PROCESSO DE SANTIFICAÇÃO

CARTA DE D. JOÃO III - CULTO - OUTROS MILAGRES Lisboa, 28 de Março de 1556. Vice-rei, meu amigo. A vida e as ações maravilhosas de Francisco Xavier têm sido tão admiráveis, que a sua publicação deve necessariamente resultar em glória de Deus Nosso Senhor. Eu vos mando, por isso, que façais ouvir as testemunhas em toda a parte onde elas estejam; que procedais a um inquérito sobre todos os atos prodigiosos daquele homem extraordinário, sobre todos os feitos sobrehumanos por ele praticados, sobre todos os prodígios que Deus operou pelo seu ministério ou às suas orações, quer seja durante a sua vida ou depois da sua morte.. Fareis lavrar atas autênticas cujos originais me enviareis. Fareis inscrever todos os factos e todos os inquéritos, dia por dia, com suas datas, nos registos públicos. Este inquérito deverá ser feito por tal modo, que todo o homem que tenha conhecido as particularidades da urda, das ações, dos hábitos de Francisco Xavier, nos países que ele percorreu responda, em consciência e sob a fé de juramento, às perguntas que lhes forem dirigidas. Vós me fareis uma dupla remessa deste inquérito, firmado com a vossa assinatura e do auditor geral, em número de três cópias, por três vias diferentes. Com isto muito me obsequiareis. Vice-rei, meu amigo, envio-vos muito saudar. Eu, O Rei. Não era coisa muito fácil satisfazer aquele desejo, ou antes obedecer àquela vontade de D. João III. Todos os povos indianos se indignaram só com a idéia deste inquérito; era, no seu entender, levantar dúvidas sobre a santidade do seu santo Padre, e nada havia que pudesse feri-los mais viva e profundamente.. Já os Paravás, na costa da Pescaria, não consultando mais que a sua elevada devoção pelo seu grande Padre tão querido, tinham erigido uma igreja em sua honra, não obstante as representações dos Padres da Companhia. Concorriam em multidão a render-lhe homenagem naquela igreja onde haviam colocado uma imagem sua, e o santo apóstolo, sempre cheio de ternura pelos seus primeiros filhos indianos, concedia-lhes tantas graças, que os milagres não se contavam já; aquela igreja veio a ser a peregrinação mais célebre. O rei de Travancor, persuadido de que o grande Xavier fosse um Deus, fez-lhe levantar um templo que excedia em magnificência a todos os outros que ele havia erigido em honra de Mahomet, cuja lei seguia. Sobre a costa do Comorim, os muçulmanos haviam-lhe também consagrado uma mesquita. Todos os infiéis das Índias não o chamavam senão o Deus, o senhor do céu, da terra e dos mares. As imagens do apóstolo do Oriente existiam já em toda a parte, e em toda a parte elas faziam prodígios. O próprio arcebispo de Goa trazia uma ao pescoço e obteve do nosso Santo a cura de uma doença tida então como incurável. Francisco Nunes, vigário geral de Coulão, num relatório sobre os milagres operados na área da sua jurisdição, diz que foi obrigado a abrir um poço para dar de beber aos peregrinos que concorriam de toda a parte à igreja que a cidade de Coulão fizera erigir em sua honra. Acrescenta que as igrejas do país, dedicadas a outros santos, perdiam a sua invocação se nela se colocasse a imagem do apóstolo das Índias. Para todo aquele povo passava Padre ou do santo Padre. Os pagãos tinham por uso jurar tocando um objecto de ferro em brasa, para atestar a verdade do seu testemunho. Depois da morte de Xavier, não juravam senão pelo seu nome, a ser desde logo a igreja do grande e muitas vezes Deus não quis permitir que se mentisse impunemente invocando o nome do grande apóstolo. Um pagão devedor duma soma considerável a um cristão, nega a sua divida; supunha ele que nada tinha a recear, pois que não existia prova alguma e nem mesmo testemunhas do empréstimo. O credor obrigou-ó, em presença de testemunhas, a jurar pelo santo Padre Francisco que ele lhe não devia nada; o idólatra jura, e, logo que entra em sua casa, é atacado duma espécie de frenesi, no meio do qual vomita todo o seu salgue, e morre proferindo palavras de raiva que causam admiração e horror naqueles que inutilmente buscavam socorrê-lo. Os japoneses não testemunhavam menos confiança na santidade do ilustre