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AO PADRE SIMÃO RODRIGUES
Cochim, 27 de Janeiro 1545
Cópia em português, feita em 1553
A graça e amor de Cristo Nosso
Senhor seja sempre em nossa ajuda e favor. Amen.
Aconselha Simão a não ir para a Índia sem ter boa saúde
1. As cartas
que escrevo para Roma mando-as abertas, para que as leais e saibais as notícias
de cá e provejais de mandar muita gente todos os anos1, pois há nestas partes
onde podem, por muitos que venham, servir muito a Deus Nosso Senhor. De virdes
[para] cá não vos aconselho, se não vos achais muito de saúde, porque esta
terra é muito trabalhosa e requer corpos sãos e de muita força. Se tantas
fossem as vossas forças corporais como são as espirituais, rogar-vos-ia muito
que viésseis. Isto digo, sendo o Padre Inácio a aconselhar-vos e [a]
mandar-vos, pois é nosso pai a quem devemos obedecer, e sem seu conselho e
mandato não bulir connosco.
Diogo Fernandes está muito contente no colégio de S. Paulo
2. De Diogo
Fernandes3 vos faço saber que o vi em Goa haverá um mês, muito em paz, de saúde
e muito consolado, no colégio da Santa Fé, em companhia de Mestre Diogo e Micer
Paulo. Serve lá muito a Deus Nosso Senhor. Está muito contente de estar naquele
colégio. Ele me disse que vos ia escrever largamente. Não deixeis de
escrever-lhe, pois tanto vos ama e quer. Porque será muito consolado com as
vossas cartas em vos parecer bem de ele estar no colégio como ao presente está.
Ele e Mansilhas encomendam-se às orações de todos os da Companhia de
Jesus
3. Francisco
Mansilhas e eu nos encomendamos nas devotas orações, vossas e de todos os da
Companhia, pois nós, estando cá, somos feitura de todos vós. Em particular e em
geral a todos nos encomendareis em seus devotos sacrifícios e orações, pois cá
vivemos com muita necessidade das vossas ajudas espirituais e das de todos os
vossos devotos.
Insta que lhe escrevam. As cartas que escreve para Roam podem lê-las
todos, menos a que escreve a Inácio
4. Rogo-vos
muito, por amor de Deus Nosso Senhor, que me escrevais ou encomendeis a alguém
da Companhia que me escreva largamente, em particular e universal, de todos os
Irmãos de Portugal, de Roma, pois que não temos maior consolação, quando vêm
as naus do Reino, que ler as vossas cartas.
1
Recebida esta carta, Rodrigues quis mandar logo dez Padres e cinco Irmãos para
a Índia (Epp. Mixtae I 231). Em 1556 embarcaram 9 jesuítas para o Oriente (CAMARA
MANUEL, Missões 130; FRANCO, Synopsis; Doc. Indica I 30* 139).
3
Cf. Xavier-doc. 45,2.
A carta que
escrevo aos companheiros de Roma lereis a Pedro Carvalho4, nosso grande amigo,
e dir-lhe-eis da minha parte que, porque o tenho em conta dos Irmãos de Roma e
Portugal, por isso não lhe escrevo mais do que escrevo a eles. E o mesmo direis
a todos esses Irmãos que estão convosco: que esta carta, ainda que é uma,
quando a lerem muitos será muitas cartas.
A outra carta
que escrevo ao Padre Inácio (*carta nº 47), lê-la-eis vós somente e os que a
vós vos parecer. Lidas ambas as duas, cerrá-las-eis e seguramente as mandareis
a Roma.
Nosso Senhor
seja sempre em nossa ajuda, e nos dê graça para sentir sua santíssima vontade,
e forças para cumprir e pôr em obra o que à hora da nossa morte folgaríamos ter
feito.
De Cochim, a
27 de Janeiro de 1545
Indulgências a pedir ao Papa por intermédio do Rei
5. As graças e
indulgências que mandei pedir a Roma – pelo muito que o Governador me
encomendou, porquanto esta terra tem muita necessidade delas, sobre as quais
escrevo ao Rei este ano para que as mande para consolação do fiel povo destas
partes – por serviço de Deus Nosso Senhor vos rogo e encomendo muito que vos
encarregueis de fazer lembrança ao Rei, para que as mande pedir a Sua
Santidade.
E a graça que,
nos anos passados e neste, mando pedir ao Padre Inácio para o santo colégio da
Santa Fé – para satisfação das pessoas devotas que o fundaram, e para
acrescentamento da devoção daquela casa – que ele faça com Sua Santidade que o
altar maior de Santa Fé seja privilegiado: que todos os sacerdotes que disserem
Missa nele tirem uma alma do purgatório, assim como nos altares privilegiados
de Roma. Esta graça e indulgência, da maneira que a mandei pedir, como o Governador
ordenou, acrescentará muito a devoção daquela santa casa.
