada em tudo, interiormente livre e afetivamente rica, madura, coerente, psicologicamente bem identificada. Xavier era capaz de defender suas idéias e, ao mesmo tempo, aberto às novidades, sobretudo, às relações interpessoais, graças a um temperamento feliz e expansivo, comunicativo e alegre, com uma extraordinária disposição à amizade.
Amigo de Inácio de Loyola
Essa sua amizade é dirigida em primeiro lugar a seus companheiros, particularmente a Inácio de Loyola, ao qual era afetuosamente ligado. Partindo de Roma, Francisco sabe que não o verá mais e então sonha com o dia em que no céu o encontrará “face a face e com muitos abraços”. Mas, antes de embarcar para a sua última viagem rumo à China, ouve falar de uma estrada que da China vai até Jerusalém. Francisco retoma um sonho de sua juventude, quando junto a Inácio e aos primeiros companheiros, faz o propósito de ir a Jerusalém com a intenção de levar aos muçulmanos um singelo testemunho de pobreza e de entrega a Deus. Neste projeto, ele tem um desejo louco de reencontrar Inácio, seu amigo e seu pai espiritual, que está em Roma e que não vê a mais de dez anos. Na última carta que lhe escreve de Goa, em abril de 1552, fala-lhe dessa possibilidade e já planeja concretizar seu sonho: “se isso for como me contam, eu o escreverei a Vossa santa Caridade, quantas léguas e quanto tempo precisará para chegar da China até Jerusalém”. Poucos meses depois, Francisco morrerá na Ilha de Sancião na companhia de um crucifixo, de um fiel amigo chinês e de um pequeno estojo com as assinaturas de Inácio e de todos seus companheiros, recortadas das cartas deles. Ele as levava sempre consigo, guardando-as do lado esquerdo do peito.
Sempre amigo
Ele faz também outras amizades em sua missão. Numa de suas cartas a Inácio lembra - lhe de dar suas recomendações a Faustina Ancolina, uma nobre viúva da cidade de Roma que tinha conhecido e ajudado espiritualmente por ocasião do assassinato do filho Vincenzo: “Dizei-lhe que disse missa pelo seu Vincenzo e meu, e que direi amanhã outra por ele; e que tenha por certo que eu nunca me esquecerei dela, mesmo quando estiver nas Índias”. Com grande intimidade e confiança pede-lhe também de manter “a promessa que me fez de se confessar e comungar, e que me faça saber se o tem feito e quantas vezes ... e que perdoe aos que mataram o seu filho”.
Cartas cheias de carinho, dirigidas a pessoas que tinha encontrado no seu ministério, são aquelas também que escreve a Diogo Pereira, capitão do barco português Santa Cruz, ao qual estava ligado por uma “grande amizade”. Dele se despede pedindo a Deus que “nos junte outra vez, se não for nesta vida, seja na glória do céu”. Numa outra carta escreve: “A saudade que de vós levo, e a lembrança que continuadamente tenho de ver que ficais em terra tão doentia, me faz maior lembrança de Vossa Graça”.
Francisco sabia que tinha um grande coração que o amarrava facilmente às pessoas. Ele precisava dominar, de vez em quando, seus sentimentos. Narra que, depois de uma Quaresma em Ternate nas Ilhas Molucas, teve que embarcar escondido à meia-noite para evitar se deparar com os “choros e prantos dos meus devotos, amigos e amigas”. Além de uma grande sensibilidade, ele tinha também uma força de vontade excepcional e uma inteligência superior, amadurecida em Paris, estudando Filosofia, antes de conhecer Inácio. Com a vontade e a inteligência ele controlava sua afetividade para colocá-la a serviço da missão que lhe foi confiada.
A serviço de todos
Francisco tinha o dom de criar e manter profundas relações humanas, de saber falar com as pessoas de todas as classes sociais, desde os príncipes até o último pobre pescador, desde os mais devotos cristãos até os marinheiros e os comerciantes que encontrava, capaz de explicar o catecismo aos mais humildes e de encarar o Rei de Portugal. Numa de suas cartas ele afirma: “Eu vou no meio do povo sozinho, sem intérprete. Eles não me entendem e nem eu a eles. Batizo os recém-nascidos e outras pessoas que encontro para batizar: para isso não preciso de intérpretes. Os pobres me fazem entender suas necessidades sem intérpretes e eu, olhando-os, os entendo sem intérpretes. Para as coisas mais importantes não preciso de intérpretes”. Em Goa, um dos seus jovens confrades relata: “ele era sempre carinhoso, cheio de espírito em seus discursos, era o primeiro a colocar a sela e a dar de comer aos nossos cavalos. Falava de Deus e ganhava os corações de todos os que o ouviam.
Em qualquer lugar, ele deixava a impressão de sua santidade e, sobretudo, do seu amor”. Ao Rei de Portugal escreve nove cartas sobre problemas muito delicados relativos a sua vida espiritual, como também sobre sua maneira de governar e de vigiar os seus subordinados que oprimiam o povo e não se preocupavam com as exigências da vida cristã. Francisco era uma daquelas pessoas que se apaixonavam pelo bem, a justiça e pela defesa dos direitos dos pobres.
A simplicidade e a linearidade do caráter de Francisco Xavier transparecia também pela sua maneira de vestir, que era muito simples, em nada suntuosa, mesmo sabendo que era o Núncio Apostólico do papa para o Oriente. Assim o descreve o padre Teixeira: “trazia uma batina pobre e limpa, sem faixa nem manto, pois este era o traje dos sacerdotes pobres da Índia ... Era muito afável com os de fora, alegre e familiar com os de casa”. Como as pessoas verdadeiramente grandes, Xavier não mostrava sua grandeza na aparência, mas na caridade. Somente no encontro com o príncipe de Yamagushi, no Japão, ele vestirá paramentos de cetim para ser oportunamente aceito como figura importante da Igreja que representa. Nesta simplicidade e pobreza, Francisco Xavier seguia a disposição das primeiras Constituições da Companhia de Jesus que diziam quanto “mais suave, mais pura, mais edificante para os fiéis é a vida quando é absolutamente distante de toda sombra de interesse e mais conforme à pobreza”.
Para concluir este retrato da personalidade de Xavier, é lícito perguntarmos se este homem não tinha algum defeito. Com certeza, no seu ardor missionário deve ter incomodado muitas pessoas e, sendo um homem de grande atividade, terá precisado de alguém, depois dele, que colocasse em ordem as coisas e tudo o que ele não conseguia acabar. Podemos pensar que em alguma ocasião pode ter exagerado em contrastar as pretensões e as injustiças causadas pelos portugueses nas colônias. Particularmente, deve ter feito sofrer as pessoas medíocres. No final, porém, deve ter sido perdoado de tudo pela sua bondade alegre e sua generosidade.
Os melhores amigos das pessoas
A disposição humana à proximidade e à amizade com as pessoas, pode ser encontrada também na experiência missionária de outro grande Francisco, o de Assis. Nesse diálogo com frei Tancredi, ele esclarece o que significa anunciar a Boa Nova aos outros: “O Senhor nos enviou a evangelizar os povos. Mas você nunca refletiu o que significa isto? Evangelizar uma pessoa significa dizer-lhe: ‘Você também é amado por Deus em Cristo’. Não basta dizê-lo: precisamos estar convencidos. Não basta também estarmos convencidos: devemos agir com aquela pessoa de modo que ela perceba e descubra em si mesma algo que foi salvo, algo de maior e mais nobre que ela não tivesse pensado antes. Devemos, enfim, provocar nela o despertar de uma nova consciência de si mesma. Isso significa anunciar-lhe a Boa Nova. Contudo, não poderá obter este bom resultado senão oferecendo àquela pessoa a sua amizade: uma amizade real, desinteressada, sem complacência, toda alimentada de confiança e de estima recíproca. Nós devemos ir às pessoas. Isso não é fácil. O mundo humano é um imenso campo de batalha onde as pessoas combatem para se enriquecer e dominar. Demasiadas dores e atrocidades escondem aos seus olhos o rosto de Deus. Aproximando-nos a elas, devemos, sobretudo, evitar aparecer aos seus olhos como uma nova espécie de competidores. Nós devemos ser, no meio das pessoas, as testemunhas pacíficas do Todo-poderoso, sem sombra de cobiça e de desprezo, capazes de nos tornarmos realmente seus melhores amigos. As pessoas aspiram à nossa amizade, uma amizade que os faça sentir ser amados por Deus e ser salvos em Jesus Cristo”.
Resumo nº 01 da vida de São Francisco Xavier
De família nobre, em 1524, aos 18 anos esse espanhol de Navarra entrava na Universidade de Paris, onde tornou-se professor de Filosofia. Mas um aluno seu, bem mais velho, fez mudar tudo em sua vida. Era Santo Inácio de Loyola, que em 1534 fundaria com sua ajuda a Companhia de Jesus.
Santo Inácio percebeu que São Francisco Xavier seria a pessoa ideal para lhe ajudar a renovar a anunciação de Cristo, dar a Igreja Católica o reconhecimento e a honra que lhe eram devidos, e a levar o catolicismo ao mundo todo. Mas não foi fácil convencê-lo: a nobreza de sua família e as honrarias do mundo ainda lhe enchiam de orgulho. Uma frase que lhe disse, porém, tocou-lhe profundamente o coração. Santo Inácio mencionou Jesus: "De que vale a um homem ganhar o mundo inteiro se perder sua alma?" Mc 8, 36
Ele adotou os Exercícios Espirituais de Santo Inácio e passou a levar uma vida de plenas virtudes. Andava descalços, fazia penitência frequentemente e chegava a levitar durante as Missas. Aos 31 anos, antes de ser ordenado, a exemplo de Jesus, se ausentou durante 40 dias, que passou em absoluta solidão. Enquanto aguardavam a aprovação papal para a nova congregação, São Francisco Xavier mudou-se para Veneza com seus companheiros, onde passou a cuidar dos leprosos. Quiseram visitar a Terra Santa em peregrinação, mas ele terminou ficando em Roma.
Foi quando Dom João III, rei de Portugal, querendo levar o cristianismo à Índia, solicitou alguns sacerdotes a Santo Inácio. Às vésperas da partida um dos missionários adoeceu e São Francisco Xavier se ofereceu para substituí-lo. Um fogo lhe consumia e tinha a certeza que aquele era o seu grande chamado. Santo Inácio hesitou, a princípio, mas logo percebeu em seus olhos a presença do Espírito de Deus.
Fez uma viagem complicada e demorada, mas, mantendo o espírito de servidão, ele trabalhava no navio nas funções mais humildes. Ajudava na cozinha, na faxina e como enfermeiro. Teve que esperar alguns meses em Moçambique, onde entregou-se a pregar e converter africanos e, de tão apaixonadamente que servias às almas, só não permaneceu por que estaria contrariando as ordens do rei que era levá-los à Índia.
Em Goa, viu os maus exemplos dos portugueses entre os indianos e iniciou um edificante trabalho de reconversão. Não demorou a que muitos cristãos retornassem a uma vida digna. Tornou-se um confessor profícuo. Em setembro de 1542, escreveu aos jesuítas em Roma: "Tantos eram os que vinham se confessar que, se eu fosse dividido em dez partes, todas elas precisariam atender confissões."
Mas, como era de se esperar, não se limitou a trabalhar entre os cristãos. Foi ao encontros do indianos e, começando pelas crianças, que atraia com uma sineta, em encontros frequentes contava-lhes as histórias de Jesus e lhes fazia mudar o comportamento, o que terminava por atrair também os pais. Numa carta de 1544 registrou: "Tanta é a multidão dos que se convertem à fé de Cristo nesta terra por onde ando, que muitas vezes me acontece ter os braços cansados de tanto batizar (...). Há dias em que batizo todo um povoado."
E, num sinal evidente da presença do Espírito Santo em seu coração, em apenas um ano de pregações chega a um número impressionante de convertidos: "Notícias destas partes da Índia: faço-lhes saber que Deus Nosso Senhor moveu muitos, num reino por onde ando, a se tornarem cristãos, de modo que num mês batizei mais de dez mil pessoas. (...) Depois de batizá-los, mando derrubar as casas onde tinham seus ídolos e ordeno que rompam as imagens dos ídolos em pequenas partes. Acabando de fazer isto num lugar, dirijo-me a outro, e deste modo vou de lugar em lugar fazendo cristãos."
Mas seu estilo de vida continuava sendo um exemplo muito impressionante, mesmo num país onde o ascetismo é coisa corriqueira. No Sul da Índia, chegou a morar vários meses numa caverna.
Especula-se que suas conversões só não prevaleceram através dos séculos porque ele não ter buscado evangelizar os mais ricos, que detinham influência sobre a maioria da população e, por não o conhecerem, lhe ofereciam forte oposição, mesmo em Goa, e ainda tinham o apoio de alguns portugueses cuja má vida não queriam emendar.
Ainda na Índia ele visitou o túmulo de São Tomé, dos 12 Apóstolos de Cristo, na cidade de Meliapor, onde lhe pediu sua intercessão para saber se deveria seguir viajando em direção ao oriente.
Seguiu também em missão para Malaca, um Estado da Malásia, entre várias outras ilhas do arquipélago. Aí veio ao seu encontro um japonês chamado Hashiro, um samurai que ao ouvir falar do Santo sentiu seu coração arder em devoção. Ele foi convertido e batizado e vai abrir as portas do Japão ao nosso fervoroso missionário: "Perguntei a Hashiro se os japoneses se tornariam cristãos se eu fosse com ele ao seu país e ele respondeu-me que eles não o fariam imediatamente, mas que primeiro me fariam muitas perguntas para saberem o que eu sabia. Acima de tudo, que eles quereriam saber se a minha vida corresponderia ao meu ensinamento."
Como é de se imaginar, isso não seria o menor empecilho a São Francisco Xavier. Numa carta a Santo Inácio de Loyola, em 1549, ele disse: "Não deixaria eu de ir ao Japão pelo muito que tenho sentido dentro de minha alma, ainda que possuísse a certeza de que haveria de passar pelos maiores perigos da minha vida, porque tenho grande esperança em Deus Nosso Senhor que nessas terras há de crescer muito nossa santa fé. Não poderia descrever quanta consolação interior sinto em fazer esta viagem ao Japão."
Chegou ao Japão em 1549, na ilha de Kiushu, foi recebido pela família de Hashiro e logo viu na civilidade japonesa um exemplo de refinamento social, que só comparava a dos europeus. Numa carta de novembro, escreveu à Roma: "Pela experiência que temos do Japão, faço-lhes saber que seu povo é o melhor dos descobertos até agora."
No fim do ano de 1550 foi morar em Yamagushi, onde em 1551 foi autorizado a pregar. Entretanto, como ainda não falava bem o japonês, se limitava a ler a tradução de seu catecismo que Hashiro havia feito. Trouxe, porém, pinturas de Nossa Senhora e de dela com Jesus, para facilitar a Anunciação da Boa Nova. Mas logo algumas diferenças culturais começaram a lhe impor obstáculos. Os japoneses tinha dificuldade em aceitar a ideia de que Deus havia criado apenas o Bem, mas 'tolerava' o pecado e o Mal. Recusavam também a ideia de inferno, onde poderiam estar alguns de seus antepassados e de onde não poderiam mais sair.
Diante da oposição de outros religiosos, São Francisco Xavier aprendeu a respeitar outras religiões, sem vê-las necessariamente como más. Mas, por sua inteligência e exemplo de vida, com o passar do tempo conseguiu converter e batizar muitas almas, chegando a estabelecer congregações jesuítas em Hirado, Yamaguchi e Bungo. Sábio, não demorou a aprender japonês, e em poucos meses escreveu um livro nesse idioma para contar a criação do mundo e a vida de Cristo.
Na viagem de volta à Índia, aportou em Chang-Chuang, uma ilha da China, próxima à província do Cantão, onde os portugueses aportavam antes de ocuparem Macau. Ao tomar notícia de que aí havia alguns prisioneiros portugueses, resolveu interceder por eles perante o imperador chinês. Essa seria também uma oportunidade excelente para anunciar o Evangelho naquele grande país. Mas aguardou a oportunidade ideal para poder retornar.
Passou de novo por Malaca e chegou em Goa alguns meses mais tarde, no início de 1552. Aí exerceu o cargo de diretor do Colégio de São Paulo, onde formavam catequistas e padres de origem asiática, dispunham de uma biblioteca e, mais tarde, de uma tipografia para difundir a fé cristã.
Mas sentia-se desfiado a evangelizar na China, onde a entrada de estrangeiros era proibida. Ainda em janeiro de 1552, escreveu a Santo Inácio: "Este ano espero ir à China, pelo grande serviço a nosso Deus, que lá se poderá obter." Noutra carta, escritas aos irmãos jesuítas, declarou: "Vivemos com muita esperança de que, se Deus nosso Senhor nos der mais dez anos de vida, veremos grandes coisas nestas regiões. Pelos méritos infinitos da Morte e Paixão de Deus nosso Senhor, espero que Ele me dará a graça de fazer essa viagem à China."
Acompanhado de um amigo mercador, preparou muitos presentes para o imperador chinês e partiu para a Província do Cantão. Mas não o fez sem antes avisar ao rei de Portugal, numa carta de abril de 1552: "Parto daqui a cinco dias para Malaca, que é o caminho da China, para ir dali, em companhia de Diogo Pereira, à corte do imperador da China. Levamos ricos presentes comprados por Diogo Pereira. E da parte de Vossa Alteza levo um que nunca foi enviado por nenhum rei nem senhor a esse imperador: a Lei verdadeira de Jesus Cristo nosso Redentor e Senhor."
Seguiu na nave Santa Cruz para Malaca, mas desta vez não foi bem recebido. Líderes de outras religiões lhe fizeram violenta oposição. Ao Padre Gaspar Barzeo, seu amigo, escreveu em julho de 1552: "Não podereis acreditar quanto fui perseguido em Malaca. Vou para as ilhas de Cantão, no império da China, desamparado de todo humano favor."
Ao chegar em Chang-Chuang, percebeu de início que seria difícil ser levado ao Cantão, pois até os pequenos barqueiros temiam ser severamente punidos pelo imperador. Escreveu ao Padre Francisco Perez: "Os perigos que corremos neste empreendimento são dois, segundo a gente da terra: o primeiro é que o homem que nos leve, depois de receber os duzentos cruzados, nos abandone numa ilha deserta ou nos jogue no mar; o segundo é que, chegando a Cantão, o governador nos mande para o suplício ou para o cativeiro."
Aí aguardaram pacientemente que ou o imperador tivesse notícia de sua visita e dos presentes ou que algum barqueiro chinês tivesse a coragem de levar ele e seus acompanhantes, um indiano e um chinês, ao continente. Celebrava diariamente a Santa Missa numa cabana improvisada que construíram. Mas contraiu abruptamente uma febre muito forte que o levou a morte. Tinha apenas 46 anos, e estava abraçado a um crucifixo, presente de Santo Inácio de Loyola.
Primeiro foi enterrado na mesma ilha de Chang-Chuang. Um ano depois, ao desenterrarem seus restos mortais para serem trasladados, verificaram que estavam incorruptos. Levaram-nos à Malaca, onde foram sepultados na Igreja de São Paulo. Em 1637, foram conduzidas definitivamente à Basílica do Bom Jesus em Goa, onde atraíam grandes multidões, tornando-se lugar de peregrinação.
Durante todas suas missões sinais e milagres confirmavam que Deus estava sempre com ele. Segundo antigas tradições ele era capaz de prever o futuro e ver acontecimentos distantes. Quando viajava pelas ilhas de um arquipélago da Indonésia, uma tempestade encobriu o navio e o tamanho das ondas pôs até os marinheiros mais experientes em desespero. São Francisco Xavier, que estava em oração, fez descer à água o mesmo crucifixo com o qual falecera. Ao tocar o primeiro vagalhão, o mar começou a acalmar-se.
Em vida, foram reconhecidos '24 ressurreições juridicamente provadas', operadas por São Francisco Xavier.
Foi canonizado no mesmo dia que Santo Inácio de Loyola. É o padroeiro dos missionários. Segundo a Igreja, São Francisco Xavier foi o maior conversor de almas depois de São Paulo, o que lhe valeu o cognome de 'Apóstolo do Oriente'.