Xavier. A casa em que ele residira em Amanguchi era tida como um lugar santificado pela sua presença; iam aí invocá-lo, pedir-lhe graças extraordinárias, e obtinham uma infinidade de milagres. Em Saxuma, os cristãos conservavam com veneração uma pedra sobre a qual ele pregara muitas vezes, e a mostravam, com santo orgulho, como o seu mais precioso tesouro. O rei de Ficando, escrevia, em 1554, ao Padre Melchior Nunes, provincial da Companhia de Jesus nas Índias: "Padre Bonzo Cristão, O grande e célebre bonzo Francisco Xavier veio, há-de haver quatro anos, aos meus estados; ele converteu um grande número de meus vassalos à religião de um só Deus, e eu regozijei-me com isso; eu protejo-os contra o ódio dos bonzos de Chaca e de Amida. O bonzo cristão, que está em Funai, veio duas vezes á minha côrte; ele baptizou muitos dos meus parentes e grandes do meu reino; eu ouvi a sua doutrina, e satisfêz-me muito; ela tocou o meu coração, e eu quero obedecer-lhe e ser cristão; é por isso que as portas do meu palácio se abrirão para vós, se quiserdes satisfazer ao grande desejo que tenho de vos ver. Eu menti outrora, mas não mentirei mais. Se vierdes ver-me, fareis uma coisa muito agradável ao Deus único dos cristãos que é o verdadeiro, e a vossa vinda encherá de regozijo o meu coração". O rei de Cangoxima, que S. Francisco Xavier não conseguira converter, encantado da submissão e das virtudes dos cristãos dos seus estados, escrevia também ao Padre provincial pedindo-lhe padres da sua Companhia, e dizia-lhe: "Antes que os vossos santos mistérios fossem ensinados no meu reino, nós consumíamo-nos queimados por um ar de fogo, e os vossos bonzos foram como ventiladores que refrescaram os corações dos mortais". Para os habitantes de Cangoxima, o grande Xavier era o ventilador celeste. O Padre Luís de Almeida escrevia à Companhia de Jesus, que na sua passagem pela fortaleza do príncipe Hexandono, onde Xavier havia convertido um tão grande número de pessoas por meio de uma só pregação, encontrou a mais viva fé em todos aqueles que tinham recebido o batismo da sua mão. A princesa operava numerosos milagres por meio do pequeno livro de orações que ele lhe deixara, e o intendente obtivera igualmente muitos por 'meio da sua disciplina. Dirigiram sobre isto um grande número de perguntas ao Padre Almeida que retiveram por quinze dias na fortaleza para dele receberem os socorros religiosos de que se achavam privados. O rei de Bungo, que tão ternamente amara o santo apóstolo do Japão, mas que não tinha tido a coragem de sacrificar as suas paixões por uma religião que ele reconhecia como única verdadeira, experimentou o efeito da proteção do nosso Santo; converteu-se sinceramente, fez lançar ao mar os ídolos que conservava até então no seu palácio, entregou-se aos exercícios da penitência, e foi finalmente baptizado pelo Padre Cabral. Em memória do Santo que ele tanto prezara e admirara, e a quem se sentia agradecido pela sua conversão, quis tomar no batismo o nome de Francisco, ao qual ajuntou, para sua maior satisfação, o de Xavier. Dois meses depois do seu batismo, teve guerras a sustentar; foi vencido, destronado e despojado, mas coisa alguma enfraqueceu a sua fé. Respondia àqueles que atribuíam à sua mudança de religião os reveses que sofrera: Eu fiz voto de viver e morrer cristão; pouco me importa a perda do meu reino! Uma só perda me seria horrível: a da fé! Quanto a mim, empenho-me tanto em a conservar, que desprezo tudo o mais! E quando eu visse o Japão, a Europa, os Padres da Companhia de Jesus e o próprio Papa renunciar a fé em Jesus Cristo, eu a não renunciaria! Se fosse necessário dar a minha vida, não hesitaria, com a graça de Deus, em a dar de todo o coração". As suas disposições foram abençoadas; recobrou os seus estados e o seu poder, e solicitou com grande interesse a canonização do seu santo amigo, de acordo com os reis de Arima, de Omura e outros soberanos do Japão. O Grão-Mogol Akebar, maravilhado da fama estrondosa dos milagres operados na Ásia pelo apóstolo do Oriente, despacha um embaixador a Goa para pedir padres da Companhia do grande Xavier, a fim de explicar a