Fernando era um
jogador desenfreado. Xavier mostrava interessar-se muito nos seus jogos, e,
ouvindo-o jurar e blasfemar, um dia em que perdia consideravelmente, disse-lhe
com a mais agradável expressão
- O jogo exige presença de espírito, senhor Alvarez; tende confiança,
que não perdereis até ao fim se vos portardes bem.
- Que quereis, meu Padre, eu não sou senhor de mim, respondeu o fogoso
soldado, cuja brutalidade se tornara proverbial.
Na manhã seguinte, reconhecendo o nosso Santo a estima que Fernando
Alvarez já sentia por ele, julgou chegado o momento. Passou o seu braço pelo
daquele homem de guerra, e no tom mais insinuante, disse-lhe em voz baixa,
arrastando-o para a ponte.
- Senhor Fernando, eu sou muito curioso e desejo muito saber uma coisa
que somente vós me podeis dizer.
- Falai, meu Padre.
- Pois bem! dizei-me se vos confessastes antes de partir.
- Oh! há já muito tempo que me não ocupo disso, meu Padre.
- Como! bravo como sois, o primeiro sempre na brecha, sempre exposto a
ser o primeiro morto, quereis comparecer na presença de Deus com uma
consciência tão pesada? Qual é o vosso pensamento?
- Meu caro Padre, julgo que não sou uma boa presa, porque quis
confessar-me uma vez, antes de partir para o inimigo, e o vigário rejeitou-me
sob pretexto de que me não achava preparado; creio que ele teve repugnância de
mim.
- Ora bem! mas eu, que não tenho tal repugnância, quero confessar-vos,
Senhor Fernando; não quero que um turco vos mate e lance a vossa alma ao
inferno.
- Vós não sabeis a que vos comprometeis, meu Padre!... O negócio é de
muita dificuldade...
- Não obstante isso, senhor, deixai-me preparar-vos para fazer uma boa
confissão, e vereis que não será mais difícil para vós do que tem sido para
tantos outros.
- Fernando não resistiu mais; ouviu o nosso apóstolo, deixou-se subjugar
pela sua meiga e poderosa palavra, e prometeu-lhe confessar-se no porto de
Coulão, dó qual se achavam próximos. Logo que ali chegaram, Francisco Xavier
desembarcou com ele e confessou-o numa floresta que bordava o litoral.
- Meu Padre, disse Fernando, inspiraste-me um tão grande remorso pela
minha desregrada vida, que podeis impôr-me a mais rigorosa penitência;
prometo-vos fazer tudo que quiserdes para expiação dos meus pecados.
Mas o santo apóstolo impôs-lhe somente a recitação de um Pai Nosso e de uma
Ave Maria e tão grande foi a admiração de Fernando, que exclamou:
- Por quê, um Pai Nosso e uma Ave-Maria por esta confissão de soldado? E
que quereis, pois, que eu espere depois de ter ofendido tanto a Deus, sem que
me seja imposta, e eu cumpra, uma penitência proporcionada, quanto possível, à
gravidade dos meus pecados?
- A misericórdia de Deus é infinita, meu amigo, tende confiança; quanto
à sua justiça, nós a aplicaremos, eu o espero, respondeu-lhe Xavier com aquela
inefável doçura com que tanto se fazia amar.
Depois, internou-se na floresta, enquanto Fernando cumpria asna
penitência, e ali, como em Cranganor, martiriza-se àsperamente com a disciplina
que trazia sempre consigo. Fernando ouve e adivinha o seu pensamento; corre
para ele, arranca a disciplina de suas mãos, despe-se até à cintura e bate em
si até fazer sangue, porque vira correr também o sangue do santo Padre.
- Meu Padre, meu caro Padre, fui eu que pequei e vós castigais-vos!
disse ele em lágrimas.
Francisco Xavier abraça-o muitas vezes, feliz por o ver numa disposição
cuja perseverança previa.
- Agora vos confesso, lhe diz ele, que embarquei somente por vossa
causa. Quis dar a vossa alma a Deus e tive esta consolação; deixo-vos com a
esperança de que sereis fiel à graça que acabais de receber. Prossegui na vossa
viagem; eu volto a Goa e não vos esquecerei diante de Nosso Senhor!
Depois da expedição de Adém, Fernando entrou numa Ordem religiosa onde
viveu e morreu santamente.
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