Mandem muitos companheiros para a Índia. Desejaria ver lá também Simão
6. Mandai
muita gente para a Índia, porque acrescentarão muito as fronteiras da santa
madre Igreja. Pela muita experiência que tenho da míngua que fazem os zelosos
da fé de Cristo Nosso Redentor e Senhor, é que tantas vezes o encomendo. Deus
sabe a verdade: quanto desejaria ver-vos para muita consolação minha! Deveis à
vossa virtude e dom que Deus vos deu, que tanto me fazeis desejar-vos a vista.
Se estes meus desejos de virdes para cá se pudessem cumprir, sendo maior
serviço de Deus ou igual, Deus sabe o gosto e contentamento que levaria em
ver-vos e servir-vos.
Não lhe aconselha a mandar amigos para cargos reais na Índia
7. Nenhum amigo vosso consintais
vir para a Índia, com cargos e ofícios do Rei, porque deles propriamente se
pode dizer: «Sejam riscados do livro dos vivos e não sejam inscritos na lista
dos justos»(Ps. 68,29). Por muito que da
sua virtude confieis, se não for confirmado em graça como o foram os apóstolos,
doutra maneira não espereis que farão o que devem, porque está tanto em costume
de cá fazer o que não se deve, que não vejo cura nenhuma: é que todos vão para
o caminho de rapio, rapis. Estou espantado como, os que daí vêm, acham tantos
modos, tempos e particípios a este verbo coitado de rapio, rapis. E são de tão
boa presa, os que daí vêm despachados com estes cargos, que nunca largam nada
do que tomam. Por isso, podeis ver quão mal despachadas vão, desta vida para a
outra, as almas dos que com estes cargos vêm.
Elogia o Vigário Geral, que vai a Lisboa tratar de assuntos do Padroado
missionário, e mostra a necessidade de que regresse à Índia
8. Aí vai
Miguel Vaz, Vigário geral que foi destas partes da Índia, homem muito zeloso do
serviço de Deus. Vê-lo-eis e, por sua santa conversação e zelo que da honra de
Cristo tem, conhecereis a valia da pessoa. Ele vos informará muito largamente
das coisas de cá. Ao Rei escrevo sobre ele. Por descarregar minha consciência e
a de Sua Alteza, que o mande vir cedo, pela muita necessidade que a Índia tem
dele, por ser ele homem que defende as ovelhas destas partes dos lobos, que
nunca se fartam. Crede que é homem, Miguel Vaz, que nunca se cansa de ladrar
contra os que destroem e perseguem os que novamente se convertem. E se outro
mandar Sua Alteza, antes que tenha a experiência das coisas que Miguel Vaz
destas partes tem, em doze anos que nestas partes esteve, e tão quisto dos bons
e temido dos maus, não sei quanto Sua Alteza acertará. Falai ao Rei para que o
torne a mandar.
Vosso em
Cristo caríssimo Irmão verdadeiro, FRANCISCO
60
AO PADRE INÁCIO DE LOYOLA (ROMA)
Cochim, 20 de Janeiro 1548
Duma cópia em latim, feita em 1596
A graça e caridade de Cristo
Nosso Senhor, [seja sempre em nossa ajuda e favor. Ámen]
Já que não pode tratar da sua vida espiritual com Inácio, pede que
mande algum Padre espiritual que o ajude a ele e aos outros jesuítas
1. Deus me é
testemunha, padre caríssimo, de quão intensamente lhe peço para vos ver ainda
nesta vida, para convosco falar de muitas coisas que requerem a vossa ajuda e
remédio, pois nenhuma distância se opõe à obediência1. Vejo que nestas
paragens há muitos da Companhia2, e vejo igualmente que necessitamos médico das
nossas almas. Pelo Senhor Jesus vos rogo e suplico, pai boníssimo, que olheis
também por estes vossos filhos que estamos na Índia, e envieis uma pessoa
eminente em virtude e santidade, cuja firmeza e alento sacuda o meu torpor.
Tenho grande esperança de que, pois vedes tão segura e sobrenaturalmente as
afeições das nossas almas, poreis diligentemente mãos à obra, para que a
virtude já lânguida de todos nós se anime com mais entusiasmo ao desejo de
perfeição3.
Para os portugueses, pede bons pregadores; para os gentios,
missionários seguros
2. Nenhuma
coisa mais deseja, esta terra, da nossa Companhia, que pregadores4. Entre os
que Mestre Simão enviou a estas partes, não há, que eu saiba, nenhum pregador.