Resumo nº 02 da vida de São Francisco Xavier
O padreiro dos Missionários
>>Conheça um pouco mais sobre esse santo:
São Francisco Xavier - Esse santo é considerado pela nossa igreja o santo que converteu mais pessoas ao cristinismo do que qualquer outro missionário desde São Paulo. Levou a palavra de Deus para muitos países e terras distantes, fazendo inúmeras viagens. É chamado de “Apóstolo do Oriente”.
>>Sua vida:
São Francisco Xavier nasceu em 07 de Abril de 1506, no castelo da família em Xavier, no Reino de Navarra (ESPANHA), sendo o filho mais novo de seus pais (Juan de Jasso e Maria de Azpilicueta y Xavier). O nome correto dele seria Francisco de Xavier e não Francisco Xavier, pois Xavier vem do nome da terra onde sua familia se originou.
O pai de Francisco morreu quando ele tinha 9 anos de idade e sua mãe queria envia-lo para uma universidade. Assim, Francisco é enviado para o Colégio de Santa Bárbara, em París. No colégio, aprende filosofia, literatura e humanidades, além de dominar as línguas francesa, italiana e alemã.
Em Paris ele viveu como aluno, mas posteriormente como professor de Filosofia do Colégio de Beauvais. Francisco era muito inteligente, comunicativo e muito bonito. Alguns relatos contam que ele se consagrou como campeão no salto em altura, numa competição entre os estudantes. Nesse período seus colegas de quarto eram o francê Le Fèvre e o basco Inácio de Loyola, que montam um grupo com o nome de Societas Jesus (Sociedade de Jesus, traduzido do latim). Mais tarde esse grupo se tornaria a Companhia de Jesus.
É no ano de 1534 que esse grupo de amigos, juntamente com mais quatro companheiros (Alfonso Salmeron, Diego Laynez, Nicolau Bobedilla e o português Simão Rodrigues), fundam a Companhia de Jesus, uma congregação religiosa destinada ao ensino, à conversão e à caridade.
Eles fazem voto de pobreza, pedindo ao Papa o reconhecimento oficial, que porém só ocorre em 1541. Mas enquanto esperam esse reconhecimento, o grupo parte para Veneza, desejando alcançar a Terra Santa. E é em Veneza, no dia 24 de Junho de 1537 que Francisco é ordenado padre, mas não pisa na Terra Santa devido à guerra dos venezianos e turcos.
No ano de 1512 as tropas castelhanas e aragonesas atacam o Reino de Navarra e em 1515 o acabam conquistando. O castelo da família é praticamente destruido e as propriedades de sua família confiscadas. Os irmãos de Francisco são condenados à morte, mas obtém uma anistia e são liberados. Durante todo esse período porém, Em Roma, Francisco de Xavier sente-se muito abalado pela conquista do Reino de Navarra pelo Reino de Castela.
>>Início da Vida Missionária:
>>Moçambique:
No ano seguinte, Francisco Xavier parte para a Índia, no dia 7 de Abril, acompanhado por mais dois jesuítas e pelo futuro governador da Índia. No mês de Agosto chegam a Moçambique, permanecendo aí por seis meses, devido aos ventos contrários, que impediam a continuação da viagem. Francisco Xavier converteu vários africanos, dedicando-se a ajudá-los e a cuidar dos doentes. Quis permanecer em Moçambique, mas não foi autorizado pelo governador e seguem viagem.
>>Goa:
Em 06 maio de 1542 ancoram em Goa. Francisco Xavier ficou muito entusiasmado com a quantidade de indianos que falavam português e com a quantidade de igrejas e convertidos. Mas após conhecer melhor a cidade percebeu que muitos convertidos ainda praticavam os cultos hindus e muitos portugueses davam mau exemplo, não praticando as virtudes que “defendiam com tanto ardor”.
Então decidiu se dedicar primeiramente a conduzir novamente os portugueses a verdadeira fé, para só depois iniciar seu trabalho de conversão. Dedicou-se primeiramente às crianças e só depois aos adultos. O tempo vago era dedicado a visitar prisões e tratar dos doentes e leprosos. Nessa época ele começou a escrever um catecismo que depois foi traduzido para várias linguas asiáticas.
>>Costa da Pescaria:
>>Algumas viagens:
Francisco visitou Malaca, Ternate, Morotai e várias outras ilhas. Seu trabalho inaugurou algumas mudanças permanentes nas ilhas da Indonésia Oriental, dando-lhe o título de “Apóstolo das Índias”. Batizou milhares de pessoas e depois de partir, seu trabalho foi continuado por outras pessoas. Na década de 1590 já havia entre 50.000 e 60.000 católicos na região.
Em dezembro de 1547 Francisco conheceu em Malaca o aventureiro Fernão Mendes Pinto, que regressava do Japão, juntamente com um nobre japonês, chamado Angiró. Esse nobre ouvira falar de Francisco em 1545 e viajou de Kagoshima para Malaca, para conhecê-lo. Ele havia sido acusado de assassinato e fugiu do Japão, abrindo seu coração a Francisco e confessando-lhe além da vida errada que levara os costumes e cultura de sua terra.
Angiró foi batizado então por Francisco e adota o nome português de Paulo de Santa Fé. Ele era um samurai e tornou-se um ótimo mediador e tradutor para uma missão ao Japão.
>>Japão:
Chegaram ao Japão em 27 de Julho de 1549, mas só em 15 de Agosto foram autorizados a aportar em Kagoshima. Ficou hospedado pela família de Angiró até outubro de 1550. De outubro a dezembro residiu em Yamaguchi e antes do Natal partiu para Kyoto, mas não conseguiu autorização para visitar o Imperador.
Regressou para Yamaguchi em Março de 1551 onde recebeu a autorização do daimio (senhor feudal) da província para pregar. Mas como tinha dificuldade em falar a língua portuguesa limitou-se a ler alto a tradução do catecismo feita com Angiró.
O trabalho de Francisco teve um grande impacto no Japão, sendo o primeiro jesuíta a ir lá em Missão. Levou pinturas da Virgem Maria e da Virgem com Jesus. Essas pinturas o ajudaram a explicar o cristianismo aos japoneses, pois as barreiras de comunicação eram enormes.
Entretanto, o trabalho com os japoneses não foi fácil e a conversão foi muito difícil. Muitos eram budistas e Francisco teve grande dificuldade em explicar o conceito em de Deus criou tudo o que existe.
Para eles então Deus era responsável também pelo mal e pelo pecado. Além disso, o conceito de inferno foi muito difícil de explicar, pois os japoneses não aceitavam o conceito de que seus antepassados poderiam estar num inferno eterno de onde não se poderia libertá-los.
Francisco teve um bom acolhimento por parte dos monges da escola de Shingon, usando a palavra “Dainichi” para Deus. Mas depois de aprender mais sobre a palavra, passou a usar a palavra “Deusu”.
A partir daí os monges perceberam que ele pregrava uma religião rival. Mas Francisco sempre respeitou os costumes do povo, aprendendo japonês, passando a comer peixe (ao invés de carne), cumprimenta as pessoas com reverências profundas e em algumas ocasiões chegou mesmo a vestir-se com trajes japoneses.
Francisco Xavier conseguiu criar comunidades em Hirado, Yamaguchi e Bungo. Trabalhou por mais de dois anos no Japão e chegou a escrevendo um livro em japonês sobre a Criação do Mundo e a Vida de Cristo.
>>Volta a Índia:
Francisco descide voltar a Índia. Mas uma tempestado o obriga a parar em uma ilha perto do Cantão, na China. Encontra o mercador Diogo Pereira, que lhe mostra uma carta de alguns portugueses mantidos prisioneiros no Cantão, pedindo um embaixador português para interceder junto ao Imperado. Mais tarde parou de novo em Malaca (Dezembro de 1551) e voltou a Goa em Janeiro de 1552.
>>A caminho da China:
Em 17 de Abril parte com Diogo Pereira a caminho da China. Apresenta-se como representante da cristandade e Diego Pereira como embaixador do Rei de Portugal. Mas como esquecera a certidão que o confirmava como representante da Igreja Católica na Ásia, acaba voltando para Malaca e daí para Goa.
Em Goa, ocupou-se em enviar à vários lugares da Índia muitos grupos de jesuítas para fundarem missões. Foi diretor do Colégio de São Paulo em Goa, que formava catequistas e padres asiáticos. Além disso promoveu a tradução de livros religiosos para as linguas locais.
Apesar de tudo isso, Francisco ainda tinha o sonho de ser missionário no China, onde era proibida a entrada de estrangeiros. Partiu em 14 de Abril de 1552, convencido de que conseguiria infiltrar-se secretamente e cativar chineses para o cristianismo.
Desembarcou na ilha de Sanchoão e, quando se encontrava em negociações com um mercador chinês que prometera levá-lo consigo, foi atacado por febres violentas.
>>Morte de São Francisco Xavier:
São Francisco Xavier morreu em 3 de Dezembro de 1552, numa humilde esteira de vimes, abraçado ao crucifixo que o velho amigo Inácio lhe deu.
Foi sepultado em Sanchoão, mas em Fevereiro de 1553 os seus restos mortais que estavam incorruptos, foram transportados temporariamente para a Igreja de São Paulo em Malaca.
Em 15 de Abril de 1553 Diogo Pereira vem de Goa, levando seu corpo para sua casa. Em 11 de Dezembro do mesmo ano é levado para Goa.
Hoje o seu corpo está na Basília do Bom Jesus de Goa, colocado em uma caixa de vidro e prata, no dia 02 de Dezembro de 1637. Seu túmulo tornou-se um de peregrinação.
O úmero do braço direito de Francisco Xavier foi levado para Macau, sendo mantido num relicário de prata.
Essa relíquia era destinada ao Japão, mas devido a perseguição na época ficou mantida nas ruínas da Igreja da Madre de Deus, em Macau (hoje Ruínas de São Paulo). Hoje está na igreja de São José em Macau.
Foi beatificado pelo Papa Paulo V em 25 de Outubro de 1619 e canonizado pelo Papa Gregório XV em 12 de Março de 1622, juntamente com Inácio de Loyola.
>>Histórias e Milagres de São Francisco Xavier:
São muitas as histórias que se contam a respeito de São Francisco Xavier. Diziam que ele era capaz de prever o futuro, ver fatos que aconteciam à distância e que acalmava tempestades com boas palavras.
A imagem de São Francisco Xavier geralmente possui um carangueijo com um cruficixo nas tenazes (pinças). Segundo a tradição, enquanto navegava perto das ilhas Molucas, surgiu um grande temporal. Os marinheiros julgavam que iriam todos morrer e pediam misericórdia a Deus. Mas Francisco Xavier permaneceu calmo e pegando um crucifixo de madeira, mergulhou-o nas águas agitadas.
As ondas logos se desfizeram e o crucifixo desapareceu. Quando o navio chegou a praia e todos estavam desembarcando, viram um enorme carangueijo que trazia o crucifixo perdido. São Francisco Xavier recolheu o cruficixo sem dizer nada e o carangueijo voltou novamente para o mar.
Uma vez os ferozes Badagas cruzavam as montanhas, devastando o Travancore. O marajá apelou para São Francisco Xavier, que foi postar-se na primeira fila do pequeno exército. E segurando seu Crucifixo, caminhou contra o inimigo gritando: "Em nome de Deus, o terrível, eu vos ordeno que pareis". Os badagas das filas dianteiras ficaram aterrorizados e começaram a recuar, causando uma debandada total.
Na cidade de Quilon, cheia de pessoas de corações endurecidos, São Francisco Xavier ajoelhou-se e pediu fervorosamente a Deus que mudasse o coração daquele povo. Após a oração, dirigiu-se até o local onde um jovem havia sido enterrado na véspera e pediu para desenterra-lo e verificarem se estava realmente morto. Constataram que além de morto, estava cheirando mal. São Francisco Xavier ajoelhou-se e com potente voz disse: "Em nome de Deus e em testemunho da fé que prego, eu te ordeno: levanta-te dos mortos". O cadaver foi sacudido por um tremor e o morto voltou a vida. Após esse milagre muitos se converteram.
Contudo, é interessante lembrar que apesar dos grandes milagres que realizou, São Francisco Xavier sempre permaneceu humilde, chegando a cair em prantos incontidos e exclamar "É demais Senhor! Não sou digno!".
No seu processo de canonização a Santa Sé reconheceu "vinte e quatro ressurreições juridicamente provadas e oitenta e oito milagres admiráveis operados em vida" por São Francisco Xavier. E na bula de canonização são mencionados também muitos milagres depois de sua morte.
Resumo nº 03 da vida de São Francisco Xavier
Em toda a história cristã encontramos homens e mulheres que testemunharam o Senhor Jesus com a mente, o coração e, muitos deles, com a própria vida. Alguns deles, nutridos pelas verdades do Evangelho, com entiusiasmo e coragem, chegaram a conqustar para Cristo pessoas de todas as raças e culturas.
São Francisco Xavier é um destes contagiados pelo Amor. Seu ardor missionário e o testemunho de vida conquistaram o mundo e motivaram tantos outros a seguirem o mesmo caminho, como aconteceu com o bispo italiano Guido Maria Conforti que, 343 anos depois da morte de Francisco, fundou um instituto, os Missionários Xaverianos, para dar continuidade ao sonho de Xavier de evangelizar a China.
A VOCAÇÃO
Francisco Xavier nasce em Navarra, Espanha. Caçula de cinco irmãos, tem uma infância feliz até que o jogo das alianças políticas envolve a família numa guerra. Perdendo a guerra, a família de Xavier fica na ruína. O pai morre e os irmãos mais velhos fogem [exilados]. Ficará o jovem Francisco para administrar os negócios da família. Terminada a guerra, o irmão mais velho, Miguel, volta a assumir a liderança da família.
Francisco fica livre, então, para realizar seus sonhos: - entra no Seminário de Pamplona e, logo depois, viaja para Paris, a fim de se formar na melhor universidade da época. Tem dezenove anos e aspira, como muitos jovens daquele tempo, a fazer carreira na vida eclesiástica.
Xavier compartilha seu quarto, no Colégio Sta. Bárbara, com o jovem Pedro Fabro e com um estudante mais velho, atrasado nos estudos, mas muito avantajado na experiência de Deus: - Inácio de Loyola. A palavra e o exemplo de Inácio conquistam aos poucos o coração de Francisco para o seguimento radical de Jesus. Em setembro de 1534, sob a direção de Inácio, durante 30 dias faz os Exercícios Espirituais. Dois anos depois, viaja a pé, com os demais companheiros de Inácio, de Paris a Veneza, atravessando regiões em guerra e montanhas nevadas. No grupo, Xavier destaca-se pela alegria e bom humor.
A MISSÃO
Na festa de São João, do ano 1537, Xavier e os seis companheiros são ordenados padres. Alguns meses depois Xavier já se encontra em Bolonha, pregando em praça pública, cativando a simpatia do povo e rejeitando o dinheiro que lhe oferecem.
O excesso de trabalho e as penitências deixam-no amarelo e seco como um cadáver. Pensa-se até que Francisco “nunca serviria para mais nada”. Impossibilitado de participar da vida ativa dos outros companheiros, Francisco assume a função de secretário de Inácio, em Roma.
Um dia, Inácio chama seu secretário e amigo e diz:- “Mestre Francisco, sabeis que o Papa quer enviar dois de nós à Índia. Escolhemos Rodrigues e Bobadilla, mas este, agora, ficou doente. Então, esta é a sua missão!”. Xavier responde na hora: “Estou pronto”.
Arruma sua trouxa, vai ao Vaticano, para receber a bênção do Papa, e despede-se dos companheiros. Nunca mais os tornaria a ver nesta vida. Após sua passagem por Portugal, Xavier chega a Goa, uma bela cidade na costa ocidental da Índia. Seguindo seu costume, hospe-da-se em um hospital e se dedica ao cuidado dos doentes e a outras obras de caridade. Junto com a ação caritativa, inicia a evangelização do povo, pregando em praça pública. De Goa, Xavier viaja para a cidade de Cochin e para o cabo de Comorin, no sul da Índia, onde passa um ano, evangelizando os paravas, pescadores de pérolas.
SEMPRE MAIS ALÉM
De Cochin, Francisco Xavier escreve aos companheiros de Roma, queixando-se da falta de operários para trabalhar em tão grande messe e exaltando a alegria de servir. O efeito desta carta, lida nas igrejas, universidades e cortes da Europa, foi extraordinário. O ardor apostólico daquele missionário envergonha muitos cristãos acomodados e suscita vocações. Xavier projeta passar do sul da Índia para a ilha de Ceilão. Mas o projeto fracassa. O missionário, contudo, não perde tempo. Deixando um catequista em cada povoado, continua em frente.
De Meliapur, na costa oriental da Índia, navega até a Malásia. Depois de um mês de navegação, Xavier desembarca em Malaca. De lá, viaja às distantes ilhas Molucas, na atual Indonésia. Lá ouve falar de uma comunidade cristã abandonada, nas “Ilhas do Moro”. Dizem-lhe que é terra muito perigosa, porém Francisco lembra da sentença de Cristo: “Quem quiser salvar sua vida, vai perdê-la; mas quem perder sua vida por amor de mim, vai encontrála de novo” (Mt 16,25), e parte ficando lá por três meses.
O PRIMEIRO ANÚNCIO
Em Malaca, Francisco Xavier encontra-se com três habitantes de uma terra há pouco descoberta, chamada Japão. O incansável apóstolo pede a um dos japoneses que lhefaça um mapa de sua terra e, no domingo de Ramos de 1549, partem. Xavier é o primeiro missionário cristão a desembarcar no Japão. Mesmo sendo bem recebido, compreende que as conversões são mais difíceis do que na Índia. Lá bastava jogar as redes; no Japão, o missionário terá que pescar com vara. Em um ano, os cristãos não passam de cem. Depois de dois anos no Japão, sem notícias da Europa e da Índia, Xavier decide regressar. Deixa no Japão dois companheiros e várias comunidades cristãs já formadas.
O SONHO
Uma carta dos prisioneiros portugueses nos terríveis cárceres de Cantão, na China, motivou seu projeto de entrar no impenetrável continente chinês. Se o cristianismo for aceito na China, a Igreja crescerá mais facilmente também no Japão, pensava Xavier. Mas, em Malaca, o capitão Álvaro de Ataíde, almirante dos mares do Oriente, opõe-se à expedição à China. Mudado o plano inicial, o missionário não desiste. Um contrabandista aceita levar Xavier clandestinamente, até o continente, mas desaparece depois de receber o dinheiro.
O missionário cai doente. No dia 21 de novembro, depois de celebrar sua última missa, Xavier fica desacordado e morre na Ilha de Sancião no dia 3 de dezembro de 1552, com 46 anos, dez dos quais vividos no Oriente. A Igreja proclama oficialmente Xavier como Santo, Padroeiro do Oriente e das missões, em 1622. A vida deste homem sem fronteiras ensina-nos que vale a pena viver e morrer por Jesus Cristo e pelos irmãos.
Resumo nº04 da vida de Xavier
A infancia de São Francisco Xavier
Ao norte, entre o País Basco e os Montes Pirineus, na região da Navarra, ha um castelo muito bonito, incrustado nas rochas, o castelo dos Xavier. Ai nasce Francisco, um menino vivo, inteligente, obediente, piedoso. Ele tinha dois irmãos, Miguel e João. Em sua infância recebeu boa formação, na qual não poderiam faltar as histórias. Seu pai lhe contava fatos históricos, os feitos dos antigos reis da Navarra, e coisas curiosas acontecidas em um convento.
Dois irmãos e muitas lutas
Em conseqüência das guerras locais. Os direitos e títulos da família Xavier são prejudicados. O pai de Francisco perde o cargo importante que tinha na corte, adoece e morre em 1515. A família de Francisco está do lado da resistência ao invasor estrangeiro, mas a conquista consolida-se em 1515, quando Francisco tem oito anos.
Em Pamplona, a capital, obtêm uma vitoria contra os adversários, liderados por um moço de 30 anos chamado Inácio. Mas, em seguida, vem uma derrota atrás da outra. Depois de uma tentativa de reconquista franco-navarra em 1516, na qual os irmãos de Francisco tomam parte, a muralha, os portões e duas torres do castelo da família são destruídos, assim como o fosso que é tapado, a altura da torre de menagem reduzida para metade e as propriedades da família confiscadas. Só a residência da família dentro do castelo é poupada. Os irmãos de Francisco são encarcerados nas masmorras e condenados à morte, tendo no entanto obtido uma amnistia e sido libertados.