doutrina dum Deus pelo qual se operam tais prodígios. O embaixador solicita também, para si, o favor de ver o corpo do célebre santo Padre das Índias, e não se atreveu a aproximar-se daqueles restos mortais antes de ter tirado os sapatos. Todas as pessoas da sua numerosa comitiva o imitaram, e viu-se todos aqueles muçulmanos prostrarem-se muitas vezes, até tocarem com a fronte o pavimento da igreja, antes que se permitissem a honra de dirigir os seus olhares para o corpo dum Santo cujo poder era superior ao do seu profeta. Os navios que passavam à vista da ilha de Sancião, prestavam homenagem, salvando com toda a sua artilharia, ao lugar em que o grande Xavier tinha deixado a terra, e onde o seu corpo se conservara perto de três meses, privado das honras que lhe eram devidas. Os portugueses aí fizeram erigir uma capela que posteriormente foi saqueada e destruída pelos piratas, e de que não existem senão ruínas. Até na Africa o nome de Francisco Xavier era venerado como o do homem mais extraordinário e mais maravilhoso. Será, pois, para admirar, depois de tudo isto, que os índios, os japoneses e todos os povos que a poderosa palavra do grande conquistador da Igreja havia convertido ao Cristianismo, se ofendessem pelos processos empregados para dar aos seus milagres a autenticidade exigida para a canonização dos santos? Supunham aqueles bons índios que era bastante abrir-se os olhos e olhar em torno de si, pois que os milagres brilhavam em toda a parte. Achando-se o navio de Bento Coelho a caminho de Malaca para Cantão, adoeceram gravemente, atacados de perigosa enfermidade, alguns passageiros; eles pedem ao capitão que toque em Sancião e que os faça conduzir ao sítio do prado em que o santo Padre fora sepultado. O capitão cede àquele piedoso desejo; os doentes deitam sobre as suas cabeças uma pequena porção daquela terra que a presença do corpo venerando santificara, e no mesmo instante todos recobram a saúde. O navio do Capitão Manuel da Silva fez-se à vela para o porto de Cochim, seguindo a derrota de Bengala. No meio dc golfo foi acometido por uma tempestade que o forçou a cortar a mastreação e a lançar ao mar o seu carregamento muito precioso. Todas estas medidas desesperadas não podem salvar o navio, o naufrágio é inevitável... Chamam em grandes gritos o santo Padre que tantas vezes acalmara o furor do mar... No mesmo momento uma terrível onda semelhando uma montanha, que ia cair sobre o navio e submergi-lo, recua e desaparece ao nome de Xavier! As contas do rosário do nosso santo foram suficientes para operar maravilhas, assim como os rotos pedaços do seu pobre vestuário, que se tinha dividido com a mais notável parcimônia; eram apenas alguns fios, mas era bastante. As cruzes que ele tinha colocado por suas próprias mãos nos lugares mais elevados, estavam cheias de ofertas ex-voto, não somente dos cristãos, mas também dos pagãos e muçulmanos, em reconhecimento dos favores obtidos por sua intercessão. A cruz de Cotate, na qual estava a imagem do grande Padre, tornou-se uma das mais célebres pela cura imediata dos doentes que se faziam conduzir para junto dela. Um paralítico encontrara o movimento, um cego recuperara a vista, os prodígios multiplicavam-se todos os dias, e foi preciso tirarem-se cópias da imagem milagrosa que todos queriam possuir. Gaspar Gonçalves, orgulhoso por possuir uma daquelas cópias que levava de Cotate, chega a Cochim, às onze horas da noite. A meia noite o fogo apoderava-se da casa vizinha à sua, morada de Cristóvão de Miranda. As habitações eram geralmente construídas de madeira e cobertas de folhas de palmeira: num instante o incêndio apresenta imensas chamas. A filha do Miranda perecera naquela fornalha; os habitantes da casa vizinha tinham lançado precipitadamente pelas janelas os móveis, a roupa, tudo quanto puderam salvar por este modo, e cada um se ocupava da sua segurança pessoal, quando Gaspar Gonçalves se lembra do tesouro que possue. Lança-se de joelhos com todos os moradores da casa, chama o santo Padre em seu auxilio e apresenta às chamas a imagem daquele que não cessa de espalhar as graças do Céu sobre os que o invocam com