Os portugueses que vivem na Índia, pelo seu grande amor e benevolência para
connosco, desejam grandemente pregadores da nossa Companhia. Portanto,
rogo-vos, por Deus e seu serviço, que, em vista de tão piedoso e justo pedido,
envieis a estas terras alguns padres aptos para este ministério, que mostra aos
que andam desviados o caminho recto da salvação. Além disso, os que enviardes
da Companhia para percorrer os lugares dos gentios, para pregar-lhes o
Evangelho, convém que sejam de tão assinalada virtude que possam ir com
segurança, acompanhados ou sós5, aonde quer que os reclame a causa cristã: seja
a Maluco, à China ou ao Japão. Pela descrição da China e do Japão e das suas
gentes, que vos envio dentro desta carta, entendereis facilmente que classe de
pessoas requer este assunto6.
Urge as indulgências e faculdades já pedidas e desiste de mudanças da
Quaresma
3. Ainda
estamos esperando, com incrível ânsia, as indulgências pontifícias e o
privilégio do altar privilegiado para o nosso colégio, e a faculdade de os
sacerdotes poderem confirmar os povos em vez do Bispo: de tudo isso vos escrevi
em anos anteriores7. Pelo que toca à Quaresma, a experiência me ensinou que não
é necessário mudar nada8. Uma vez que os portugueses da Índia vivem tão
separados entre si, olhando ao bem comum, não há necessidade de mudança
nenhuma. Porque nem o Inverno é ao mesmo tempo em todas as cidades e povoações
onde há portugueses. Por isso, tendo em conta o bem comum, julgo preferível que
nada de novo se decida sobre isto, embora veja que não falta quem pense o
contrário.
TRECHO DA CARTA 70, 12/01/1549 , DE COCHIM NA INDIA A INÁCIO DE LOIOLA
TRECHO DA CARTA 70, 12/01/1549 , DE COCHIM NA INDIA A INÁCIO DE LOIOLA
Utilidade dos colégios na Índia e esperanças que põe na possível ida de
Simão Rodrigues para a Índia, com muitos missionários
11. Nestas
partes da Índia há catorze ou quinze fortalezas27, nas quais vivem de assento
portugueses, e não vivem senão em fortalezas28. Nestas partes se fariam muitos
colégios, se o Rei favorecesse os princípios, dando alguma renda. Eu escrevo
muito longamente a Sua Alteza sobre estes colégios. E também a Mestre Simão,
dando-lhe muita informação destas partes, dizendo que acertaria muito se, com
o vosso parecer, obediência e mandato, viesse a estas partes com muitos da
Companhia, entre os quais viessem pregadores: é que facilmente se fariam
colégios com a sua vinda, contanto que viesse muito favorecido do Rei. A mim me
parece, Pai meu observantíssimo, que acertaria Mestre Simão se a estas partes
viesse. Uma vez que é tão aceite ao Rei, viria muito favorecido de Sua Alteza,
assim para acrescentar colégios, como para favorecer aos que são já cristãos e
aos que o seriam se tivessem favor. Verá vossa Caridade o que nisto lhe parece,
para prover nisso, escrevendo a Mestre Simão: é que me disse António Gomes que
está Mestre Simão determinado a vir a estas partes, com muitos do colégio de
Coimbra.
Pede uma instrução espiritual de Inácio que ajude a todos e elogia a
ação inculturada do P. Henrique Henriques na sua Missão
12. Algumas
pessoas da Companhia, que não tivessem habilidade para letras nem para pregar,
que aí não fazem falta, tanto em Roma como noutras partes, parece-me que aqui
serviriam mais a Deus, se fossem muito mortificados e de muitas experiências,
com as demais virtudes que se requerem para ajudar entre estes infiéis: sobretudo
que fossem muito castos, e tivessem idade e forças corporais para levar os
grandes trabalhos destas partes. Proveja nisto vossa Caridade, como melhor lhe
parecer.
Faria muito
serviço a Deus Nosso Senhor vossa Caridade, se a todos os seus mínimos filhos da
Índia nos escrevesse uma carta de doutrina e avisos espirituais, como
testamento, em que repartisse com estes desterrados filhos seus, quanto o são
da vista corporal, as riquezas que Deus Nosso Senhor lhe tem comunicado. Por
amor e serviço de Deus Nosso Senhor: se pudesse ser, que nos escreva!
Um Padre de
Missa, da Companhia, está no Cabo de Comorim, o qual veio de Portugal, por nome
Henrique Henriques29: é muito virtuosa pessoa e de muita edificação, sabe falar
e escrever malabar(*Língua tamul), e faz mais
fruto que dois outros, por saber a língua. Os cristãos da terra amam-no coisa
de espanto e lhe dão grande crédito, pelas pregações e práticas que na sua
língua lhes faz. Por amor de Deus Nosso Senhor: que lhe escrevais e consoleis,
pois é tão boa pessoa e faz tanto fruto31!