Na universidade
O mais jovem dos Xavier, ao contrario de seus irmãos, prefere o heroísmo silencioso dos estudos. Na capital, tira o primeiro lugar nos melhores cursos. Em 1525, Francisco vai para a Universidade de Paris! Faz com brilho os estudos de Filosofia. É ainda aqui, que aprende a dominar as línguas francesa, italiana e alemã.
É lá que vive todo o período que passa em Paris, primeiro como aluno e mais tarde como professor de filosofia do Colégio de Beauvais. Consta que terá feito grande sucesso entre os colegas por ser um rapaz muito inteligente, de espírito vivo, conversa fácil e bem constituído. Há relatos de que numa competição entre estudantes na ilha do rio Sena ter-se-á consagrado como campeão do salto em altura.
Foi nesta universidade que conheceu um aluno bem mais velho e de idéias objetivas então tudo mudou. Tratava-se de um ex-pajem do rei, aquele moço da batalha em Pamplona, o futuro santo Inácio de Loyola, fundador dos jesuítas. Ele havia sido ferido na luta. No longo tempo de hospital, fez o que você faz agora: leu vidas de Santos. Impressionado com os heróis de Cristo, desejava levar uma vida parecida com a dos Apóstolos. Quer formar um exército espiritual para fazer as almas marcharem para a santidade. Genial, não é?
O mundo ou a alma?
De inicio, Francisco lhe recusa as exortações, entretanto os nobres ouvidos do jovem Francisco logo se cansam de escutar de Inácio esta frase de São Lucas (9, 25): “De que serve ao homem ganhar todo o universo se vier a perder a sua alma?” A sentença fica girando em sua cabeça. Com o tempo, e a intercessão de Inácio, o coração de Francisco foi cedendo ao amor de Deus. Convidado, concorda em fazer os Exercícios Espirituais.
Prontos para a missão
A essa altura, o grupo de Inácio tem nove membros, todos doutores em teologia e gigantes de alma. Fundam uma ordem religiosa chamada Companhia de Jesus, e a colocam debaixo da obediência do Papa. São os jesuítas.
Francisco e mais alguns recebem a ordenação sacerdotal. Espalham-se pelas cidades, fazendo apostolado. “A renovação católica começa, e a onda protestante refluí.”
Neste periodo, a pedido do rei de Portugal, Pe. Francisco Xavier, Pe. Paulo de Camerino e Francisco Mansilhas são escalados para pregar missões no Oriente.
Na India
Goa é cidade populosa, há 30 anos está em mãos dos portugueses. tem várias igrejas e uma catedral com seu bispo. É importante centro comercial.
Francisco Xavier realizou uma das missões mais árduas da Igreja Católica. Ia de aldeia em aldeia, evangelizava os nativos, batizava as crianças e os adultos. Reunia as aldeias em grupos, fundava comunidades eclesiais e deixava outro sacerdote para tocar a obra, enquanto investia em novas frentes apostólicas noutra região.
A partir de Goa – com o apoio do Vice-Rei – estende as missões pelo sul da Índia, Malaca, Ilhas Molucas. Organiza as comunidades, proíbe abusos, socorre os necessitados, separa brigas. Para defender a Religião, enfrenta a tudo e a todos!
Além disso, faz muitas orações e penitências. Não esquece de recorrer a Nossa Senhora. Com intenso fervor, reza no túmulo do Apóstolo que pregou o Evangelho na Índia: São Tomé.
Explica aos católicos e aos pagãos o Evangelho, os Dez Mandamentos, o catecismo; ensina orações, cânticos; administra os Sacramentos. “Se eu fosse dividido em dez partes, todas elas precisariam atender confissões”.
O Japão
Ele agora estuda uma língua do Japão. Pois daqui há pouco irá para lá, nadando, se não tiver navio. Antes dessa aventura, chega, com mais dois japoneses, um samurai chamado Hashiro, que diz: “Queremos conhecer o homem de Deus que tem o poder de perdoar os pecados”.
Convertem-se, são batizados. Ficam amigos. No Japão tornam-se guias de Xavier, que permanece lá dois anos e pouco.
Qual o seu método? Através das crianças, converte os adultos. Ele deixa lá uma robusta e florescente cristandade! Antes de voltar à Índia, faz esse elogio do Japão: “Seu povo é o melhor dos descobertos até agora!”
No caminho da China, o Céu
Conquistado o Japão, o gigante das missões quer o país dos dragões. Entretanto, nessa China lendária, o perigo é real: entrar sem autorização significa prisão e morte. Ele não se incomoda, pois é portador de uma mensagem de Fé!
Mas os meios falham. Acompanhado de apenas dois auxiliares, um indiano e um chinês, ficou na Ilha de Sancião à espera do retorno do comerciante que se comprometera a transportá-lo. Celebrava diariamente ali o Santo Sacrifício do Altar, olhando sem cessar para o continente pelo qual com tanto ardor suspirava. Mas os dias e as semanas se passaram, e em vão aguardou Francisco a volta do chinês: este infelizmente nunca retornou!
Em sua improvisada cabana, onde, desamparado dos homens e padecendo frio, fome e toda classe de privações, deveria passar os últimos dias de sua heróica existência nesta terra de exílio, adoeceu e uma febre persistente o debilitou!
Àquele taumaturgo que havia ultrapassado grandes obstáculos operando milagres portentosos, o Senhor do Céu e da Terra reservava a mais heróica e gloriosa das mortes: a exemplo de seu Mestre Divino, Francisco Xavier morreria no auge do abandono e da aparente contradição.
Mesmo vendo que seu grande desejo não ia se realizar, de nada reclama. Conforma-se com a vontade divina, e falece na paz de Deus, em 3 de dezembro de 1552. Suas derradeiras palavras foram estas frases de um cântico de glória: In te, Domine, speravi. Non confundar in aeternum. Em Vós espero, Senhor. Não me abandoneis para sempre!
Seu corpo, é levado para Malaca e depois para Goa, onde está até hoje.
A Igreja o beatificou em 1619, canonizando-o em 1622. Celebrado no dia de sua morte, como exemplo do missionário moderno, são Francisco Xavier foi, com toda justiça, proclamado pela Igreja patrono das missões, e pelo trabalho tão significativo recebeu o apelido de “São Paulo do Oriente”.
QUADRINHO DE SÃO FRANCISCO XAVIER
Senhor, aqui estou.
Que queres que eu faça?
Envia-me para onde quiseres.
A VOCAÇÃO
Francisco Xavier nasceu a 7 de Abril de 1506 no Castelo de Xavier em Espanha, onde na Capela se encontra ainda hoje, o Cristo do Sorriso, diante do qual ele rezou.
Deixando o Castelo de Xavier, parte para Paris, com grandes sonhos ...
A CONVERSÃO
Frequenta a Universidade da Sorbona, partilha o quarto com Pedro Fabro, e aí em 1528 conhece a Inácio de Loiola que vai insistindo com ele, ele que obtém o grau de Mestre em Artes e sonha ser um professor de grande fama...
Sob a orientação de Inácio de Loiola todos fazem os Exercícios Espirituais
COMPANHIA DE JESUS
No dia da Festa da Assunção de Nossa Senhora em 15 de Agosto de 1534, numa pequena Capela de Monmarte, Fabro que já é Padre celebra a Missa, e antes da Comunhão, um após outro fazem uma solene Promessa que os unirá a Cristo para toda a vida.
Em 1536, em pleno Inverno, com o desejo de peregrinar até à Terra Santa, o «Grupo dos Companheiros de Jesus, amigos no Senhor», parte para Veneza e aí ficam em Hospitais tratando os doentes.
Em 24 de Junho de 1537, Xavier é ordenado Sacerdote em Veneza com mais alguns companheiros.
O ENVIO:
Por não partirem navios com peregrinos para a Terra Santa, põem-se à disposição do Papa Paulo III, para o que a Igreja precisar e espalham-se por toda a Itália a anunciar a Palavra de Deus.
O Papa quer que Inácio fique em Roma e forme uma Ordem religiosa. Por isso, Inácio escolhe Xavier como coordenador do grupo e colaborador na organização da Companhia de Jesus, como seu secretário e conselheiro.
Porém Deus tinha outros planos... o Embaixador de Portugal pede ao Papa missionários para o Oriente. Entretanto Bobadilha na véspera da partida adoece.
CHEGADA À ÍNDIA
Francisco Xavier destinado às Missões das Índias parte para Lisboa e em 7 de abril de 1541, dia do seu 35º aniversário embarca para a Índia, apesar do Rei D. João III o querer em Lisboa.
Na Índia, promove intensamente a Evangelização, aprendendo línguas nativas.
MISSÕES
A segunda visita é ao Hospital, onde fica, apesar de o quererem instalar na casa do Governador
.
Funda Comunidades Cristãs, Escolas e Casas da Companhia, o Colégio de S. Paulo
Prodigaliza curas e ressurreições como sinal de conversão e adesão a doutrina cristã
MISSÕES
Privilegia as Crianças, recorre a métodos originais como ensinar as orações e a doutrina através de músicas conhecidas.
Em Janeiro de 1544 faz a sua Profissão solene na Companhia de Jesus, em Goa, e é nomeado Superior da Missão no Oriente desde o Cabo da Boa Esperança até à China...
Continua a Evangelizar, percorre as terras do Cabo Comorim, Malaca, Sumatra, Bornéu, Celebes, Ambóino, Ternate, Moro, Cochim, etc
Ali quase ninguém ouvira falar de Jesus Cristo, catequiza e batiza muita gente...
Cuida dos doentes e Deus serve-se dele para fazer numerosos milagres, entre eles algumas ressurreições.
OS MILAGRES
Ao passar junto da Ilha de Ceilão desencadeou-se um grande tempestade. Os marinheiros pediram ao “Santo”, assim lhe chamavam, pedisse a Deus os livrasse daquele naufrágio.
Ele atou o crucifixo que sempre o acompanhava, a um fio e tocou com ele o mar, orando para que serenasse. E o mar acalmou, mas o crucifixo foi levado pela água.
Mas tantos ainda não conhecem a Jesus...
NOVAS TERRAS DE MISSÃO
Em Abril de 1549 navega para o Japão, acompanhado dum nativo convertido ao Cristianismo
Aprende a língua japonesa. Aí evangeliza durante mais de 2 anos. Em 1551 deixa o Japão. Ainda há terras onde é preciso levar Jesus... Regressa à Índia, com o projeto de ir evangelizar a China
FIM DA MISSÃO
Na madrugada de 3 de Dezembro de 1552 morre já em território da China,
na Ilha de Sanchoão, com o nome de Jesus nos lábios.
Em 12 de Março de 1622 é canonizado pelo Papa Gregório XV, juntamente com Santo Inácio de Loiola, e em 1904 é proclamado pelo Papa Pio X, Padroeiro Universal das Missões.
Deus fez de Francisco Xavier um grande Santo
Também pode fazer em nós, se deixarmos...
BREVE HISTÓRICO DA MISSÃO NAS INDIAS
Missionário como ninguém, operando os mais espetaculares milagres paraconverter povos inteiros para Jesus Cristo, Francisco Xavier imitou o Divino Mestre até o fim.
Início promissor
No dia 6 de maio de 1542, aportava na remota e lendária Índia, depois de conturbada viagem de treze meses, o filho dileto de Santo Inácio de Loyola. As portas da Ásia abriam-se diante desse sacerdote de apenas 35 anos de idade.
Seu primeiro campo de ação foi a cidade de Goa, principal colônia portuguesa no Oriente, onde os europeus esquecidos de sua missão civilizadora, dedicavam-se a um lucrativo comércio e se deixavam arrastar pela sensualidade e pelos vícios do mundo pagão.
Em poucas semanas, fizeram-se sentir naquela cidade o benéfico efeito da ação de presença, das pregações e do ativo zelo do novo missionário: "Tantos eram os que vinham se confessar que, se eu fosse dividido em dez partes, todas elas precisariam atender confissões" - escreveu ele em setembro de 1542 aos jesuítas de Roma.
"Num mês batizei mais de dez mil pessoas"
Depois de passar alguns meses nessa cidade, rumou Francisco para terras ainda mais distantes. Toda a costa sul da península indiana foi percorrida por ele. E a partir de então, sua vida tornou-se um ininterrupto peregrinar por terras, mares e ilhas longínquas, alargando sem cessar as fronteiras do Reino de Jesus. Em carta de janeiro de 1544, disse ele a seus irmãos de vocação: "Tanta é a multidão dos que se convertem à fé de Cristo nesta terra por onde ando, que muitas vezes me acontece ter os braços cansados de tanto batizar (...). Há dias em que batizo todo um povoado".
Um ano depois, relatava novas maravilhas operadas por Deus naquelas paragens: "Notícias destas partes da Índia: faço-lhes saber que Deus nosso Senhor moveu muitos, num reino por onde ando, a se tornarem cristãos, de modo que num mês batizei mais de dez mil pessoas. (...) Depois de batizá-los, mando derrubar as casas onde tinham seus ídolos e ordeno que rompam as imagens dos ídolos em pequenas partes. Acabando de fazer isto num lugar, dirijo-me a outro, e deste modo vou de lugar em lugar fazendo cristãos".
No Império do Sol Nascente
Assim, enfunadas as velas de sua alma pelo sopro do Espírito Santo, com heróica generosidade Francisco Xavier fez de sua existência um contínuo "fiat mihi secundum verbum tuum", lançando- se sempre, de ousadia em ousadia, à conquista de mais almas, para a maior glória de Deus.
Certo dia, estando na cidade de Malaca, apresentaram-lhe um homem de olhos oblíquos e mirada inteligente, que havia percorrido centenas de milhas tendo por único intuito encontrar-se com o célebre e venerável ocidental que perdoava os pecados... Seu nome era Hashiro e sua terra natal, o Japão.
Imediatamente, vislumbrou Francisco a riqueza que seria para a Igreja se o povo representado por esse intrépido neófito fosse santificado pelas águas do Batismo. Escreveu então a seu fundador, em janeiro de 1549: "Não deixaria eu de ir ao Japão pelo muito que tenho sentido dentro de minha alma, ainda que possuísse a certeza de que haveria de passar pelos maiores perigos da minha vida, porque tenho grande esperança em Deus Nosso Senhor que nessas terras há de crescer muito nossa santa fé. Não poderia descrever quanta consolação interior sinto em fazer esta viagem ao Japão".
Lutando contra adversidades de toda ordem, mais de dois anos passou Francisco no remotíssimo Império do Sol Nascente, fundando igrejas, anunciando a verdadeira fé a príncipes e nobres, a pobres camponeses e inocentes crianças. Em carta de novembro desse mesmo ano, declarou a seus irmãos residentes em Roma: "Pela experiência que temos do Japão, faço-lhes saber que seu povo é o melhor dos descobertos até agora".
Entretanto, tendo como objetivo conseguir mais missionários para essa promissora terra, partiu de volta à Índia, deixando no Japão, que não mais o veria, uma robusta e florescente cristandade.
Sempre mais!
Depois de ter percorrido o Extremo Oriente em todas as direções durante dez anos e levantado a Cruz no arquipélago nipônico, o coração de Francisco, insaciável da glória de Deus, lançou- se a conquistar novos povos para seu Rei e Senhor: a China seria agora sua grande meta. Pela importância do império chinês, por sua incalculável população e, sobretudo, seu prestígio e riqueza cultural, compreendeu que, se fizesse nele correr as águas batismais, a Ásia inteira se prostraria aos pés do Divino Redentor.
"Este ano espero ir à China, pelo grande serviço a nosso Deus, que lá se poderá obter", escreveu em janeiro de 1552 a seu pai, Inácio de Loyola. No mesmo ano, referindo-se a esta nação, comunicou a seus irmãos de vocação os anelos e esperanças de sua alma de missionário: "Vivemos com muita esperança de que, se Deus nosso Senhor nos der mais dez anos de vida, veremos grandes coisas nestas regiões. Pelos méritos infinitos da Morte e Paixão de Deus nosso Senhor, espero que Ele me dará a graça de fazer essa viagem à China".
A última viagem
Retornando do Japão, pouco tempo se deteve o Pe. Francisco na Índia. Apenas o suficiente para atender as necessidades da Companhia de Jesus nessas terras e preparar a tão desejada viagem à China.
Um dedicado amigo do infatigável missionário, chamado Diogo Pereira, empregou toda a sua fortuna fretando um navio, carregando-o com esplêndidos presentes para o imperador da China e adquirindo magníficos paramentos de seda e de damasco, e todo tipo de ricos ornamentos para celebrar a Santa Missa com toda a pompa, de modo a dar aos chineses noção da grandeza da verdadeira religião que lhes seria anunciada.
Antes de viajar, o Santo escreveu ao Rei de Portugal, em abril de 1552: "Parto daqui a cinco dias para Malaca, que é o caminho da China, para ir dali, em companhia de Diogo Pereira, à corte do imperador da China. Levamos ricos presentes comprados por Diogo Pereira.
E da parte de Vossa Alteza levo um que nunca foi enviado por nenhum rei nem senhor a esse imperador: a Lei verdadeira de Jesus Cristo nosso Redentor e Senhor". Assim, no dia 17 de abril de 1552, embarcou na nave Santa Cruz para conquistar o império de seus sonhos
"Desamparado de todo humano favor"
No entanto, poucos dias de navegação haviam transcorrido, quando desencadeou- se terrível tempestade. A tripulação do navio, espantada com a violência dos elementos e tendo perdido qualquer esperança de salvação, pedia com grandes clamores o sacramento da Penitência. Francisco Xavier, imperturbável, recolheu-se em profunda oração. E imediatamente - assim como outrora à voz do Divino Salvador as águas do Lago de Genezaré haviam- se acalmado - o vento cessou de soprar e as ondas tornaram-se suaves e calmas pela fé e pelas preces desse humilde conquistador de impérios.
Mas a partir deste momento, não cessaram os infernos de levantar obstáculos e contrariar a viagem. "Tende por certo e não duvideis que de modo algum quer o demônio que os da Companhia do nome de Jesus entrem na China" - escreveu ele em novembro de 1552 aos padres Francisco Pérez e Gaspar Barzeo.
Chegando à cidade de Malaca, última escala antes de penetrar em águas chinesas, inopinadamente, o capitão português desse porto - que, aliás, devia seu cargo aos bons ofícios e recomendações de Francisco - impediu a continuação da viagem, alegando que só a ele caberia o comando de uma expedição à China...
Tendo sido inúteis todas as súplicas e rogos, empregou Francisco Xavier um último recurso: apresentou a bula papal que o nomeava legado pontifício, a qual até então nunca havia utilizado, e exigiu a plena liberdade de viajar à China em nome do Papa e do Rei de Portugal.
Além disso, anunciou ao obstinado capitão que incorreria em excomunhão se continuasse a impedir a partida do navio. Sem embargo, também isso foi inútil. A ambição e a cobiça desse infeliz levaram-no ao extremo de insultar e maltratar aquele peregrino da glória de Deus.
Finalmente, após várias semanas de espera, a nave Santa Cruz pôde singrar as águas em direção à China, mas sob o comando de homens nomeados pelo capitão português, o qual morreu pouco tempo depois, excomungado e corroído pela lepra.
Com o coração partido, Francisco revelou ao Pe. Gaspar Barzeo em julho de 1552: "Não podereis acreditar quanto fui perseguido em Malaca. Vou para as ilhas de Cantão, no império da China, desamparado de todo humano favor".
À espera do barco, olhando sem cessar para a meta.
Sancião era o nome dado pelos portugueses à inóspita ilha de Shangchuan, situada a 180 quilômetros da cidade de Cantão. Nessa ilha, onde os navios europeus costumavam aportar para comerciar com os chineses, desembarcou o santo missionário em outubro de 1552.
Esforçaram-se ali os portugueses por encontrar, entre os numerosos mercadores chineses, algum que se prontificasse a levá-lo a Cantão. Todos, porém, se escusavam, pois isso era vedado pelas leis imperiais, e os transgressores expunham- se a perder todos os haveres e até a própria vida. Por fim, um deles, decidido a correr o risco, se dispôs a transportar São Francisco numa pequena embarcação, mediante o pagamento de 200 cruzados.