confiança. No mesmo momento as chamas abatem-se, o fogo extingue-se, a cidade fica salva dum incêndio geral e inevitável! Uma piedosa viúva, Lúcia de Velanzan, nascida na China, tinha habitado Malaca onde tivera a felicidade de ser dirigida por Francisco Xavier; posteriormente habitava Cochim, e tendo uma viva fé nos méritos do santo apóstolo, obtinha admiráveis maravilhas por meio duma pequena medalha tocada na sua imagem. Fazia o sinal da cruz com aquela medalha sobre os doentes que lhe levavam, dizendo-lhe: "Em nome de Jesus e do santo Padre Francisco, a saúde vos seja restituída!" Gonçalo Rodrigues tinha, havia muitos meses, um abcesso junto do coração; não obstante os remédios empregados, aquele abcesso tomara todos os caracteres dum cancro e fazia-o sofrer todos os efeitos dolorosos. Vai procurar Lúcia, ajoelha-se diante dela, pedindo-lhe que o cure com a medalha do santo Padre, e Lúcia tendo feito o sinal da cruz três vezes sobre a parte ulcerada, a chaga desapareceu imediatamente. Maria Dias era cega e paralítica de todo o lado direito, desde a cabeça até aos pés. Transporta-se para casa de Lúcia que a deixa em sua companhia e lhe aplica todos os dias sobre o lado paralítico uma compressa embebida em água na qual havia banhado a medalha milagrosa. Ao sétimo dia vendo a paralisia curada, Lúcia faz o sinal da cruz coxas a medalha sobre os olhos de Maria, a quem a vista é restituída no mesmo momento e vai imediatamente à igreja da Companhia de Jesus agradecer ao seu benfeitor. Manuel Fernandes Figueiredo foi curado pelo mesmo meio de horrorosas úlceras nas pernas, de uma disenteria julgada mortal. Por toda a parte, finalmente, os milagres eram inumeráveis. Ao mesmo tempo, muitas predições do ilustre Xavier se cumpriram literalmente. A nau Santa-Cruz, depois de ter sulcado os mares durante vinte e dois anos, e ter sido vendida muitas vezes, sempre muito acima do seu valor, por causa da palavra profética do grande apóstolo, a Santa-Crus deixara um dia o porto de Malaca, e segundo o costume, ia bem carregada. Mal tinha levantado ferro, e o navio vai a submergir-se, faz água, é forçado a voltar ao porto, e pede-se aos capitães que se fazem à vela. para o mesmo destino que levem uma parte das suas mercadorias. Ouve-se então um grito de indignação da praia e dos navios ancorados. "Então! Vós temeis ir a pique! Não sabeis que o santo Padre nunca Se enganou! A Santa-Cruz não se perderá no mar, ele o disse, portanto é verdade! É necessário que tenhais bem pouca fé! Não vêdes os milagres que ele faz todos os dias e em toda a parte? Vós ofendeis a Deus e ao santo Padre! Tornai a partir sem perda de tempo e nada temais." E a Santa Cruz voltando ao mar não faz mais água, e chega a salvamento a Cochim. A reputação deste navio deu-lhe o nome de Navio do santo Padre, e em todos os portos do Oriente, logo que ele chegava, todos os navio s ancorados o saudavam com a sua artilharia. Depois de ter sido comprado pelo comandante da fortaleza de Diu, o navio do santo Padre fez muitas viagens, mas o capitão, julgando-o um dia em mau estado, manda-o a Cochim para aí ser reparado. Fazem-no entrar na doca de conserto. Apenas aí chega abre-se por si mesmo; todas as peças se deslocam, e não resta daquele grande casco, que caía de velhice, senão vigas e pranchas absolutamente inúteis. A população de Cochim dirigia-se em massa para o porto à notícia de que a Santa-Cruz viera para ser reparada; toda a cidade conhece a predição de Xavier e sabia que este navio tinha sido construído em Cochim; todo o povo foi, pois, testemunha do seu fim. O capitão Jorge Nunes apossou-se de uma tábua que fez aplicar à sua fragata, convicto de que este destroço conservara uma virtude que a garantisse dos perigos do mar. Parecia-lhe impossível que aquele fragmento dum navio no qual o grande apóstolo viajara durante a sua vida e depois de morte, não fosse o melhor preservativo contra todo o perigo. A sua confiança foi abençoada. Ele empreendeu as mais perigosas travessias por tempestuosos tempos e respondeu sempre aos conselhos da prudência humana: "A minha fragata leva a prancha do santo Padre: é a prancha da salvação, ela