Méritos de Fr. Vicente OFM na formação dos «cristãos de S. Tomé».
Ajudas e indulgências que pede
13. A cinco
léguas desta cidade de Cochim (*em Cranganor),
está um colégio muito gracioso, que
25
Só escreveu Anjirô (Doc. Indica I 335-341; cf. MI, Epp. II 569.
26
A informação de Anjirô sobre o Japão, escrita por Lacillotto, foi enviada por
seis vias (03 dirigidas a Inácio e 03 a S. Rodrigues) em várias línguas
(italiano, espanhol e português). A esta carta vinha anexa a a informação em
italiano, com este título: Informatione de una isola che novamente si è
scoperta nella parte de septentrione chiamata Giapan.
27
Sofala, ilha de Moçambique, Ormuz, Diu, Bassaim, Chaul, Goa, Cananor, Chalé,
Cranganor, Cochim, Coulão, Malaca, Ternate. A fortaleza de Colombo estava já
destruída.
28
Também havia comunidades portuguesas fora das fortalezas, por ex., em Thana,
Galle, Negapatão, São Tomé.
29
Henrique Henriques, S.I., nascido em Vila Viçosa por 1520, entrou na Companhia
de Jesus em 1545 e no ano seguinte partiu para a Índia. Trabalhou
incansavelmente na Costa da Pescaria, onde morreu (em Punicale) em 1600
31
No sumário da resposta lê-se: « Quanto a Henrique Henriques e aos outros que
têm impedimentos, uma folhazita aparte, mostrável a eles, onde se lhes diz que
N.P. procurará consolá-los» (MI, Epp. II 569).
fez um Padre da Ordem de S.
Francisco: é capuchinho33, por nome Frei Vicente34, companheiro do Bispo35, que
é também frade da Ordem de S. Francisco, capuchinho. Não há em toda a Índia senão
um Bispo, e este é mui grande amigo da nossa Companhia. Deseja o senhor Bispo
conhecer vossa Caridade por cartas. Por serviço de Deus Nosso Senhor: se puder
ser, que lhe escrevais36!
No colégio que
fez o Padre Frei Vicente há cem estudantes, naturais da terra. Este colégio
está numa fortaleza do Rei. Eu sou muito amigo deste Padre e ele de mim, e pede
um Padre da nossa Companhia, sacerdote que leia, no colégio, gramática aos de
casa e, também que, nos domingos e festas, pregasse aos moradores que vivem na
fortaleza e aos do colégio. Ao redor deste colégio há muitos cristãos do tempo
de S. Tomé: há mais de sessenta lugares37, e os estudantes deste colégio são
filhos dos principais cristãos.
14. Nesta
fortaleza, onde está este colégio, há duas igrejas: uma, da invocação de S.
Tomé38 e, a outra, que está dentro do colégio e se chama de S. Tiago. Deseja
muito o Padre Frei Vicente que, no dia de S. Tomé e no dia de S. Tiago com suas
oitavas, houvesse nestas igrejas indulgência plenária para maior devoção dos
cristãos da terra, os quais descendem dos que fez S. Tomé e são mui devotos
seus: chamam-nos cristãos de S. Tomé. O Padre Frei Vicente roga-vos muito que
lhe mandeis algum Padre da Companhia para o colégio de S. Tiago de Cranganor,
para pregar e ensinar gramática, e também as indulgências e graças que pede
para estas igrejas da fortaleza de Cranganor. Com isto o consolareis muito e
obrigareis a que em vida e na morte seja nosso. Encomendou-me muito estas
indulgências: nem poderíeis crer quanto as deseja! E também seria consolado
com uma carta vossa39.
Pede que celebrem por ele uma Missa onde foi crucificado S. Pedro e
outras orações. Escreve de joelhos
15. Desejo
muito, Pai meu, que por espaço de um ano todos os meses encomendasse a algum
Padre da Companhia que me dissesse (celebrasse em intenção) uma Missa em S.
Pedro de Montoro40, naquela capela onde dizem que S. Pedro foi crucificado41.
Por amor de
Nosso Senhor, peço a vossa Caridade que dê cargo a alguma pessoa da casa que me
escreva notícias de todos os professos da Companhia, assim do número42 como
onde estão43, e de quantos colégios há44, e as obrigações a que são obrigados
os professos45, e assim muitas outras coisas do fruto que fazem os da
Companhia. Eu deixo ordem em Goa para que me mandem as cartas para Malaca e, em
Malaca, para que mas transcrevam por muitas vias para mas mandarem para o
Japão.
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