"Os perigos que corremos neste empreendimento são dois, segundo a gente da terra: o primeiro é que o homem que nos leve, depois de receber os duzentos cruzados, nos abandone numa ilha deserta ou nos jogue no mar; o segundo é que, chegando a Cantão, o governador nos mande para o suplício ou para o cativeiro" - escreveu Xavier ao Pe. Francisco Pérez.
Esses perigos, porém, o infatigável apóstolo não os temia, pois seguro estava de que "sem a permissão de Deus, os demônios e seus asseclas nada podem contra nós".
Acompanhado de apenas dois auxiliares, um indiano e um chinês, ficou na Ilha de Sancião à espera do retorno do comerciante que se comprometera a transportá-lo. Celebrava diariamente ali o Santo Sacrifício do Altar, olhando sem cessar para o continente pelo qual com tanto ardor suspirava. Mas os dias e as semanas se passaram, e em vão aguardou Francisco a volta do chinês: este infelizmente nunca retornou.
Últimas palavras de um santo
As forças físicas do ardoroso missionário chegaram então ao termo. Uma altíssima febre o obrigou a recolher- se em sua improvisada cabana, onde, desamparado dos homens e padecendo frio, fome e toda classe de privações, deveria passar os últimos dias de sua heróica existência nesta terra de exílio.
Àquele varão que não conhecera o cansaço, àquele apóstolo que com sua palavra arrastava multidões, àquele taumaturgo que havia ultrapassado grandes obstáculos operando milagres portentosos, o Senhor do Céu e da Terra reservava a mais heróica e gloriosa das mortes: a exemplo de seu Mestre Divino, Francisco Xavier morreria no auge do abandono e da aparente contradição.
Alguns dias antes de entregar seu espírito, entrou em delírio, revelando então a magnitude do holocausto que a Providência lhe pedia: falava continuamente da China, de seu veemente desejo de converter esse império e da glória que adviria para Deus se esse povo fosse atraído para a Santa Igreja Católica...
E nas primeiras horas da madrugada de 3 de dezembro de 1552, Francisco Xavier expirou docemente no Senhor, sem uma queixa ou reclamação, divisando ao longe aquela China que não conseguira conquistar e que tanto havia desejado depositar aos pés de seu Rei, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Suas derradeiras palavras foram estas frases de um cântico de glória: In te, Domine, speravi. Non confundar in aeternum. Em Vós espero, Senhor. Não me abandoneis para sempre!
A maior glória de Deus
À primeira vista, sobretudo para quem não tem seu olhar habituado a contemplar os horizontes infindos da Fé, a vida de São Francisco Xavier parece, em certo sentido, frustrada.
De Francisco Deus não queria a conversão da China, mas queria a sua alma. (Morte de São Francisco, Igreja de São Pedro, Lima)
Quantas almas não se teriam salvo e quanta glória não haveria recebido a Santa Igreja se o imenso e super povoado império chinês houvesse sido evangelizado por este apóstolo de fogo! Entretanto, quando se encontrava ele, finalmente, às portas desta nação, depois de haver passado por dificuldades e combates de toda ordem, o chamado de Deus se fez ouvir: "Francisco, meu filho, cessa tua luta e vem a Mim!" Oh! mistério do Amor Infinito! De Francisco, Deus não queria a China... mas queria Francisco.
E o intrépido conquistador respondeu, sem hesitar, como Jesus no Horto das Oliveiras: "Senhor, faça-se a vossa vontade e não a minha. Sim, Redentor meu, cumpram-se, antes de mais nada e sobre todas as coisas, vossos perfeitíssimos desígnios e assim, e só assim, Vos será dada a eternidade!" maior glória nesta terra e por toda a eternidade.
Soprava com persistência o frio vento do norte e as ondas do oceano rompiam cada vez mais violentas naquela praia que parecia deserta. O céu, coberto de plúmbeas nuvens, escurecia rapidamente, prenunciando longa e tormentosa noite.
Não muito longe da beira do mar, elevava-se uma mísera cabana, feita com algumas pranchas de madeira carcomida, cuja cobertura de palha seca era agitada pelo vento glacial. Dentro dela, estendido sobre uma esteira, um homem agonizava. Seu corpo exangue ardia consumido pela febre, mas seu olhar profundo e vivo espelhava um espírito de fogo, refletia a eternidade... Morria o Apóstolo do Oriente, Francisco Xavier.
Roteiro das viagens de São Francisco Xavier
TÍTULOS HONORÍFICOS A SÃO FRANCISCO XAVIER
O Gigante da História das Missões
Padroeiro das missões*
(em 1925 pelo Papa Pio IX)
O Apóstolo do Oriente
Patrono do Oriente
(em 1748 pelo papa Benedito XIV)
Apóstolo da Índia
São Paulo do Oriente
Patrono Universal das missões e
Patrono da Propagação da Fé (pelo papa Benedito XIV)
Padroeiro dos missionários
Protetor dos Navegantes
*Foi proclamado juntamente com Santa Terezinha.
PADROADO PELO MUNDO
Ásia
Austrália
Japão
Nova Zelândia
Macau (diocese)
Goa – ÍNDIA
Salvador – BA
Registro – SP
Niteroi – RJ
Barcarena - PA
Resina - Araci – BA
Turismo
Missões
E muinto mais...
NOTA
Dia litúrgico: 3 de Dezembro
Causa da morte: Febre contraída durante a atividade missionária numa ilha da China.
Título na Igreja: Apóstolo do Extremo Oriente.
Conhecido por: Ser um gigante na história das missões, batizando mais de 50.000 pessoas de todas as raças e idades, desde crianças até estudantes universitários, de pobres leprosos a reis saudáveis.
Evangelizador em: Itália, Portugal (Europa), Moçambique (África); India, Malasia, Indonésia, Japão, ilha da China e dezenas de ilhas (Ásia); e Ilhas Molucas (Oceania) – 04 Continentes
Padroeiro de: Missões ad gentes, missionários, navegantes, missões paroquiais.
Lições de São Francisco Xavier
"São Francisco Xavier tem sua coroa de santidade esmaltada com o título de "Padroeiro das missões". Mas não está solitário. No dia 14 de dezembro de 1927, S.S. Pio XI declarava Santa Teresinha do Menino Jesus como padroeira universal das missões e missionários do mundo inteiro.
Um rápido olhar a seu espírito abrirá panoramas imensos a nossos olhos. Seus ensinamentos serão luminosos para as necessidades e preocupações de hoje. União, que parece estranha, com o "valente capitão de Deus", "o intrépido apóstolo das Índias e do Japão, que percorre regiões e latitudes sem descanso para levar a mensagem de Cristo, a humilde carmelita, escondida em um Carmelo francês, humanamente impotente, morta aos vinte e quatro anos de idade. Porém, as obras de Deus não podem ser apreciadas somente com os olhos humanos. Deus se vale de instrumentos fracos para fazer grandes coisas, e o valor das obras não está só na grandeza de sua materialidade, mas sim principalmente em seu espírito que as impulsiona e informa.
São Francisco Xavier é o homem de zelo abrasador que quanto mais terreno por arar encontra, mais se entusiasma. As dificuldades e obstáculos suavizam seus frutos, ao menos aparentes, mas aumentam seus anseios e aspirações de conquista de almas para Cristo. Goa, Pescaria, Travancor, as Molucas, Malaca, Meliapur, Yamaguchi, Bungo ... são testemunhas de sua impaciência evangélica e de sua prodigiosa atividade.
São Francisco Xavier é o taumaturgo, o evangelizador, aquele que batiza e doutrina, aquele que estabelece novas comunidades cristãs, aquele que sente desejos de uma loucura santa para clamar por terras européias a necessidade de operários missionários, pois "muitos cristãos deixam de contribuir nestes trabalhos por não haver pessoas que em tão piedosas e santas coisas se ocupem", é ele que com seus dons carismáticos acredita e garante seu apostolado, aquele que com seu tato admirável sabe acomodar-se a todos para ganhá-los, ele que escreve ao Rei de Portugal, a Inácio de Loyola, a Roma impulsionado sempre por seu ardor apostólico, sacrificado, animado, empreendedor. Pede orações, pede missionários. As Índias e o Japão tinham presenciado o espetáculo maravilhoso de seu zelo. Contudo não lhe basta a seu coração endeusado; faz tempo que sente-se atraído pelo vastíssimo império da China e se propõe empreender sua conquista espiritual. A aventura é atrevida e heróica, mas não importa. Tenta todos os meios, suas ânsias são vivíssimas, o amor de Cristo lhe urge... Porém outros eram os desígnios de Deus. A Ilha de São Sião, já às portas da China Imperial, recolhe o último suspiro e o olhar de despedida, entrevisto pela neblina de uma ilusão truncada. Seu coração já não era deste mundo. Tinha quarenta e seis anos.
Sua morte parecia selada com o estigma de um fracasso, porém a realidade era muito outra, o que observou S.S. Pio XII: Uma morte tal tem o valor espiritual que não se esgota; o valor do Dom total da vida por aqueles a quem se ama – e não existe maior amor –, valor de exemplo para tanta almas de apóstolos que o seguiram e o seguirão na carreira missionária.
Humanamente ainda se surpreende e se admira ao contemplar as vastas regiões por ele evangelizadas. Porque não se trata de uma longa vida com todo conjunto de elementos e ajudas, com a facilidade de modernas comunicações do século XX, trata-se simplesmente de uns dez anos e com escassos recursos humanos e com as viagens do século XVI. Recordemos, porém, que seus triunfos não são triunfos humanos, são triunfos divinos. Como dirá ele: "Deus é o que move a que venham a seu conhecimento". Não obstante, a história aí tem uma vida que se consume pelo seu ideal, uma vida com ânsias infinitas do triunfo de Cristo no mundo. São meados do século XVI.
Nos transferimos para o século XIX. Uma freira passeia solitária pelo pátio do Carmelo de Lisieux. É jovem e vai pensativa. Sua obsessão é o amor. Amar, ser amada e faz amar ao AMOR. Sente vocação de guerreiro, de sacerdote, de apóstolo, de doutos, de mártir... Seus anseios apostólicos são transbordantes: "Quisera percorrer a Terra," diz "profetizando vosso Nome e plantando, amado meu, em terra infiel vossa gloriosa cruz. Mas não me bastaria uma só missão, pois desejaria poder anunciar a um tempo vosso evangelho em todas as partes do mundo, até nas mais longínquas ilhas. Quisera ser missionária, não só durante alguns anos, mas sim ter sido desde a criação do mundo e continuar sendo-o até a consumação dos séculos" (H.A., XI)
Suas aspirações são incontidas, um verdadeiro martírio. Um dia venturoso abre as Epístolas de São Paul que lhe dão solução satisfatória. Compreende que sua vocação é o amor. Seu coração havia encontrado a paz. Sua vocação será o amor, mas o amor tingido com a dor, pois o verdadeiro amor alimenta-se de sacrifícios.
Mesmo antes de entrar no Carmelo, um domingo de julho de 1887, ao contemplar o sangue precioso que cai na terra, em uma pintura de Jesus crucificado, havia sentido algo novo. Seu espírito parece ouvir o grito de Jesus moribundo: Tenho sede! E seu coração se acende em um vivíssimo ardor para ela até então desconhecido. Sente-se devorada pela sede de almas e a todo custo queria arrancar da chamas eternas os pecadores. Deus lhe depara em Pranzini seu "primeiro filho" e a partir de então cada dia aumenta mais nela o desejo de salvar as almas. Já em maio havia pedido para entrar no Convento. Sabe que ali poderá cumprir fielmente sua vocação. Ela declarará mais tarde antes de professar: Vim ao Carmelo "para salvar almas e, sobretudo, para rogar pelos sacerdotes" (H.A., VII). "Se escolhi uma vida tão rigorosa, não é para expiar meus pecados, mas sim o do próximo", escreverá ao Pe. Belliere. E ao Pe. Roulland:
"Serei virtuosa trabalhando consigo pela salvação das almas. Estes mesmos desejos foram os que me impulsionaram a abraçar a rigorosa vida do Carmelo Descalço; não podendo ser missionária da vida ativa, o que quis ser pelo amor e à penitência, como minha Excelsa Santa Teresa..."
No claustro carmelitano, escondida dos olhares do mundo, só atenta a Deus, será a grande missionária. Todos seus desejos centram-se no amor. Amor a Jesus e fazer-lhe amar. E isto não por uns quantos anos, quisera fazer missões até a consumação dos séculos. Por isto jamais se arrependerá de ter trabalhado unicamente para salvar almas, ainda que por conseqüência disto tenha que estar no purgatório, E terá aquele atrevido pensamento escrevendo ao Pe. Roulland:
"A única coisa que desejo é fazer amar a Deus; e confesso que se no céu não puder trabalhar por sua glória, preferiria o desterro à pátria."
É idéia que embeleza. Diz à Celina: "Na noite desta vida só devemos fazer uma coisa: amar a Jesus com toda a alma e salvar almas que o amem ... Oh! Fazer amar ao Amor!" Se deseja ir a Cochinchina é para "sofrer muito por Deus", "para estar só". Reconhece que Deus não necessita de nossas obras e está certa que ela não prestaria serviço algum, "mas sofreria e amaria. É isto o que tem valor" aos olhos de Deus.
Já às portas da morte só neste ideal missionário, nesta sede de almas, encontra a explicação dos terríveis sofrimentos que padece; mas, sem dúvida, não se arrepende de haver se entregado ao AMOR. No céu desejará o mesmo que na terra:
"Amar a Jesus e fazer-lhe amar".
Sua vida terrena passou fugaz, mas sua estrela permanece brilhante. E não é só a santa enamorada e recostada nos braços de Jesus, é a grande missionária, a Patrona Universal das missões católicas. Ela compreendeu o verdadeiro apostolado e o praticou e segue praticando. Por isto a Santa Sé, guiada pelo Espírito Santo, a declarou patrona universal das missões e missionários do mundo inteiro, tal qual São Francisco Xavier.
Duas vidas com um idêntico ideal, porém com modalidades, ao parecer, inconciliáveis. Não obstante, o observador atento poderá ver um luminoso ponto de contato. E é que, ainda que por caminhos distintos, é sempre o mesmo Espírito o que dirige e marca a rota de cada alma.
É a unidade em uma variedade maravilhosa. Tirai, se não, o amor ardente a Jesus, o zelo pela salvação das almas, a abnegação e desprendimento do ser humano, a confiança em Deus, e não teremos nem o intrépido Apóstolo das Índias e do Japão, nem tampouco a Santa Teresa de Lisieux; não serão patronos das mesmas missões; é mais: nem missionários verdadeiros. Não haverá subsolo que faça frutificar, faltaria a seiva que há de dar vigor e frescor a todas as atividades e aparências humanas.
Nisto que tem de característico e diferencial poderíamos contudo contemplar algo próprio seu, em alguma maneira incomunicável, e algo extensivo a todos ou a uma maioria considerável. São Francisco Xavier sempre será jesuíta e Santa Teresinha do Menino Jesus, sempre será Carmelita Descalça. É algo que não pode faltar em sua vida. Porém, ao lado disto e compenetrado com ele, existe algo que não se circunscreve a suas respectivas famílias religiosas, nem a um denominador comum de todos os santos. Sem dúvida, não vamos expor aqui estes pontos. No deteremos tão só em deduzir algumas consequências práticas.
Sem circunscrevermos o terreno estritamente missionário, São Francisco Xavier tem sua palavra que dizer aos apóstolos do século XX. Sua vida, ainda que longínqua, pode vivificar o apostolado de nossos dias e comunicar-lhe um brioso impulso. Não é coisa nova, mas é realidade vivida.
São Francisco Xavier é o homem que não se apavora ante as dificuldades e obstáculos que se apresentam a seu apostolado. Nunca se deixa dominar pelo desalento ou pelo pessimismo. É a primeira lição. Ante as escandalosas defecções, ante o materialismo e a imoralidade que avançam, ante o mais descarado nudismo, criação monstruosa do materialismo e do hedonismo mais bestial e selvagem, ante o inimigo que destrói a truncada esperança e labor de séculos, ante o golpeaço do comunismo ateu que ameaça, é oportuno recordar o esforço e a intrepidez de São Francisco Xavier. Morrer sim, retroceder jamais.
São Francisco Xavier é o homem que põe em ação os meios que estão a seu alcance, fazendo-se disponível a todos para levá-los todos a Cristo. É a segunda lição. Se ante o príncipe Outsi Yositaka de Yamaguchi apresenta-se com um brado de ostentação, não é porque São Francisco Xavier goste dele, é porque nele vê um meio de conseguir seu objetivo de introduzir a mensagem de Cristo. Hoje existe muitos meios que poderão ser utilizados para o apostolado. Temos que convencer-nos que os avanços da ciência não podem ficar inativos porque os filhos das trevas os aproveitem par ao mal. Não é tática o comentar-se em lançar maldições conta o abuso dos meios de progresso. O melhor será prevenir e contrapor-se com um justo emprego para o bem. A mera negação não conduz a nada. Se fecha-se um horizonte tem que abrir-se outro. Ainda que os recursos mais ou menos acumulados pela filantropia, prestarão grande serviço ao apostolado. Formosas consignas deu para as missões S. S. Pio XII na encíclica "Evangelii Praecones". Não percamos a ocasião e o tempo.
Recordemos finalmente a terceira lição de São Francisco Xavier. É importantíssima e ainda que antiga, é sempre nova. Todo este elemento externo há de ir vivificado por algo sobrenatural. Há de ser impulsionado pelo amor de Deus, o zelo autêntico pela salvação das almas e pelos interesses de Jesus Cristo. Como dice o santo Papa Pio XII:
"O apostolado é em si mesmo fruto da caridade: do amor a Deus, que se quer glorificado em cada alma; do amor ao próximo que se anseia participe do Sumo Bem; expressão da caridade, o apostolado se realiza e se valoriza na mesma caridade."
Nem há de ser uma intrepidez e otimismo naturais, mas sim baseados em uma grande confiança em Deus. São Francisco Xavier pôs todos os meios humanos, mas sua esperança estava em Deus. Isto é muito inaciano e muito cristão.
Diremos ainda com o mesmo Santo Padre: São Francisco Xavier "a partir do centro da cristandade, com o braço levantado... continua chamando para si os corações generosos. Jamais uma prudente organização de seu trabalho missionário houvera tido o efeito desta grande chama de amor que lhe devorou em alguns anos e que brilha para sempre nas praias do Extremo Oriente."
Seu esforço magnânimo e seu zelo inquebrantável estão perenemente reprovando a negligência de uns e alentando o espírito abnegado e apostólico de outros. E para todo cristianismo está o exemplo de um homem que se consagrou plenamente a seu ideal missionários sem reservas pessoais nem egoístas.
São Francisco Xavier morreu em 1552, na Ilha de Sanchoão, na província de Cantão na China e, no ano seguinte, quando seu corpo foi trasladado para ficar junto aos cristãos, estava também em estado incorrupto46. O corpo foi levado para Malaca, onde ficou exposto à visitação de inúmeros fiéis, e já começou a operar milagres antes de ser novamente enterrado. Mas este não foi o último repouso do santo: alguns meses depois, foi desenterrado para ser levado a Goa, quando foi mais uma vez constatado seu estado de incorruptibilidade e o perfume paradisíaco que emanava do corpo. Em março de 1554, o corpo chegou a Goa, onde foi recebido com grandes festas e sepultado na Igreja do Colégio de São Paulo dos Jesuítas. Também lá, o corpo de Francisco Xavier logo começou a promover milagres: exalou sangue fresco de uma chaga próxima a seu coração, curou várias pessoas, devolveu a visão a um homem (LUCENA, 1989 [ 1600], p. 201 -209). Uma relíquia de são Francisco Xavier aportou em Salvador e, levada em procissão em um andor em meio a uma epidemia em 1686, devolveu a saúde à cidade, que adotou então o santo como seu padroeiro.
FESTEJO EM JAVIER NA ESPANHA
Goa na Índia
Devotees at the Feast after the High Mass / The SeCathedral at Old Goa
Padroado pelo mundo
Um outro inequívoco sinal da popularidade do culto de Xavier no Oriente foi a dedicação de inúmeras igrejas, capelas e confrarias a Francisco Xavier no Oriente muito antes da sua beatificação. Isto é, em 1603 o Geral Cláudio Acquaviva autorizou a construção da primeira igreja dedicada a São Francisco Xavier em Cotar, Cabo Comorim (atual Estado de Madya Pradesh, Sul da Índia).