me salvará de todo o perigo". Com efeito, a fragata, depois de ter resistido aos mais grossos tempos, às mais violentas tempestades, desfez-se por si mesma, como a Santa-Cruz, no porto, de Coulão, onde devia ser reparada. Pedro Velho, mercador português, habitante de Malaca, e a quem o nosso Santo tinha predito em Sancião que morreria na manhã do dia seguinte em que achasse o vinho amargo, ocupava-se mais, desde aquele momento, dos interesses da sua alma que dos do seu negócio. Vivia em exercício de penitência e de caridade, não obstante a sua posição no mundo, e chegara assim a uma extrema velhice, sem nada perder da sua jovialidade natural, mas sem esquecer a predição do seu bem-aventurado amigo. Um dia, estando à mesa com muitos convivas, acha o vinho amargo e pergunta aos que o cercam se eles lhe sentem o mesmo gosto; todos respondem que o vinho é excelente. Pedro Velho, querendo certificar-se se a delicadeza não entrara na afirmação dos seus amigos, faz servir-se doutro vinho e acha-lhe igual amargor. Não lhe resta mais dúvida, a sua última hora é chegada. Faz interior ente a Deus o sacrifício da sua vida e depois comunica aos seus convidados a predição do Padre Xavier. Terminada a refeição ocupa-se dos arranjos do seu negócio, distribui a sua fortuna pelos pobres, vai seus amigos, pede-lhes as suas orações, convida-os para o seu enterro e faz preparar os seus funerais. Na manhã do dia seguinte assiste ao santo sacrifício da missa, que era oferecido por sua intenção, e ali comunga como viático... No fim da Missa estava morto... 04 - INCORRUPÇÃO DO CORPO DO SANTO - CULTO - MAIS MILAGRES Até então o corpo de S. Francisco Xavier conservava todas as aparências de vida. Tinha a mesma frescura, as mesmas cores, a mesma flexibilidade dum corpo vivo, sendo de admirar aquela maravilha. D. Dias Carvalho tinha conhecido intimamente o Santo apóstolo e viajado muitas vezes em sua companhia. Vem a Goa para o ver, muitos anos depois da sua morte, e arrebatado de espanto e admiração, exclama: "Mas ele vive! que frescura! que cores! É ele! ... está, vivo!" O vigário geral de Goa, D. Ambrósio da Ribeira, aplica um dedo sobre a ferida feita ao santo corpo em Malaca... O sangue corre ao contacto do dedo, e sai também dela água. Este prodígio renova-se ao contacto do dedo de um Irmão da Companhia de Jesus. Expõe-se um dia o santo corpo à veneração empenhada dos fiéis de Goa. Uma mulher beija-lhe os pés, e esperando não ser vista arranca um fragmento de carne com os dentes e leva-o misteriosamente, considerando-se feliz por possuir aquela preciosa relíquia... Mas o sangue corre na presença de testemunhas. Era sangue puro, rico e belo!... São chamados os médicos, que certificam o milagre e atestam que é, a seus olhos, o maior dos prodígios. Em 1812, o Padre Aquaviva, Geral da Companhia de Jesus, pede à casa de Goa que envie a Roma o braço direito de S. Francisco Xavier. Este braço, que havia operado tão grandes prodígios, produziu então um novo e mais admirável ainda. O corpo foi encontrado com a mesma frescura, a mesma flexibilidade e as mesmas cores, como as de um homem vivo; corta-se o braço pedido pelo superior geral e o sangue corre com tanta abundância como se o corpo estivesse cheio de vida! Embebem-se nele panos que os Padres de Goa enviaram a Filipe IV, rei de Espanha, e recolhe-se em um frasco que se remete com a mão à Casa de Roma. O braço foi dividido entre os colégios de Cochim, de Malaca e de Macau... O navio que conduzia aquela santa relíquia para a Europa foi encontrado e perseguido pelos corsários; ia ser presa deles quando o capitão exclama: "Leve-se o braço do santo Padre ao cesto da gávea! Ele porá os piratas em fuga". A ordem é executada; os piratas viram de bordo, afastam-se a todo o pano e não tornam a aparecer mais.