O Papa Benedito XIV outorgou-lhe o título de Patrono da Propagação da Fé e Patrono Universal das Missões, Em 1925, o Papa Pio IX proclamou São Francisco Xavier, juntamente com Santa Terezinha, Padroeiro das Missões.
O Papa Benedito XIV em 1748 outorgou-lhe o título de Patrono do Oriente. Em 1904, o Papa Pio X deu-lhe o título de Patrono da Propagação da Fé e Patrono Universal das Missões. O Papa Pio XI proclamou Francisco Xavier juntamente com Santa Teresinha do Menino Jesus, padroeiro universal das missões. Foi considerado o maior de todos os missionários, sendo chamado “O Gigante da História das Missões”.
São Francisco Xavier foi declarado Beato em 1619 e, em 12 de março de 1622, canonizado junto a Inácio de Loyola. No século XVII e XVIII, foi venerado como padroeiro dos viajantes marítimos e dos anunciadores do Evangelho, padroeiro contra a peste e para uma boa morte. Em 1748, foi declarado padroeiro das Índias e de todo o Oriente. Em 1917, foi declarado padroeiro de todas as missões católicas junto a Santa Teresinha do Menino Jesus. A Igreja celebra sua memória na data do aniversário de sua morte, dia 3 de dezembro.
Como Guido M. Conforti o conheceu e o propôs a nós.
Além do fascínio pelo Cristo Crucificado, há um segundo, que caracteriza a vida e a ação de Guido M. Conforti, e é aquele relacionado à pessoa de Francisco Xavier. Tanto nos escritos quanto na pregação, com muitíssima freqüência, refere-se a ele espontâneamente, de quem fala como de um amigo, de quem conhece e lembra de cor a virtude e a ação, podendo discorrer sobre ele sem necessidade de um texto preparado2. Suas intervenções neste assunto traçam lineamentos precisos e pontuais, de modo a oferecer claramente “um Xavier segundo Conforti”.
Para Conforti «o Xavier», como ele costumava dizer, é o homem que soube se deixar ransformar pelas Palavras do Evangelho, soube vivê-lo, empregando toda sua força de vontade. Configurouse, assim, a Jesus Cristo, como sua cópia fiel, assumindo-lhe a fisionomia, mediante a contemplação e a realização da caridade, na oração e na união com Deus, até se tornar apóstolo obediente.
Xavier, convertido pela Palavra
«A figura de Xavier surge para nós neste momento em toda sua grandeza, e nos faz exclamar que o Senhor é sempre admirável em seus Santos e, de modo particular, em Francisco Xavier. Admirável foi sua conversão, operada por Ignácio de Loyola ao proferir uma simples máxima do Evangelho.
Admiráveis suas ascensões rápidas rumo aos mais altos cumes da perfeição cristã, admirável seu apostolado, quer pela extensão, que abarcou uma grande parte do Extremo Oriente, quer pelo grande número de conquistas realizadas, admirável pelos inúmeros prodígios realizados por meio de Xavier, a confirmar a divindade de sua missão; admirável, enfim, sua morte, acontecida no ano de 1552 na Ilha de Sanciano, à vista da imensa China, por cuja conquista suspirava Xavier. «“De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se depois perder a própria alma? Tais palavras, meditadas de maneira profunda, transformaram Francisco Xavier, fazendo dele um dos maiores Apóstolos de que pode se gloriar a Igreja Católica. Ele compreendeu, por meio dessas santas palavras, duas grandes verdades: o nada das coisas terrenas e a preciosidade da alma humana. Compreendeu que tudo quanto o mundo possa prometer e dar - prazeres, riquezas e honras -, não é outra coisa que vaidade das vaidades e aflição do espírito, porque todos esses bens são fugazes, vis, incapazes de satisfazerem o coração, portanto, indignos das aspirações de um ser feito para bens eternos.
Compreendeu que só uma coisa é verdadeiramente preciosa: a alma, porque imortal, feita à imagem de Deus e redimida pelo sangue de Cristo; salvando-se a alma, tudo é salvo; perdida a alma, tudo é perdido e para sempre. Essa grande verdade, meditada com seriedade, deu novos rumos a seus pensamentos, a seus afetos e às suas obras, transformando-o em um homem todo celestial, desejoso da própria santificação e a dos irmãos. E até que ponto isto influiu sobre ele, no-lo diz sua vida de contínua ascensão na santidade, no-lo confirmam os frutos maravilhosos de seu apostolado.»
«Ao olhar para ele (Francisco Xavier), a fé se acende, porque somente uma fé divina pode produzir homens divinos; quero dizer, homens nos quais desaparece quase que por completo o que é humano e terreno e refulge apenas a obra sobrenatural daquela graça que torna divina a criatura, elevando-a até a altura de Deus. A todos quantos dele se aproximavam, logo parecia que tudo concorria para dele formar um herói, um gênio, um santo. De nobilíssima linhagem espanhola, com reconhecida capacidade, grande coração, belo aspecto e modos distintos, era o orgulho de sua cidade natal e a glória da erudita Paris, que nele saudava o mais jovem e o mais aplaudido professor da Sorbonne. E ele, apesar de costumes ilibados entre a corrupção do ambiente em que vivia, não era indiferente ao hálito da glória que soprava a seu redor; procurava o louvor humano e sonhava com as grandezas terrenas. Entretanto, à luz de uma daquelas verdades evangélicas, que descortinam aos olhos infinitos horizontes, disse: não as quero, porque indignas das aspirações de uma alma imortal, feita para bens eternos. Somente a Deus dirigiu todos os afetos de seu coração, entregou-se ao seguimento do grande Ignácio de Loyola e decidiu, em seu coração, ser apóstolo para conquistar para Deus o mundo pagão.
Xavier, o homem que quis e lutou
«Com uma tenaz vontade e dispêndio de energias que despertam a admiração de todo aquele que analisá-los por um instante, trabalharam para configurar Jesus Cristo em si mesmos, do mesmo modo que o escultor, com golpes de martelo e formão, extrai, do bloco grosseiro e disforme, a obra de arte. De fato, para alcançar esta semelhança com Cristo, quanta violência precisaram cometer contra si mesmos, quantas dificuldades superadas, quantos sofrimentos e dores suportados no caminho da vida! Alguns tinham hábitos maus a corrigir, inclinações perversas a refrear, como Agostinho, Maria Madalena, Margarete de Cortona, mas ressurgiram de vez para uma nova vida e tornaram-se grandes na santidade. Outros, de caráter impetuoso, eram fáceis às reações, como o Salésio, João Gualberto, Camillo de Lellis, mas chegaram depois a tal domínio de si mesmos, que passaram a ser considerados a personificação da doçura e da ansidão. Outros, sentiam exagerado apego aos bens terrenos, àquele luzente metal que endurece os corações, tornando-os cruéis consigo mesmos e com o próximo, mas depois, vencidos pela caridade de Cristo, passaram a gozar da pura felicidade de beneficiar os irmãos e por eles se sacrificaram, como João de Deus. Não poucos eram dominados pela vaidade, procuravam o louvor humano, acariciavam sonhos de grandeza terrena, como Xavier, mas depois dirigiram o pensamento e o coração para ideais mais nobres, realizações mais grandiosas e, esquecidos de si mesmos, tornaram-se apóstolos da Divina glória, a quem consagraram todas suas energias.»
Xavier, cópia fiel de Jesus Cristo
«A minha vida é Cristo, dizia o Apóstolo: mihi vivere Christus est3. Nesta palavra está contido o segredo da santidade. A santidade consiste em viver da vida de Cristo. Alguns são a imagem de seu poder, outros, de sua humildade, alguns, de sua mansidão e utros, de sua fortaleza. O Cristão é um outro Cristo. E isso nós percebemos claramente também em nosso celebrado Protetor, São Francisco Xavier.
Façamos uma comparação entre ele e Cristo, modelo dos predestinados, e veremos que foi cópia fiel do Mestre. Cristo viveu desapegado de todas as coisas terrenas. Francisco Xavier, por meio de uma máxima do Evangelho, descobriu o nada, desapegando-se de tudo - da família, da pátria, das riquezas -, e abraçando a pobreza de Cristo.
A vida de Cristo encontra-se resumida naquelas palavras por Ele pronunciadas: in iis quae patris mei sunt oportet me esse4; Francisco toma, como palavra de ordem de sua vida: ad majorem Dei gloriam5. Não procura que uma coisa, a glória de Deus, torná-lo conhecido entre aqueles que jazem nas trevas; para isso, enfrenta viagens, perigos, as intempéries, e as perseguições do inimigo do nome Cristão.
Nós também, como quer o Apóstolo, temos de crescer em Jesus Cristo ut crescamus in illum6. Com o Batismo ele nos transmite sua vida, com a Crisma, a aperfeiçoa, com a Comunhão, a alimenta, com a Penitência, cura a enfermidade e acrescenta novo vigor. Cristo cresce a cada dia, a cada hora nas almas santas. Toda boa obra, todo ato virtuoso faz Cristo crescer em nós, mas as artérias pelas quais a vida de Cristo se transfunde em nós e se aperfeiçoa são a oração e os Sacramentos. [...]
Francisco Xavier precedeu-vos com seu exemplo: imitai-o e ireis fazer parte da glória imortal que agora o circunda no céu.»
Xavier, contemplativo na caridade, na oração e na união com Deus
«A santidade tem por base o amor a Deus, sendo este o primeiro e o maior dos preceitos, a chama vivificante da vida cristã. E se na terra houver santo que tenha se equiparado aos mais elevados Serafins, ele é, sem dúvida, São Francisco Xavier. Desde o dia de sua conversão até o último dia de existência, cresceu continuamente na caridade, por ela quase chegando a ser consumido quando contava somente 42 anos de vida. Nô-lo dizem seus êxtases, seus arrebatamentos, sua contínua união com Deus, sua incessante labuta para tornar Nosso Senhor Jesus Cristo conhecido e amado, seu contínuo aspirar a coisas sempre maiores. E, com o amor a Deus, ia crescendo, sempre mais nele, o amor aos irmãos.»
«Francisco Xavier, quando não conseguia, com a pregação, a conversão de alguma alma perdida, acrescentava noites de oração e a mortificação da própria carne, sempre alcançando os mais belos triunfos sobre as mentes pervertidas e sobre os corações corruptos. Como bem podeis ver, aqueles mais generosos pagam as dívidas dos que têm menos; nossos sacrifícios, nossas orações, conseguem maravilhas de graças, nossas penas passageiras preparam, para muitos, as eternas felicidades do céu.»
Xavier, apóstolo obediente
« Os Santos que alcançaram os mais altos cumes da perfeição não se dão, porém, por satisfeitos com isso: eles experimentam o sublime êxtase do sofrer; com o Apóstolo Paulo, exclamam: Superabundamos de alegria em todos os sofrimentos!7. Eles, juntamente com Xavier, à chegada das provas mais difíceis, generosamente dizem a Deus: “Mais, Senhor, ainda mais!”. Isso, porque são animados pela mais pura e ardente caridade, que os leva a procurar, em tudo, a aprovação de Deus, e a se tornar um em Jesus Cristo. Compreenderam a santa loucura da cruz, em toda a sua extensão, que o mundo, envolto nos prazeres dos sentidos, nunca poderá compreender.»
«Então teremos por eles (os Superiores) e por sua obra todo o devido respeito. Uma palavra deles, um desejo, um voto, todo o complexo de sua orientação será, para nós, como uma ordem. Assim agia São Francisco Xavier que, a um gesto de seu pai, Santo Inácio, teria abandonado, sem duvidar, todos seus grandiosos projetos de conquistas cristãs, até mesmo afastando-se para sempre do campo do apostolado. Assim fizeram outros Santos que, nas ordens de seus Superiores, reconheciam a vontade de Deus e as amorosas disposições de sua Providência. Imitemo-los, se quisermos nos salvaguardar das sutis insídias do amor próprio, que nos impelem sempre a antepor nossa vontade à de Deus, com perda do merecimento que poderíamos adquirir a seus olhos.»
Xavier “formado segundo o Cristo” nas dificuldades e nos sofrimentos
«Todos os que são compelidos por esta fome e sede (de justiça) serão saciados porque, no caminho da perfeição cristã, Deus lhes estenderá a mão, os confortará, os atrairá a si por caminhos admiráveis, e satisfará todas as aspirações de seu grande coração. Acontecerá, com eles, o que escreve o Salmista Real, isto é, que a alma percorre, com passos de gigante, o caminho dos preceitos divinos, quando Deus o amplia com o sopro de sua graça: Viam mandatorum tuorum cucurri cum dilatasti cor meum.
Xavier também viveu essa experiência e, no meio das dificuldades do apostolado, experimentava uma superabundância de felicidade, que o obrigava a dizer a Deus: Satis, Domine, satis, satis! – basta, Senhor, basta!”.»
O sonho e a bênção do bispo de Parma e fundador dos Xaverianos
«E agora, como vosso Bispo, seja-me permitido expressar um ardente voto: o de que, entre nossa exuberante juventude, surjam imitadores da vida apostólica de Francisco Xavier; como daquela Parma de seus dias, que viu a ele acorrer Antônio Criminali, para ser seu companheiro nas lutas e triunfos, e que, poucos anos mais tarde, derramava seu sangue pela Fé, tornando-se o primeiro mártir da nobre Companhia de Jesus.
Nesta nossa cidade surge um Instituto que recebe o nome e a inspiração de Xavier e já acolhe, de todos os cantos da Itália, uma bela turma de jovens animados, desejosos de participar das pacíficas conquistas da fé. Eu gostaria que, nesta nobre turma, fosse maior do que é o número dos filhos desta terra sempre sensível a tudo o que é belo e grande. Deposito esse voto ardente aos pés do altar do sublime Apóstolo das Índias, para que o apresente ao Rei imortal dos séculos. Que, pelos merecimentos de tal Intercessor, o torne fecundo, com aquela bênção que move os apóstolos.»
AMOR A DEUS, AO PRÓXIMO E A SI MESMO
«Julgou bem aquele que, desejando compreender a admirável vida do grande Apóstolo das Índias, disse que ele foi todo de Deus, ao zelar pela glória do Pai, tudo do próximo, ao procurar a salvação deste, e tudo de si mesmo, ao trabalhar pela própria santificação.
A santidade tem por fundamento o amor a Deus, sendo este o primeiro e o maior dos preceitos, a chama vivificante da vida cristã. E se na terra houver santo que tenha rivalizado com os mais elevados Serafins, sem dúvida é São Francisco Xavier. Desde o dia de sua conversão até o último de sua existência, cresceu continuamente na caridade, chegando quase a ser consumido por ela, com apenas 42 anos de idade. Nô-lo dizem seus êxtases, seus arrebatamentos, sua contínua união com Deus, suas incessantes fadigas para tornar conhecido e amado Nosso Senhor Jesus Cristo, seu contínuo aspirar a coisas sempre maiores.
E com o amor a Deus, crescia sempre mais nele, o amor aos irmãos. Queria reconduzir à casa do Pai Celeste todos os que se desviaram do caminho e conquistar, para o Evangelho, todos os pagãos. Por isso, abandona a Pátria, aventurando-se em longas viagens por terra e mar e percorre, palmo a palmo, imensas terras, para anunciar a todo mundo a Boa Nova. Os perigos de todo tipo, as perseguições, as privações, as fadigas, as intempéries, as dores físicas e morais, ao invés de resfriarem, acendem mais seu zelo. Aliás, perante este feixe de cruzes, exultante repete, com santa alegria: Plura, Domine, plura! – Mais, Senhor, ainda mais! Tudo isso nos dá conta da fecundidade de seu apostolado, que conquistou para o Evangelho milhões de almas, como dons extraordinários com que o Senhor quis honrar seu servo, para chancelar, junto aos povos, a missão deste.
E, enquanto trabalhava continuamente pela salvação das almas, nada perdia de sua união com Deus. Em meio às mais graves e variadas dificuldades, encontrava tempo para todas as obras de piedade, com vistas a alimentar o espírito. Delas, aliás, retirava continuamente a força e a energia para sempre novas labutas visando a salvação dos irmãos e novas ascensões na perfeição cristã.
Inspiremo-nos nos exemplos de Xavier e lembremos sempre que, se quisermos ser dignos apóstolos do Evangelho, também devemos ser todos de Deus, do próximo, de nós mesmos. Somente deste modo poderemos dar a Deus toda a glória que lhe é devida.»
Enquanto missionava pelo Oriente, contavam-se muitas histórias a seu respeito, e dizia-se que Francisco era capaz de prever o futuro, ver acontecimentos que se desenrolavam à distância e acalmar as tempestades marítimas com boas palavras. A imagem de São Francisco Xavier surge geralmente associada a um símbolo composto com um caranguejo com um crucifixo nas tenazes. Este símbolo relaciona-se com um dos milagres que lhe é atribuído.
Segundo a tradição, esse milagre deu-se certo dia, quando São Francisco Xavier navegava ao largo das ilhas Molucas, em que rebentou um temporal medonho. Os marinheiros, aflitíssimos, julgando que chegara o último dia das suas vidas, gritavam em altas vozes pedindo a Deus misericórdia. Como de costume, São Francisco manteve a serenidade, pegou no crucifixo de madeira que sempre trazia consigo e mergulhou-o nas águas revoltas. Os vagalhões desfizeram-se logo e o crucifixo desapareceu no mar. Quando o navio chegou à praia e os tripulantes desembarcaram, viram sair das ondas um enorme caranguejo que trazia o crucifixo perdido para o devolver ao dono. São Francisco Xavier recolheu-o sem dizer palavra e o caranguejo voltou para o mar.
Há 450 anos o Japão nascia para Fé Católica
15 de agosto de 1549, festa da Assunção de Nossa Senhora. Iniciava-se então uma das páginas mais gloriosas da Igreja Católica, de todos os tempos. São Francisco Xavier, grande apóstolo do Oriente, aportava em Kagoshima, pequena ilha ao sul do Japão.
Diogo Waki
Pouco se sabia então a respeito daquele país do Extremo Oriente, se bem que, há alguns séculos, Marco Polo escrevera em suas memórias de viagens que “a 1500 milhas da China havia uma grande ilha, conhecida como Cipingu. O povo é de tez clara, alegre, de belas feições, e muito cerimonioso...”
Por uma dessas coincidências – chamemo-la assim –, por um desses caminhos aparentemente tortuosos da Providência, o Apóstolo das Índias conheceu um samurai denominado Yagiro, que uma vez morto seu senhor ficara “órfão”; e porque cometera um assassinato, refugiara-se nas longínquas terras da Índia. São Francisco interessara-se enormemente por ele. Este lhe contara maravilhas do seu país de origem, dos seus usos e costumes.
São Francisco, sempre dócil à voz da graça, apesar de ter programado sua viagem à China, cuja conversão para a Santa Igreja era o seu grande sonho, decidiu antes passar pelas terras de Yagiro.
Naquele 15 de agosto, no momento em que São Francisco pisava as terras do Japão, Deus estabelecia com aquele povo sua primeira aliança.
Enquanto isso na Europa...
Um século apenas nos separava do Concílio de Constança, que pusera fim ao Grande Cisma do Ocidente restabelecendo a unidade da Santa Igreja. O Humanismo e o Renascimento provocavam imensas e funestas transformações no seio da Igreja, produzindo uma crise de fé e de costumes sem precedentes. Há 32 anos, Lutero dera o brado de revolta contra a Sé de Pedro. Sua heresia provocava devastações e nações inteiras apostatavam. A Europa estava convulsionada por guerras religiosas. O Concílio de Trento encontrava-se em curso, combatendo e condenando os principais erros da heresia protestante. O Papa Júlio III encerrava sua X Sessão, não conseguindo porém levar a cabo, em toda sua extensão, a verdadeira reforma necessária para restaurar a Santa Igreja. E como isso não bastasse, os turcos maometanos ameaçavam invadir a Europa e chegar até Roma.
O revide da Providência.
Entretanto, em revide, a Providência suscitara os grandes Santos da Contra-Reforma, como Santo Inácio de Loyola, Santa Teresa de Ávila, São Pedro de Alcântara e tantos outros. E se é bem verdade que a Igreja perdia multidões de fiéis na Europa, no Extremo Oriente e nas Américas, São Francisco Xavier, o Beato Padre Anchieta e outros heróis do Catolicismo trabalhavam para reconquistar, de algum modo, o terreno perdido.
Estava-se diante de duas civilizações muito diversas: a de nativos, em larga medida selvagens e incultos, nas Américas, e, do outro lado do mundo, se bem que pagã, uma civilização de praticamente 2.000 anos de história, de usos e costumes que, por alguns lados, se assemelhavam aos da Civilização Católica – a estrutura patriarcal da família e a sociedade feudal japonesa. O que dizer também da semelhança do bushido – Código dos samurais (classe guerreira que durante séculos governou aquele país) – com o Código de Cavalaria medieval?
Auspicioso processo de conversão
É nesse solo assim preparado que São Francisco vai deitar a semente do Evangelho. Seu discernimento profético fez-lhe perceber que, para se ter sucesso no apostolado com aquele povo, cumpria conquistar a simpatia da aristocracia palaciana e dos samurais. Se no começo ele se apresentara modesta e humildemente, na segunda fase do curto período de dois anos e dois meses que lá permaneceu, São Francisco passou a usar de todas as prerrogativas que lhe foram conferidas por Roma, Portugal e Espanha e pelo governo das Índias Ocidentais.
Dois anos depois, a semente estava lançada: 800 japoneses convertidos ao Catolicismo, sendo promissor o futuro. Entretanto, São Francisco teve que embarcar para as Índias.
Em pouco tempo, as esperanças do grande Apóstolo transformaram-se em realidade. Meio século após sua chegada ao Japão, o Catolicismo já se difundira de norte a sul do país. As conversões não se restringiam apenas ao povo, mas vários senhores feudais e mesmo nobres da corte imperial haviam-se convertido à verdadeira Fé.
O revide do demônio
Hideyoshi, o Shogum (em linguagem moderna seria o primeiro-ministro), queria unificar o Japão, mas encontrava resistência da parte de diversos Daymios (Senhores Feudais).
O Vice-Provincial jesuíta, Padre Coelho, que então gozava de grande prestígio junto ao Shogum, decidiu conseguir o apoio de alguns senhores feudais sobre os quais ele exercia influência. Eram tantos que, tendo disso conhecimento, Hideyoshi passou a considerá-lo como inimigo.
Somem-se a esse erro tático do religioso, o ódio anti-católico e a cobiça mercantilista dos protestantes holandeses, bem como as intrigas incentivadas na época por franciscanos, dominicanos e agostinianos contra os jesuítas: será fácil compreender o que aconteceu depois...
Hideyoshi, que nutria até então certa simpatia para com os católicos, ainda que motivada por interesses comerciais, mudou de postura. Instigado ainda pelos bonzos budistas, que eram os principais prejudicados pela grande expansão do Cristianismo no país, baixou um primeiro decreto restringindo a ação dos católicos em 1587. A partir de então, começaria o período de perseguições e martírios que tornou o Japão um dos países a apresentar maior número de mártires na História da Igreja.
Banimento do Catolicismo e fechamento dos portos para o Ocidente
A situação tornou-se de tal maneira tensa que, em 1614, o Shogum Ieyazu baixou o decreto de banimento do Catolicismo no Japão. As igrejas foram destruídas, todos os missionários deportados, e os que permaneceram foram martirizados juntamente com os fiéis. Calcula-se em cerca de 280 mil católicos martirizados, só em 1635. Em 1639, o Japão fechou definitivamente os portos para o Ocidente. Seguiram-se dois séculos de isolamento, enquanto continuavam as perseguições.
Em 1640, por instigação dos batavos protestantes, estabeleceu-se um como que Tribunal de Inquisição às avessas, o Kirishitan-shumon-aratame-yaku. O maior ódio, contudo, não partia dos hereges ou dos budistas, mas de ex-padres ou de católicos que haviam apostatado da Fé. Eles não só denunciavam aqueles que eram fiéis, mas sugeriam ou até mesmo praticavam torturas nos pontos mais fracos que poderiam levar os católicos à apostasia.
Fim do isolamento de 200 anos
No ano de 1854, o Japão rompe seu isolamento. Em 17 de março de 1865, na cidade de Nagazaki foi reerguido o primeiro templo católico, para atender aos eventuais marinheiros ocidentais, pois era de se supor que 200 anos de perseguição e isolamento tivessem apagado definitivamente a Fé católica daquele povo.
“Nosso coração é semelhante ao vosso”
Certo dia, um grupo de japoneses entra na igreja, passo a passo. Tudo observam, com muito cuidado. Apontam para uma imagem de Nossa Senhora. Dirigem-se à sacristia, à procura do padre, fazem-lhe três perguntas:
– Padre, o Senhor é casado?
– Não!, respondeu o Sacerdote, muito intrigado...
– Padre, o Senhor crê na presença real de Nosso Senhor na Eucaristia?
– Sim! ...
– Padre, o Senhor é fiel a Roma?
– Sim! Claro!...
Os japoneses, então, esboçam um imenso sorriso e, em meio às lágrimas, dizem:
– Padre, então nosso coração é semelhante ao vosso!...
igreja de São Francisco Xavier no porto de Hirado (Japão)
Há 200 anos, quando os jesuítas foram expulsos do país, deram eles aos católicos japoneses uma recomendação: no futuro, quando abrirem novamente os portos e vocês quiserem saber qual é a verdadeira Religião, consultem os forasteiros sobre esses três pontos.
A Religião católica um dia florescerá!
Hoje, 450 anos depois, a comunidade católica japonesa é relativamente pequena. Mas aquele solo foi regado por sangue de mártires, e “o sangue de mártires é semente de novos cristãos”, como dizia Tertuliano. Dia virá, certamente, em que a Religião católica florescerá com todo seu esplendor na Terra do Sol Nascente, como anelou ardentemente São Francisco Xavier, e como esperam no Céu os inúmeros mártires japoneses.
SÃO FRANCISCO XAVIER: Um grande mestre que se tornou discípulo
Esta é mais uma das maravilhas da Santa Igreja Católica, reproduzida na vida do admirável São Francisco Xavier (1506-1552), a quem foi atribuído o título glorioso de Patrono das Missões católicas. Comemora-se neste mês o 450 º. aniversário de sua chegada ao Japão.
De nobre estirpe espanhola, inteligente, o futuro lhe era promissor. Aos 27 anos lecionava na famosa Universidade de Paris, no Quartier Latin, quando nela ingressou um misterioso universitário, usando trajes estranhos para o gosto de Francisco Xavier e já próximo dos 40 anos: Inácio de Loyola. Sobre ele corria toda sorte de boatos. Chamado por Deus para fundar a Companhia de Jesus, Inácio não tardou em discernir, em seu talentoso e jovem professor, uma grande vocação religiosa.
Como a abordagem não era fácil, a Providência colocou a intermediação de outro notável espanhol, Pedro Fabro, por quem Francisco Xavier tinha grande apreço e com o qual compartia um quarto na Universidade.
Visando o bem da alma de Francisco, conseguiu Pedro Fabro convencê-lo a aceitar Inácio como terceiro companheiro de quarto. Aquiesceu, com a condição de que o novo morador não importunasse seu repouso com o infatigável e incômodo "Quid prodest!", ou seja, com a inspirada pergunta que foi a chave para a conversão de Francisco Xavier: "De que serve ao homem ganhar o Universo, se ele vier a perder a sua alma?"
Deus e Nossa Senhora estavam felizmente do lado de Inácio. Uma vez operada a conversão do mestre, transformou-se Francisco Xavier no grande Apóstolo do Oriente e discípulo fiel de Santo Inácio de Loyola, a quem escreveu, pouco antes de chegar ao Japão - entre muitas outras - a enlevada e fogosa carta que abaixo reproduzimos. Àquele Oriente longínquo aonde fora levar a mesma Fé que o incêndio protestante da pseudo-reforma procurava extinguir na Europa.
"... Eu irei imediatamente apresentar-me ao imperador, depois às academias e às universidades, e ali espero fazer triunfar o Evangelho!
"... Logo que me veja estabelecido em meio daquele povo, por-vos-ei ao corrente de seus costumes, da sua literatura e do sistema do seu governo. Farei mais, darei esses esclarecimentos minuciosos à Universidade de Paris, para que ela os transmita às outras Universidades da Europa....
"Não tenho expressões para vos descrever a alegria que sinto quando penso nesta empresa! Ver-me-ei exposto aos maiores perigos que o Oceano pode oferecer: o das tempestades, que são freqüentes e terríveis naquelas paragens; o dos escolhos, dos bancos de areia, dos ventos e das vagas que são temíveis naqueles mares desconhecidos, com pilotos inexperientes; finalmente o dos piratas que infestam aqueles perigosos mares.
"Os perigos dessa travessia são tais, que os nossos marinheiros se consideram muito felizes quando podem salvar um navio por três que se arriscam.
"Tudo isso mais me anima. Deus dá-me uma tal convicção de que arvorarei a Cruz de Jesus Cristo sobre aquele solo pagão, que não recuaria por maiores que fossem ainda os perigos! Podereis julgar das razões desta convicção pelas memórias que eu vos enviar sobre aquele país.
".... Vós praticareis uma boa ação, bem agradável a Deus e a todos nós que estamos em exílio tão longe de vós, escrevendo-nos uma carta de instruções espirituais, uma carta que fosse como que o vosso testamento, pela qual legaríeis aos vossos filhos das Índias as riquezas espirituais que tendes recebido de Deus tão abundantemente.
"Fazei-nos, eu vos rogo, essa caridade, se o vosso tempo puder prestar-se aos nossos desejos!
".... Para mim, não vos peço mais que uma graça, e é de designar um dos nossos Padres para celebrar, durante um ano, o santo sacrifício em São Pedro in Montório, onde o santo Apóstolo foi crucificado, e de me dar, por um dos nossos, notícias circunstanciadas sobre a situação da nossa Companhia...
"Oh! vós, meu venerável Padre, que sois verdadeiramente o pai da minha alma! É de joelhos que eu vos escrevo, como se estivesse junto de vós; é com os dois joelhos em terra que vos conjuro que insteis com a divina Majestade, em todas as vossas orações, e em vossos santos sacrifícios, que me faça conhecer a sua santa vontade, até que eu tenha um sopro de vida, e que me dê forças para a cumprir!
"Peço o mesmo socorro a todos os nossos Padres e Irmãos.
"Vosso filho e servo em Nosso Senhor - Francisco Xavier."
No dia 7 de Abril de 1506, nasce no Castelo-Solar da família Aguarês y Javier o oitavo filho, a que foi dado o nome de Francisco. Seu pai, nobre conceituado do Reino de Navarra, exercera o cargo de embaixador extraordinário junto aos reis católicos, Fernando e Isabel. A sua família, rica de bens materiais, de títulos honoríficos e com elevada distinção mantinha junto da população uma excelente reputação, graças à sua generosidade e amizade.
Francisco cresceu assim, junto aos Pirineus, num ambiente de riqueza e de tradição. Desde cedo mostrou uma aguçada inteligência e uma crescente paixão pelo estudo. Aos 7 anos inicia os seus estudos colegiais em Gandia (Espanha), onde lhe é profetizado um futuro glorioso. Aos 14 anos entra no Colégio de Santa Bárbara (Paris) para completar as disciplinas de filosofia, literatura e humanidades. Foi lá que aprendeu a fundo as línguas francesa, alemã e italiana.
A Universidade de Paris vê entrar o jovem Francisco aos 18 anos. Forma-se, com distinção, em Latim, Filosofia e Humanidades. Após terminar esta formação, atinge a cátedra em Artes de Engenharia. No colégio de Santa Bárbara, firmou uma forte e íntima amizade com o seu colega Inácio, que entretanto seguia uma carreira militar.
Inácio abandona o exército em conseqüência de um grave acidente e junto a Francisco iniciam um conjunto de exercícios espirituais, imaginados pelo primeiro, com vista ao estudo da doutrina cristã e benefício da Humanidade.
Depois de peregrinação pelos Lugares Santos, ingressam no Seminário de Veneza a 15 de Agosto de 1530, com o propósito de fundarem a milícia dos Filhos de Jesus. Em 24 de Junho de 1536, Francisco Xavier é ordenado sacerdote. Mas a doença começa a atormentá-lo. Por várias vezes tem que se manter acamado e a noticia da anexação de Navarra a Castela deixa-o muito abalado. Em Portugal, D. João III precisa de uma ordem de evangelizadores que, com a cruz na mão, levem a notícia desta nação de bravos e bons homens, aos recém descobertos povos de além-mar. Solicita ao Papa que lhe sejam destinados alguns Padres Jesuítas, atendendo às suas afamadas técnicas de evangelização.
Francisco Xavier acaba por ser o escolhido e com entusiasmo inicia a sua missão. No Oriente percorre Goa e depois as ilhas de Madrasta, Maçacar, Malaca, Molucas, Amboíne e Moro. As condições de vivência são difíceis, mas as feitorias portuguesas começam a solidificar após a sua passagem.
No Japão continua o seu percurso evangelizador e rapidamente entra nas relações das mais importantes famílias do Império do Sol Nascente. Fracassa no contato com o Imperador e com o Shogum, que não aceitam os seus intentos religiosos. Segue-se a Etiópia, onde conquista o Imperador e a Imperatiz, movendo-se com facilidade nos círculos de poder da nação.
Mas se no plano religioso não consegue convencer o Imperador do Japão, no plano político é um hábil negociador, abrindo portas aos acordos comerciais com quase todo o Oriente. Fruto da sua inteligência, profunda cultura e hábil dialética, o Navarro Francisco Xavier notabilizou-se pelo papel de embaixador de Portugal junto de diversas comunidades e nações. Mas a Índia era a sua paixão. Doente e cansado retorna a Goa a 6 de Maio de 1551, com 44 anos de idade. É recebido com alegria pela comunidade local, com faustos festejos pela nobreza local. Dedica os seus últimos tempos de vida ao trabalho no campo humanístico e cultural. As febres infecciosas atacam-no. Visita a Missão de Sancião a 1º de Dezembro de 1552. Está exausto e, algumas horas depois morre, na madrugada de 3 de Dezembro de 1552, numa humilde esteira de vimes abraçado ao crucifixo que o velho amigo Inácio, um dia, lhe tinha oferecido.
Mas há obras que não morrem. Nem os seus obreiros. A 25 de Outubro de 1605, o papa Paulo V beatifica o Padre Francisco Xavier que passa a São Francisco Xavier em 12 de Março de 1622, canonizado pelo papa Gregório XV. A Igreja lembra e celebra as virtudes de São Francisco Xavier em 3 de dezembro.
Entrevista com o preposto-geral da Companhia de Jesus, Peter-Hans Kolvenbach
por ocasião dos 500 anos do nascimento de São Francisco Xavier e do bem-aventurado Pedro Favre, e dos 450 anos da morte de Santo Inácio de Loyola
Que episódio da vida de Francisco Xavier o faz particularmente caro ao senhor?
PETER-HANS KOLVENBACH: Xavier desejava servir ao Se nhor em pobreza e humildade, como havia aprendido de Inácio e dos Exercícios Espirituais. Ter sido nomeado legado pontifício para a Ásia não alterou seu estilo de vida.
Temos testemunhos da época sobre a pobreza de Xavier. Ele e seus companheiros viajavam a pé e se vestiam tão miseravelmente que as crianças japonesas os acolhiam a pedradas e os ridicularizavam. Ao descrever suas peregrinações apostólicas no coração do inverno, Xavier fala da dor que sentia pelo inchaço dos pés. Pensando que uma visita ao senhor de algumas províncias lhe valeria a permissão de pregar em público, pediu que lhe concedessem essa audiência, mas a entrada no palácio lhe foi negada porque não tinha presentes adequados para oferecer.
Essas experiências o levaram a modificar sua abordagem. Assim, dirigiu-se à cidade de Miyako, vestido de seda, apresentando credenciais de embaixador do governador da Índia, escritas em pergaminho decorado, e levando consigo presentes preciosos… Esse episódio encarna um princípio importante do zelo apostólico da Companhia de Jesus: o uso dos meios a serviço dos fins mais elevados.
Xavier representa a “indiferença” que Inácio ensina em seus Exercícios Espirituais. Ele era livre, desapegado das comodidades e das aparências, a fim de que o Senhor pudesse fazer a diferença nas opções que fazia e em seus planos apostólicos. Sendo espiritualmente livre, podia adotar um estilo de vida diferente para que a pregação do Evangelho na realidade japonesa fosse possível. Acho esse episódio extremamente revelador.
Há duas imagens clássicas de Francisco Xavier, uma quando parte em viagem com o breviário nas mãos, na volta das Índias, a outra quando reúne os jovens hindus tocando uma sineta para convidá-los para o catecismo e para a oração. No entanto, Santo Inácio disse que Xavier era “a argila mais rebelde que teve a oportunidade de moldar”…
KOLVENBACH: Sim. Quando Inácio o encontrou, Xavier sonhava tornar-se um intelectual, um jurista ou um homem de armas para obter uma posição de relevo em sua nativa cidade de Xavier, e elevar o status social de sua família, humilhada por batalhas políticas.
Foi preciso muito tempo e perseverança por parte de Inácio para que as palavras do Evangelho, repetidas incessantemente, começassem a ecoar no coração de Xavier: “De que vale a um homem ter ganhado o mundo inteiro se depois perder sua alma?”. Ao passo que, perdendo a vida no seguimento de Cristo, o homem se tornará rico em Cristo… Isso levou Xavier a fazer os Exercícios Espirituais e a doar a si mesmo a Cristo.
Uma vez rendido, deu-se totalmente ao Senhor e ao serviço aos outros, seguindo as pegadas do Cristo pobre, com humildade e serviço gratuito.
São Francisco Xavier morreu, como Santo Inácio, sem os confortos religiosos…
KOLVENBACH: Conta-se com freqüência um episódio da vida de São Luís Gonzaga. Ele estaria jogando bilhar com outros jovens jesuítas quando um deles lhe perguntou: “Luís, se lhe dissessem que chegou a sua hora, o que você faria?”. Dizem que Luís respondeu: “Eu continuaria a jogar”… Verdadeiro ou não, o episódio revela um ponto importante da espiritualidade inaciana.
Mais que a preparação imediata para o momento da morte, são as horas e os anos que a precedem, sustentados pela graça de Deus e vividos no cumprimento da Sua vontade, que importam para o encontro com Cristo, na perspectiva da eternidade.
Os pouquíssimos jesuítas que estavam à cabeceira de Santo Inácio, moribundo, ficaram “espantados” com a falta daqueles gestos que normalmente se esperam de um fundador no fim de sua vida: chamar os colaboradores a sua cabeceira, dar a eles os últimos conselhos, nomear um sucessor… Inácio nunca pensou em governar a “sua” companhia, mas a Companhia de Jesus.
Os jesuítas foram completamente surpreendidos pelo fato de Inácio morrer de maneira simples, “como uma pessoa comum”. A única testemunha da morte de S. Francisco Xavier nos diz que ele estava feliz no momento de sua passagem solitária, convencido de que para ele havia chegado o momento de encontrar Aquele que durante a sua vida havia sido seu Senhor e companheiro.
O cardeal Tucci escreveu que seria muito fácil ver em Xavier o espírito do conquistador daqueles tempos. No entanto, continua o cardeal, o que move Xavier é a convicção de que ninguém pode se salvar sem ter recebido o batismo. Que exemplo e ensinamento se pode extrair disso?
KOLVENBACH: Xavier era, em muitos aspectos, filho de seu tempo. A teologia aprendida em Paris e o ambiente religioso no qual havia vivido consideravam o batismo uma necessidade absoluta para a salvação.
Xavier sofria muitíssimo quando via que os japoneses choravam depois que ele lhes dizia que seus antepassados estavam condenados ao inferno por não terem sido batizados. Mais tarde, Xavier passou a pôr maior ênfase na misericórdia de Deus, que aceitaria as vidas retas daqueles que, sem culpa, ignoravam a necessidade do batismo.
Guiados pela Igreja e pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, nós hoje sabemos que a semente da verdade deve ser encontrada em todos os homens, e que Deus oferecerá a salvação àqueles que não chegaram a conhecer Cristo. Mas essa não era a doutrina do tempo de Xavier. De uma forma ou de outra, as novas interpretações do Vaticano II não diminuíram a urgência, para toda a Igreja, de ser missionária com a mesma paixão de São Francisco Xavier.
Na época de Xavier, os mestres chineses eram considerados os primeiros em todo conhecimento humano. Discutindo com os monges budistas, Xavier ouvia objeções de que, se a religião cristã fosse verdadeira, os chineses já a teriam conhecido. O que é que a Companhia de Jesus aprendeu, nestes séculos, da alma religiosa chinesa e como – também depois da recente nomeação a cardeal do bispo de Hong Kong – podem se desenvolver melhores relações entre Pequim e a Igreja Católica?
KOLVENBACH: Dos contatos com a cultura chinesa ao longo da história aprendemos em primeiro lugar a respeitar e admirar suas conquistas no campo do espírito humano.
O Ocidente olhou para o Oriente com um complexo de superioridade cultural. Xavier e outros missionários que o seguiram ajudaram o Ocidente a adotar uma atitude mais amena e a adquirir a capacidade de apreciar aspectos que não haviam nascido da herança greco-romana. Se é verdade que sob a influência do cristianismo a Europa desenvolveu uma filosofia sobre os direitos humanos e sobre a dignidade humana, que em algumas outras culturas não é uma coisa óbvia, de modo algum, é também verdade que vemos outros valores humanos mais bem preservados nas culturas orientais.
As relações entre a Igreja e a China são obviamente complexas e necessitam de esforços corajosos de ambas as partes antes de se chegar a um entendimento. Não é fácil compreender as razões por trás de certas exigências da China, e está claro também que a China não entende a natureza da Igreja.
Xavier morreu sozinho e sem ter conseguido ir à China. Conta-se que no momento de sua morte a imagem de Jesus que ficava na capela de uma torre do castelo de Xavier suou sangue de seu lado. Essa imagem é conhecida como o Cristo do sorriso. Que significou essa imagem para Xavier e para a Companhia de Jesus?
KOLVENBACH: A escultura à qual o senhor se refere atraiu a atenção de muitas pessoas por ocasião da celebração dos quinhentos anos do nascimento de Xavier. Efetivamente, é uma representação um tanto insólita de Cristo, sorridente na cruz. Os historiadores nos dizem que a escultura, do século XII, ficava no castelo, e que Xavier rezava diante dela. Não acredito que a escultura fosse muito conhecida entre os jesuítas até pouco tempo atrás. Mas certamente a serena beleza do rosto de Cristo nos lembra as suas palavras: “Tudo está consumado” para a nossa salvação. Esse é também o significado da morte de Xavier: “Na morte, parecia muito feliz”.
A imagem de Francisco Xavier encontra-se em muitas igrejas do Brasil, sendo a memória de sua vida e ações cultivada em museus e institutos, em particular, naturalmente, em colégios, universidades e outras instituições jesuítas. Um exemplo de particular significado artístico e histórico-cultural de sua presença nos altares é a sua imagem na catedral de Salvador.
Francisco Xavier é, ao lado de Inácio de Loyola (1491-1556), um dos maiores nomes da Companhia de Jesus, um missionário que representou como poucos outros as correntes que levaram à sua constituição e marcaram o seu desenvolvimento. Devido ao significado da ação jesuítica na história colonial do Brasil, o seu nome encontra-se necessariamente presente nos estudos brasileiros.
Francisco Xavier é considerado primordialmente o "apóstolo do Oriente" da época moderna, sendo o principal vulto da ação jesuítica na Índia e em várias outras regiões da Ásia. Assume, assim, uma posição de central importância nos estudos voltados à história missionária, às relações entre o Ocidente e o Oriente, entre o Brasil e outras nações da Ásia, em particular da Índia.
Goa não pode deixar de ser considerada com particular atenção nos estudos dedicados a Francisco Xavier, uma vez que foi o centro do Catolicismo no Oriente, conservando a sua sepultura e sendo, até o presente, o principal centro da veneração ao missionário fora da Europa.
A Índia - assim como o Brasil - está estreitamente relacionada com a própria história da Companhia. Um dia antes de Ignatius de Loyola ser escolhido para primeiro Praepositus Generalis da Companhia de Jesus, Francisco Xavier viajou para a Índia, a 7 de abril de 1541, como legado pontifício, juntamente com Micer Paulo e Francisco de Mansillas, com livros dados por D. João III, no navio que levava o governador Martim Afonso de Souza (1500-1571). Ali chegou, após uma viagem excepcionalmente longa, a 6 de maio de 1542.
Atuou alguns anos no subcontinente, em Goa e entre os pescadores de pérolas e outras regiões, também ao redor de Travancore. A partir de 1545, passou para Malaca e para as Molucas, atuando partir de 1549 no Japão, onde fundou a primeira comunidade cristã; tinha como objetivo alcançar a China, vindo a falecer na ilha Sancian/Cantão. Foi sepultado em Goa, em 1554. Parte de seu braço direito foi enviada como relíquia a Roma, em 1615.
SÃO FRANCISCO XAVIER E A CULTURA FUNERÁRIA E MEMORIAL DE GOA
Não apenas a vida de Francisco Xavier marcou a história das "Índias orientais", em particular de Goa. A sua morte deu ensejo a solenidades que marcaram a história cultural do Oriente cristão. Fundamentou uma cultura memorial de alto significado para a identidade de comunidades e que apenas nas últimas décadas, com a integração de Goa na União Indiana, passa a ser substituida com bases em outros referenciais. A consideração do seu mausoléu e de sua veneração em Goa adquire particular atualidade à luz do debate relativo à superação do eurocentrismo nos estudos do Cristianismo no Oriente (Veja artigos a respeito nesta edição).
O corpo de São Francisco foi trazido da ilha de Sancian pelo seu companheiro, Antonio de Santa Fé, em 1553. Transportado pela nave Santa Cruz, após dois e meio meses, alcançou Malaca, onde o corpo foi venerado na igreja. Em dezembro de 1553, foi transferido para Goa pelo irmão Manoel de Tavora, com estações em Cochim e Batcal.
O noviço Mendes Pinto descreveu, em carta de 1554, o recebimento dos restos mortais de Francisco Xavier em alto mar, acompanhado por quatro catecúmenos que cantavam o Gloria. Ao chegar o corpo em Goa, após 15 meses da morte do missionário, o caixão foi recebido por 5000 pessoas, com a presença de representantes do Governo e da nobreza, sendo os funerais celebrados também com a participação do clero secular e de outras ordens religiosas. As exéquias tiveram lugar no Colégio de São Paulo e entraram na história local como uma das mais solenes cerimônias até então celebradas na cidade. Em sua memória, os Franciscanos cantaram uma "missa de Nossa Senhora" num sábado e os clérigos da Sé Catedral cantaram a "missa da cruz" para dar um testemunho do trabalho de Francisco Xavier pela adoração da cruz. ((Bispo, A.A., Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit, Musices Aptatio 1987-88, Roma 1989, 629)
Após cinco anos de sua morte, as solenidades e a pompa fúnebre foram ainda maiores. Apesar da reserva prevista pelas Constituições relativamente ao canto, em particular ao Ofício, as circunstâncias já criadas em Goa eram de tal ordem que as cerimônias foram realizadas com grande aparato musical, convidando-se os mais capacitados cantores e instrumentistas para o salmos da Véspera, o primeiro e o segundo Noturno, as Antífonas, o Invitatorium e as orações. Esse grupo coral, de especialistas, foi alternado pelos alunos do Colégio, que formaram um segundo coro. À noite, os sinos dobraram várias vezes. A solenidade foi tão longa que o terceiro Noturno apenas pode ser cantado à alvorada. A seguir, celebrou-se uma missa solene. Para a benção do caixão, o Patriarca Nunes Barreto entoou o último Responsorium, apoiado por muitos cantores de boas vozes. ((Bispo, A.A.,op.cit.)
Canonizado em 1622, a notícia chegou a Goa em 1623, dando motivo, no ano seguinte, a grandes solenidades. O corpo, em pequeno caixão de prata, foi levado em procissão à capela de São Francisco de Borja, na igreja do Bom Jesus. Um livro especial foi publicado pela imprensa do Colégio de São Paulo em 1624, com o relato das solenidades feitas para celebrar a canonização de Inácio de Loyola e Francisco Xavier.
Com a doação do Capitão Antonio Teles da Silva, tomada no leito da morte pelo irmão Marcelo Francesco Mastrilli, que abrira o caixão em 1636, tornou-se possível construir um novo sarcófago. Em 1637, o corpo foi colocado no novo repositório de prata feita por artistas goanos.
Presença de Florença em Goa: mausoléu de Francisco Xavier no Bom Jesus
O mausoléu de S. Francisco Xavier na igreja do Bom Jesus é considerado como um dos principais tesouros do patrimônio religioso-cultural de velha Goa (Veja artigo a respeito do Bom Jesus nesta edição).
Esse mausoléu manteve vivo o culto a Francisco Xavier à época da expulsão dos jesuítas e de outras ordens religiosas no século XIX, quando a sua festa continuou a ser ali celebrada, e sobreviveu ao longo período de decadência da antiga cidade. Ainda hoje é alvo de peregrinações e atos de culto.
O mausoléu, na capela direita do transepto, é uma obra estruturada em três partes: o altar, o mausoléu propriamente dito e a urna de prata. As relíquias estão conservadas nessa urna, obra artisticamente elaborada por artesãos da própria Índia.
Em mármore italiano, foi obra do artista florentino Giovanni Battista Foggini (1652-1725). Executado em 1697, é uma das mais valiosas expressões do Barroco tardio europeu do Oriente.
A elucidação da autoria da obra e das circunstâncias da sua criação é devida sobretudo ao pesquisador Carlos de Azevedo. Foggini, arquiteto e escultor, protegido por Cosimo III de Medici (1642-1723), estudou de 1673 a 1676 na Accademia Fiorentina em Roma, sendo nomeado, em 1687, a escultor e arquiteto da Côrte dos Medicis, tornando-se famoso pela sua arte funerária.
Cosimo III de Florença, tendo sido procurado pelo Ir. Francisco Sarmento, Procurador Geral da Província de Goa, que lhe ofereceu uma peça sobre o qual a cabeça de S. Francisco Xavier havia descansado após a morte, mandou que se criasse um mausoléu de mármore italiano para ser enviado a Goa. Para a sua ereção no local, no ano seguinte à sua criação, foi especialmente enviado a Goa o artista Placido Francesco Ramponi.
A parte superior do sarcófago tem uma forma que lembra, segundo alguns, trabalhos indianos em marfim ou um templo. 32 placas de prata nos quatro lados do sarcófago representam diferentes cenas da vida de Francisco Xavier. Algumas delas lembram fatos da vida do santo em Veneza e Vicenza, assim como atos e milagres que praticou no Oriente. Anjos ornamentam o mausoléu, um deles segurando um coração ardente e outro com o texto: Satis est - Domine, Satis est.
Em 1659, o caixão foi removido para a capela do tabernáculo, defronte à de S. Francisco de Borgia, inicialmente determinada para servir de capela mortuária. As paredes foram decoradas com pinturas representando cenas da vida de S. Francisco Xavier.
Em todos os lados do mausóleu há representações da vida do santo em bronze: a pregação aos molucos, com as palavras Nox inimica fugat, o batismo de povos de Moluca com o texto Ut vitam habeant, o ataque da ilha Moro com o texto Nihil horum vereor e Francisco na ilha de Sancian, com o texto Major in occasu.
Capela de S. Francisco Xavier da igreja do Bom Jesus, Goa
O túmulo de S. Francisco Xavier, localizado na capela da sua invocação, na igreja do Bom Jesus de Goa assume-se como uma obra, a vários títulos, excepcional.
Integrado no camarim de uma imponente estrutura retabular, o túmulo propriamente dito, é constituído por várias componentes, destacando-se desde logo a arca feral, paralelipipédica e de tampa escalonada, em prata, de fabrico goês, e o aparato escultórico concebido em momento posterior, em mármore e bronze e de origem italiana.
Quando Francisco Xavier morreu, a 3 de Dezembro de 1552, o seu corpo foi enterrado num caixão de madeira de acordo com as práticas chinesas, por acção do seu amigo António de Santa Fé, tendo desde logo sido colocadas duas camadas de cal (a fim de acelerar o processo de corrupção dos restos mortais), de molde a poder transportar-se com brevidade as ossadas para outro local. Com efeito, dois meses e meio mais tarde, os restos mortais de Francisco Xavier foram transportados para Malaca. Aí foram de novo enterrados (desta feita sem o caixão), sendo o rosto coberto, como era prática local. Já no mês de Dezembro de 1553, os restos mortais foram então transportados para Goa, pelo Padre Manuel de Távora, onde foram recebidos com grande solenidade, na presença do arcebispo e do vice-rei, no dia 15 de Março de 1554. As cerimónias das exéquias fúnebres tiveram então lugar na igreja do colégio de S. Paulo, onde o corpo de S. Francisco Xavier ficou passando, mais tarde, para o terceiro andar (sobre a portaria) da Casa Professa do Bom Jesus. Quando, em 1623, chegou a Goa a notícia da canonização de S. Francisco Xavier (que ocorrera em Roma no ano anterior), deliberou-se transportar o corpo do santo para a capela de S. Francisco de Borja (no transepto, do lado do Evangelho), na igreja do Bom Jesus, o que, em solene procissão, se verificou em 1624, ficando, desde então, exposto à veneração dos fiéis. Já então os restos mortais de S. Francisco Xavier se encontravam no interior de um caixão de prata, acerca do qual nada de muito concreto se sabe mas presume-se que seria bastante simples. Só a 2 de Dezembro de 1637 foi transferido o corpo do santo para a arca de prata que ainda na atualidade se pode observar, a qual foi realizada por ourives locais entre 1636 e 1637. A arca apresenta-se constituída pelo corpo, paralelipipédico, ostentando decoração dominantemente de carácter arquitectónico e vegetalista e sendo as faces (maiores e menores) ainda animadas pela presença de trinta e duas placas relevadas com cenas alusivas a passos da vida do santo. A tampa, escalonada, apresenta igualmente uma ornamentação constituída por uma gramática arquitectónica e vegetalista, sendo a animação marcada pelas contracurvas das cornucópias que ritmam, pelo efeito de repetição, a decoração horizontalizante do conjunto.
Esta horizontalidade só se vê desmentida pelo remate superior da tampa, de cariz mais claramente arquitectónico, exibindo placas relevadas, apresentando-se sobrepujado de cruz e por dois anjos, ostentando um o coração em chamas e outro a legenda latina Satisest Domine, Satis est. A integração das placas, figurando cenas da vida de S. Francisco Xavier, na arca, foi concebida de molde a que as mesmas pudessem ser
(regularmente) retiradas, a fim de que a visão do corpo ficasse acessível aos olhos dos fiéis, expondo-se assim, mais claramente à sua veneração.
No ano de 1659, este túmulo de prata foi transferido da capela de S. Francisco de Borja, onde se encontrava desde 1637, para a capela fronteira, do lado da Epístola, no transepto da mesma igreja do Bom Jesus, a qual passou a ter a invocação de S. Francisco Xavier, procedendo-se, por esta ocasião, à decoração pictórica dos muros e da abóbada com figurações de episódios da vida do santo.
A segunda componente do túmulo de S. Francisco Xavier, resultou de uma oferta do grão-duque da Toscânia, Cosme III, a quem o Procurador-Geral da Província de Goa, o Padre Francisco Sarmento, havia ofertado um objecto que agradou particularmente ao grão-duque: um pequeno coxim no qual S. Francisco Xavier descansara a sua cabeça durante alguns anos. Assim, no mês de Setembro de 1698, chegou a Goa o monumento e também Placido Francesco Ramponi, artista enviado para coordenar e supervisionar a montagem e assentamento do mesmo. Em Novembro já o monumento se encontrava instalado na capela do santo na igreja do Bom Jesus, passando a funcionar como um monumental e aparatoso embasamento integrando o altar - para a arca feral dprata previamente existente, a qual foi colocada rematando o conjunto. A obra florentina consiste no que podemos considerar o embasamento (que integra o altar) e ostenta nas suas quatro faces outros tantos relevos brônzeos figurando cenas da vida do santo, sendo que o da face frontal se apresenta encimado por dois anjinhos tenentes de um medalhão marmóreo, sobre o qual se lê a seguinte legenda em bronze: Nox inimica fugat. Sobre esta estrutura eleva-se uma balaustrada marmórea que funciona como guarda da arca de prata.
A autoria da obra de escultura, particularmente aquela realizada em bronze, tem sido atribuída ao escultor florentino Giovanni Battista Foggini (1652-1725), escultor notável e particularmente influente no contexto florentino, aquando da introdução e difusão do barroco, porque formador de outros escultores e por ter desenvolvido a sua actividade quase exclusivamente no imediato círculo dos Médicis. Com efeito, Foggini foi, no seguimento de uma estada romana (onde frequentou a oficina de Ercole Ferrata), o responsável maior pela introdução do gosto do barroco romano do seicento no ambiente preferencialmente classicizante de Florença. Essa linguagem actualizada - veiculando valores como a expressão do movimento, a verosimelhança na representação dos diversos materiais, a minúcia da figuração do pormenor decorativo - é bem visível nos anjinhos marmóreos mas também nos relevos brônzeos que animam as faces do embasamento, os quais bem traduzem as capacidades de Foggini ao nível da construção compositiva e da gradação de planos, herdeira igualmente da tradição escultórica renascentista florentina.
ESTUDOS XAVERIANOS SOB PERSPECTIVAS TEÓRICO-CULTURAIS
Compreensivelmente, os estudos dedicados a Francisco Xavier foram desenvolvidos sobretudo por historiadores religiosos, em particular jesuítas, ou pequisadores que seguiram a documentação por êles coletada e estudada.
A sua consideração por parte de pesquisadores culturais coloca exigências e levantam questões que a distingue da pesquisa xaveriana desenvolvida por estudiosos de identificação religiosa. Ela dirige a atenção mais especificamente a aspectos de interesse histórico-cultural nas fontes, às concepções religiosas e culturais do missionário e da ordem, aos métodos empregados nas suas atividades de transformação religioso-cultural e às consequências das ações. Ela exige exames da posição daqueles que se dedicaram à formação da sua imagem, à difusão de seus feitos, à sua veneração e aos próprios estudos.
No exemplo de Francisco Xavier se manifesta de forma particularmente evidente a necessidade de uma condução dos estudos culturais em contextos globais em estreito relacionamento com os estudos da própria pesquisa e da rêde daqueles que a ela se dedicam. Essa tarefa diferenciadora não é fácil, uma vez que a copiosa correspondência jesuítica, que consistui um dos principais fundos documentais dos estudos históricos coloniais, foi escrita da perspectiva daqueles inseridos na ação missionária no Exterior e daqueles responsáveis pelos desígnios da Companhia na Europa. Essa peso de fontes epistolares, com a sua natureza missionária, levou não apenas a uma participação extraordinariamente relevante de religiosos no debate historiográfico como também à definição de perspectivas na apreciação de fatos e ocorrências que nem sempre são mais conscientemente questionadas. A preocupação com a própria pesquisa, portanto, marca a situação dos estudos teórico-culturais relacionados com Francisco Xavier.
Estudos de pressupostos culturais da ação xaveriana
Um ponto de partida para a consideração histórico-cultural da personalidade, da vida e das concepções de Francisco Xavier é o do exame mais aprofundado e diferenciado dos pressupostos de sua formação na Europa do início do século XVI. O desenvolvimento de estudos internos europeus surgem, aqui, como pré-condição para a análise de sua ação e dos processos que pôs em vigência. Francisco Xavier não foi aquele que levou um Cristianismo "em si", por assim dizer em forma abstrata ao Oriente, mas sim um Cristianismo inserido historicamente em determinada situação histórica do Ocidente.
Para cristãos da Índia, foi agente transmissor de aspirações de reforma religiosa que apenas podem ser compreendidas no contexto europeu de sua época. Assim, os não-cristãos confrontados com Francisco Xavier, tomaram contato com um Cristianismo configurado em determinada situação cultural européia.
É sob o pano de fundo desses pressupostos que devem ser conduzidos os estudos referentes às adaptações, às transformações, às particularidades determinadas pragmaticamente pelas exigências dos diferentes contextos da ação missionária e suas repercussões na Companhia no seu todo e em desenvolvimentos europeus.
"Estudos barbistas" como um dos pressupostos da pesquisa
O estudo dos pressupostos da formação de Francisco Xavier - e dos jesuítas em geral - dirige a atenção ao Collège Sainte-Barbe, em Paris, onde residiu durante os seus estudos, a partir de 1525. Esse colégio, fundado em 1460, não tem sido suficientemente considerado na pesquisa histórica dos contatos internacionais de fins do século XV. Ali estudaram pensadores e religiosos de várias nações européias, também da Península Ibérica. Ali formou-se o humanista português André de Gouveia (1497-1548) e que retornou posteriormente a Portugal para dirigir o Colégio das Artes em Coimbra.
Além de Francisco Xavier, de Navarra, ali receberam formação Petrus Faber (1506-1546), Alfonso Salmeron (1515-1585), Nicolas Bobadilla (1511-1590) e Diego Lainez (1512-1565), e, de Portugal, Simão Rodrigues (1510-1579). Tendo feito votos de castidade e pobreza em 1534, foram companheiros de Inácio de Loyola (1491-1556) na formação da Companhia, o que demonstra o significado da participação ibérica na configuração do grupo, das suas aspirações e convicções.
Pela presença destacada de estudantes do mundo ibérico, deve-se levar em consideração nos estudos dos pressupostos da Companhia a síndrome ibérica da luta contra os infiéis, historicamente contextualizada na reconquista da Península e na recuperação de Jerusalém. Tais desígnios primeiros do grupo, porém, devido à situação política internacional, com a intensificação do poderio turco no Mediterrâneo, foram direcionados à ação educativa e de amparo aos doentes em Roma, para onde se transferiram.
Para além desses pressupostos culturais sul-europeus, deve-se considerar sobretudo o espírito de reforma interior dos próprios religiosos em época sentida por êles como de decadência de costumes e secularização da esfera religiosa.
Explica-se, assim, que em primeiro lugar, se colocasse a tarefa auto-disciplinar de condução de vida e afirmação da fé através de exercícios, acompanhados do empenho militante pelo disciplinar da vida e da profissão de fé através da catequese e da missão.
A fundamental prontificação à ação em dimensões globais em espírito de obediência ao Papa e aos superiores fêz do movimento forjado no Collège Sainte-Barbe um dos mais efetivos empreendimentos de cunho religioso-cultural da história mundial.
Militância e suas relações com a música
A consideração da ação cultural jesuítica nas regiões fora da Europa não pode deixar de considerar uma das singularidades da vida religiosa da Companhia. Diferentemente de outras ordens religiosas, por exemplo dos franciscanos, que desempenharam papel tão importante nas primeiras décadas do desenvolvimento histórico desencadeado pelos Descobrimento, os jesuítas não previam o canto das Horas em comunidade, substituindo-o pela oração privada.
Essa particularidade, que possibilitou uma atuação mais livre na configuração do tempo aos missionários, foi de significativa relevância para a história cultural de regiões e de esferas populacionais marcadas pela ação jesuítica.
Com a presença de religiosos de outras ordens, os diferentes povos contactados pelos europeus tiveram conhecimento de uma cultura sacro-musical de antigos fundamentos teológicos, demonstrados e vividos na prática contínua do canto coral em comunidade, onde o cantar surge como culto. A exclusão da prática do canto das Horas do Ofício em comunidade, ainda que vindo de encontro a aspirações e exigências de cunho pragmático, implicou em profunda transformação de concepções relativas à sacralidade musical. O papel que a prática musical assumiria na história da ação missionária jesuítica, surpreendente a partir das convicções de sua origem, necessita ser compreendido também a partir de um emprêgo de expressões culturais para os fins militantes da Companhia no sentido de uma instrumentalização de meios.
O brilho exterior de expressões músico-culturais alcançado através de uma estrategia de uso de meios para o alcance de fins surge aqui em singular contraste com uma diminuição do significado mais profundo das próprias expressões.
Já a designação da bula pela qual o Papa Paulo III reconheceu a fundação da Companhia, em 1540, - Regimini militantis Ecclesiae -, indica o caminho para uma a aproximação ao estudo cultural da ação dos jesuítas. Trata-se, aqui, da militância e da concepção de Igreja militante. Foi, assim, à luz de conceitos e imagens da Igreja militante que nações e comunidades tiveram o seu contato com o Cristianismo ocidental levado pelos jesuítas, diferenciando-o daquele antes contemplativo de outras ordens.
Esse foi o caso da Índia e do Japão, assim como do Brasil. O estudo histórico-cultural dessas regiões tão distantes entre si necessita considerar essas diferenças de cultura religiosa ou espiritual interna do Catolicismo. Em alguns casos, a militância jesuita representou um desenvolvimento posterior em contextos culturais já em processo de transformação, cujos fundamentos já haviam sido lançados pela ação dos franciscanos com as suas tendências místicas, por exemplo na Índia e, em parte, no Brasil.
É nesse contexto que se coloca a tarefa de exames mais aprofundados da militância em contextos religiosos, dos seus pressupostos, fundamentações, antecedentes históricos e expressões culturais.
Estudos de concepções e imagens da Igreja militante
Imagens e concepções da militância cristã, porém, não foram levadas a outros povos primeiramente pelos jesuítas, tendo sido antes êles próprios por elas marcados. Sobretudo no culto aos santos implantados em regiões não-européias pode-se constatar diferentes formas de expressão de um espírito de militância e que chama a atenção para a necessidade de um tratamento diferenciado de concepções intrínsecas ao próprio edifício da visão do mundo e do homem.
Com relação a Goa, como tratado em outros artigos desta edição, constata-se, para além de uma fundamentação mariana da cultura, uma singular importância do culto a determinadas santas, entre outros Santa Catarina. Os atributos que se referem a combates nas expressões relacionadas com Santa Catarina devem ser, porém, interpretados não no sentido mais imediato, mas sim antes sob a perspectiva do conceito da vida ativa no sentido cristão, no modêlo de Marta, a superar, pela sua subordinação à vida contemplativa, a escravização ao ativismo no mundo (Veja artigo a respeito da igreja de Santa Catarina nesta edição).
Diferentemente, Santa Bárbara foi venerada, segundo a tradição, sobretudo nas fortalezas e em outros locais relacionados com atividades militares. A elucidação dessa característica da veneração a Bárbara - ao lado de outras -, exige a consideração de suas bases mais remotas, como já salientado em outros artigos deste órgão. Atentando-se à difusão do culto a Santa Bárbara na Europa, as associações que a êle se prendiam, pergunta-se se o espírito reinante no Collège Sainte-Barbe de Paris não teria sido marcado pela veneração da santa que lhe emprestou o nome.
A ação dos jesuítas no mundo poderia, assim, ser analisada como consequência de um espírito "barbiste"que teria tido os seus fundamentos no edifício de concepções e na linguagem de imagens de remotas origens. Somenter estudos mais aprofundados poderão elucidar mais precisamente essa questão.
Estudos de métodos: compreensibilidade de textos e traduções
Nos estudos voltados aos mecanismos de transformação cultural, os métodos empregados por Francisco Xavier no Oriente assumem particular significado. As características do seu procedimento nas diferentes situações já foram consideradas sob diferentes aspectos. Entre êles, discutiu-se os métodos de cunho educativo, sobretudo infantil, o uso de determinadas orações nas línguas nativas, a repetição de fórmulas a serviço da memorização e a prática da oração "entoada". (a respeito desses estudos, fontes e bibliografia: Bispo, A.A., loc.cit.)
À sua chegada a Goa, Francisco Xavier encontrou um culto marcado por cuidado pela dignidade de celebrações e qualidade sacro-musical. Assim, ficou surpreendido com a vida religiosa no convento franciscano e com a solenidade das cerimônias litúrgicas na catedral, onde atuavam 13 cônegos, 6 vigários e o pároco. De acordo com os preceitos da Companhia, dedicou-se primeiramente a atos caritativos na assistência espiritual a doentes no Hospital da Misericórdia, na de presos e no ensino das crianças. Numa ermida mariana, passou a ensinar a ca. de 300 crianças os rudimentos da religião, ou seja, orações, o Credo e os mandamentos (provavelmente a igreja do Rosário, veja artigo nesta edição).
O sucesso do seu ensino catequético levou a que passasse a ser feito também em outras igrejas. Aos domingos e dias festivos, pregava aos "cristãos da terra", a êles ensinando o Pater Noster, a Ave Maria e o Credo, assim como os mandamentos. A seguir, celebrava missa no hospital dos leprosos de São Lázaro.
Seguindo um desejo do governador, transferiu-se para o cabo Comorin, para Pescaria e Travancore, fazendo-se acompanhar de dois seminaristas de Tuticorin que lhe serviam de tradutores. Logo após a sua chegada, procurou tomar conhecimento do estado dos conhecimentos da doutrina cristã, por não entenderam a língua do missionário, porém, não sabiam no que deviam crer. Nem êle sabia o malabar, nem os malabares conheciam a língua da Biscaia.
Por esse motivo, procurou os melhores conhecedores da região para lhe servirem de tradutores. Estes, com muito esforço, conseguiram traduzir alguns textos fundamentais, o "modo de sanctiguar", confessando as três pessoas serem um só Deus, o Credo, os Mandamentos, Pater noster, Ave Maria, Salve Regina e a confissão geral.
Com essas traduções decoradas, o missionário percorria as ruas com uma campânula, procurando reunir meninos e homens. Estes, tendo decorado os textos, deviam transmiti-los em casa às suas mulheres e vizinhos. Aos domingos, reunia todos os habitantes para que proferissem as orações na língua nativa. Isso representava, segundo as suas palavras, um grande prazer a todos, vindo para as reuniões com muita alegria. Começava-se com a profissão de fé na Santíssima Trindade; com grandes vozes entoavam o Credo de forma alternada com o missionário. O Credo era repetido e Francisco Xavier tratava pormenorizadamente de cada frase. Os presentes, com os braços cruzados ao peito, respondiam a alta vou os artigos. Rezavam-se 12 vezes o Pater Noster e a Ave Maria com as 12 afirmações de fé e 10 vezes o Pater Noster e a Ave Maria com os 10 Mandamentos.
Papel das crianças: instrumentos da transformação religioso-cultural
A natureza repetitiva desses textos decorados, e o contentamento dos participantes nessas repetições de frases proferidas por um estrangeiro oferecem-se para considerações teóricas relativas a processos de transformação cultural.
Esse procedimento, de início basicamente verbal, diferia daquele de outras ordens e, sobretudo, de processos desencadeados espontaneamente no contato dos indianos com expressões culturais e festivas dos portugueses. Aqui, a linguagem das imagens, próprias de danças e representações desempenhou um papel preponderante.
Outro aspecto a ser considerado - também com relação ao Brasil - é que esse método adequava-se mais a crianças do que a adultos. Assim, a grande esperança de Francisco Xavier residia nas crianças por se mostrarem mais abertas e com vontade de aprender.
As crianças tornaram-se, assim, importantes auxiliares do missionário. Para auxiliar o seu trabalho, enviava as crianças que já sabiam as orações aos doentes. Perante os parentes e vizinhos, cantavam, então, o Credo.
As crianças tornaram-se também auxiliares no combate à atos de culto e expressões religioso-culturais consuetudinárias, tão importantes para os seus pais e parentes. Às vezes estavam tão bem preparadas que iam espontaneamente atrapalhar os ritos, atacar os gentios e admoestar os próprios pais. Quando Francisco Xavier tomava conhecimento que iriam ser celebrados ritos, enviava as crianças para que fossem perturbá-los. (Ep. 52,299).
TRÊS PEQUENOS FATOS DE SÃO FRANCISCO XAVIER
O carangejo e a cruzinha
Viajando de Ambóino a Baranura, de barco, começa violenta tempestade. Para acalmar a fúria marítima, Pe. Francisco quer tocar nas águas seu crucifixo. No entanto, este escorrega de sua mão, e… Lamenta a perda, pois essa cruz tinha operado muitos prodígios.
Passado um dia inteiro, chegam ao destino. Na praia, Xavier e um português vêem aproximar-se um grande caranguejo.
Adivinhe o que ele traz nas garras… Vai direto a Xavier, que, comovido, se ajoelha, pega o crucifixo, beija-o com todo amor. O caranguejão dá meia volta e vai ‘pra casa’, contente por ter devolvido ao dono a cruzinha milagrosa.
Dom das línguas, ressurreições
No navio rumo a Ambóino, passageiros e marinheiros são de raças e línguas diferentes. Falando-lhes das verdades católicas, Xavier é compreendido de todos ao mesmo tempo, como se falasse a língua materna de cada um.
Ainda na mesma região, um menino cai num poço e morre. Pe. Francisco reza, pega-o pela mão e o devolve vivo! Acontecem outras ressurreições, inclusive no Japão.
O vulcão entra na guerra!
Na ilha de Celebes (Malásia) ele obtém grande êxito. Já são 25 mil os batizados! Mas o rei espalha o terror: persegue os católicos, destrói igrejas. É necessário um castigo. Os portugueses vão atacá-lo, encorajados pelo Pe. Xavier, que se põe a rezar.
De repente, tremendas explosões! É a montanha que abre a bocarra e vomita sobre a cidade toneladas de pedras e cinzas pegando fogo.
Casas são queimadas. Quem pode, foge. Pe. Francisco e seus amigos tomam conta da cidade .isso:
Escritos feito por Francisco Xavier - Originais
Assinatura de Xavier: Vosso amigo e irmão em Cristo, Francisco.
Carta escrita por Xavier
Corpo Incorrupto / Túmulo na Índia
O corpo de S. Francisco Xavier está hoje na Basílica do Bom Jesus em Velha Goa. A sua urna é exposta de dez em dez anos publicamente na Sé Catedral. O dia de São Francisco Xavier celebra-se a 3 de Dezembro de todos os anos. O corpo do santo encontra-se miraculosamente bem conservado, faltando-lhe, contudo um braço.
Caixão de São Francisco Xavier na Basílica do Bom Jesus, na Cidade de Goa na Índia.
Exposição das Relíquias (corpo incorrupto) nas Índias
Noticiário de 02 jornais com referencia as Exposição das Relíquias
Jornal 01 (2004)
Relíquias de São Francisco Xavier chamam milhões de visitantes
A exibição das relíquias de São Francisco Xavier na Índia está a ser um acontecimento marcante, para o qual se conta com a presença de três milhões de pessoas. A Basílica do Bom Jesus, onde está o túmulo do missionário, na parte antiga de Goa, será o lugar onde estarão expostos à veneração os restos do jesuíta, grande apóstolo do Oriente.
Desde o próximo Domingo, 21 de Novembro (2004) a 2 de Janeiro de 2005, as relíquias de uma das maiores figuras do cristianismo na Ásia serão expostas à veneração dos fiéis da região. Perante dos ataques de extremistas hindus no país e do recente incêndio na Basílica do Bom Jesus, em Goa (Índia), estão a ser reforçadas as medidas de segurança.
Goa, capital do Império português na Índia oriental, foi, em 1542, o local de chegada de São Francisco Xavier (1506-1552) e o ponto de partida do seu trabalho de evangelização no país e no extremo Oriente.
A primeira exposição dos restos mortais do santo Jesuíta aconteceu em 1782. Durante algum tempo, o corpo era exibido para veneração a cada ano, com ocasião da festa de São Francisco Xavier, em 3 de Dezembro, mas desde 1864, a exibição foi-se tornando menos frequente por motivos de segurança e, posteriormente, foi fixada a cada dez anos, criando um sentido de grande expectativa em toda a comunidade cristã.
Jornal 02 – (18/11/2004 – Roma)
Índia se prepara para exposição de relíquias de São Francisco Xavier.
Com grande expectativa e fortes medidas de segurança entre em 21 de novembro e 2 de janeiro se expor às relíquias de São Francisco Xavier na Basílica do Bom Jesus em Goa na costa ocidental da Índia.
Conforme informou a agência vaticano Fides, depois do recrudescimento dos ataques de extremistas hindus registrados na Índia, a comunidade local instalou câmaras de circuito interno, policiais com detectores de metais e um serviço de voluntários que garantirá dentro e fora da igreja a ordem e a segurança dos peregrinos.
Estima-se que uns três milhões de peregrinos cheguem à Basílica, muitos passarão a noite dentro do complexo da Basílica ou acampando nos arredores.
Dom Filippo Neri Ferrao, Arcebispo de Goa e Daman, pediu aos peregrinos que colaborem com as medidas de segurança, levando seus documentos de identidade e uma carta de apresentação do pároco ou de uma autoridade eclesiástica.
Por sua vez, o Padre Sábio Barreto, reitor da Basílica do Bom Jesus afirmou que não se pode proibir esta prática de peregrinação tão enraizada desde os tempos antigos, explicando que “com algumas precauções, podemos estar seguros da sinceridade dos peregrinos que chegam”. Úmero de São Francisco Xavier na Igreja de São José (Macau).
Francisco Xavier chegou a Goa em 1542. A primeira exposição de seus restos foi em 1782. Desde 1864 esta prática se fez menos freqüente por motivos de segurança e depois se fixou a cada dez anos. A última teve aconteceu entre em 21 de novembro de 1994 e em 7 de janeiro de 1995
Relíquia do braço de São Francisco Xavier na Igreja de Gesù, em Roma
Na Ìndia
Nesta fotografia pode observar a autêntica romaria que de dez em dez anos se dirige a Velha Goa e à Sé Catedral para pedir proteção ao Santo Padroeiro de Goa. De todo o mundo vêm cristãos e são também muitos os hindus que veneram São Francisco Xavier.
Javier (Espanha) - Castelo de Javier
Imagem de São Francisco no interior do Castelo de Xavier na Espanha
Em Roma, com Inácio de Loiola
São Francisco Xavier – Quadro de Rubens
Pregação
Ressurreição – prova para conversão dos mais bravos
Momento de oração em êxtase
“conversando com Deus e Deus com ele”
Francisco Xavier. Retrato japonês do período Nanban.
Pedro Kano (atrib.), tela sobre óleo, sec. XVIII, Museu de Kobe (Japão)
S. Francisco Xavier
(Anthony Van Dyck 1599-1641)
Quando falava com Deus através da Oração. Viam que ele fixava os olhos para o alto e não percebia nada em volta. Ou seja, Deus falava com ele na Oração, pois entreabria o peito e saia raios de luz.
Refere-se a momento de Êxtase, quando ele estava em oração.
PRINCIPAL ICONOGRAFIA DE XAVIER
Fisionomia de São Francisco, pintada em vida - (Igreja do Gesù, Roma)>
<
Theodor Galle, Effigies de S. Francisco Xavier,
(primeira ilustração feita do grande apóstolo do Oriente – Goa na India)
Prioriza as crianças: instrumentos da transformação religioso-cultural
Milagre no mar: transformação da água salgada para doce
Autor indiano, óleo sobre tela, séc. XVII, Capela Mortuária de S.
Francisco Xavier (foto da autora)
Ressalta fisionomia sempre com barba
Relembra seu intento final: - entrar na China - que estava a apenas 36 km da Ilha de Sancião onde aguardava a travessia
Morte de S. Francisco Xavier na Ilha de Sancião na China
Fig. 8: Gaspar Conrado (atr.), , séc. XVII, óleo sobre tela, Cidade do México, Casa Professa.
Ressalta sempre o crucifixo que ele carregava e os anjos celestes servido, na morte simples a beira do mar (ver navio ao fundo que o aguardava até entrar na China). Numa simples cabana de Taipa e coberta de ramos entregou a Deus sua alma bem-aventurada depois das peregrinações na missão.
Nossa Senhora com o Menino e os quinze mistérios do Rosário e os dois primeiros santos jesuítas: Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier
Pintor japonês anônimo, séc. XVII, aguarela, Museu da Universidade de Kyoto.
Cristo Salvador do Mundo
com Santos Jesuítas
Pintor indiano, óleo sobre tela,
séc. XVII, Bom Jesus, Goa.
Estatua de São Francisco Xavier próximo ao Castelo de Xavier na Espanha onde o santo nasceu e é padroeiro da Região de Navarra >
Imagem de São Francisco Xavier
Interior da capela do Castelo
de Xavier na Espanha
Imagem Sacra destaca veste de peregrino e crucifixo
A estátua de São Francisco Xavier (ao centro), Angiró (à esquerda) e Bernardo de Kagoshima (direita) no Parque Xavier (Cidade de Kagoshima, Japão).
CRONOLOGIA DA VIDA DE XAVIER
Cronologia resumida
São Francisco Xavier nasceu na Espanha em 1506 e faleceu em 1552 na China, aos 46 anos de idade. Fo
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