A corte de Roma, solicitada pelos soberanos do Japão e pelo rei de Portugal, para proceder à canonização de Francisco Xavier, examinou o seu processo, reconheceu vinte e quatro ressurreições juridicamente provadas, e oitenta e oito milagres admiráveis operados durante a vida do ilustre Santo. Uma bula do Papa Paulo V, datada de 25 de Outubro de 1619, declara-o bem-aventurado. Foi canonizado por Gregório XV, a 12 de Março de 1622, com todas as cerimônias ordinárias, porém a sua morte retardou a publicação da bula, que foi dada por Urbano VIII, seu sucessor, com a data de 6 de Agosto de 1623. Aquela bula faz menção da maior parte dos milagres que aqui mencionamos, e acrescenta que um cego tendo invocado o apóstolo das Índias, Xavier, aparecendo-lhe, disse-lhe que solicitasse a cura da sua enfermidade durante nove dias seguidos e prometeu-lhe que a obteria com esta condição. O cego obedeceu e recobrou a vista ao nono dia. Cita ainda um leproso que tendo-se servido, como de um linimento, do óleo da lâmpada que ardia junto do corpo do Santo, a sua lepra desaparecera. Finalmente a mesma bula menciona que as lâmpadas colocadas diante da imagem do santo apóstolo em Colate, ardiam muita vezes com água benta tão bem como com óleo; e que aquele milagre convertia um grande número de pagãos. Em 1670, por um decreto de 14 de junho, o Papa Clemente X fixou a festa de S. Francisco Xavier em 3 de Dezembro, e ordenou, pelo mesmo decreto, que o seu ofício seria do rito duplex para toda a Igreja. Poucos anos antes, alguns índios tinham feito uma preciosa descoberta: tinham tornado a achar, no alto mar, um caranguejo duma espécie desconhecida, trazendo uma cruz latina sobre a concha, e tendo barbatanas nos pés trazeiros, o que nunca se tinha visto até então. Ficaram admirados do maravilhoso crustáceo, e empenhavam-se em fazê-lo conhecer com o nome de caranguejo de S. Francisco Xavier; porque estes bons índios estavam persuadidos que ele provinha daquele que a divina Providência se servira para fazer restituir ao santo Apóstolo do Oriente o crucifixo caído no mar das Molucas. O conhecimento desta descoberta transmitiu-se muito longe, e o sábio Padre Kircher, da Companhia de Jesus, na sua China Ilustrada, publicada em 1667, menciona como novidade, a aparição deste caranguejo, de que, acrescenta ele, não se tinha ouvido falar até ali. Mais tarde, no começo do século XVIII, um governador, de Pondichéry, pedia a um capitão que se ia fazer à vela para as Molucas, que fosse de Ambóino a Baranura, e que lhe trouxesse alguns caranguejos daquelas paragens a fim de os conservar em memória daquele que havia restituído o crucifixo de S. Francisco Xavier do fundo do mesmo mar. Não era para si que o governador pedia, mas para um amigo que desejava possuí-lo, o que lhe parecia dever ser uma espécie de relíquia do nosso Santo. O capitão fez procurar caranguejos desde Ambóino até Baranura, mas em vão; como são, de ordinário, tão comuns em todos os mares, os marinheiros da equipagem não podiam explicar a sua completa ausência em todo o percurso que exploraram com tanta atenção. Finalmente encontraram um, um só, e este trazia uma cruz sobre a concha! Era o primeiro daquela espécie que se tinha visto naquelas paragens, e foi o único que se pôde levar ao governador porque, não obstante todas as pesquisas, não se puderam encontrar outros de espécie alguma. Este único que foi dado pelo governador ao seu amigo e transmitido aos herdeiros deste, foi levado a França e tivemos ocasião de o ver e admirar. Ele difere daquele que os índios chamam "caranguejo de S. Francisco Xavier". Neste, cujo desenho vimos, nota-se ao pé da cruz, que parece sair de um pedestal, dois personagens envolvidos em mantos árabes; todas as formas são bem pronunciadas: é um homem de um lado, uma mulher do outro; adivinha-se, sente-se a Santíssima Virgem e São João. Aquela espécie só se encontra em pleno mar e mui raras vezes; quando o índio tem a felicidade de encontrar um daqueles caranguejos, apossa-se dele e conserva-o com grande respeito, porque é o caranguejo de S. Francisco Xavier. O único que foi encontrado no mar das Molucas, há-de haver século e meio, traz também a cruz latina perfeitamente formada, porém não tem a figura das personagens à direita e à esquerda. O que o distingue é a forma de três pregos em relevo, por baixo da cruz e veias brancas dos dois lados, cuja disposição sobre o fundo rosado, produz para muitos, à primeira vista, o efeito de três letras I. H. S. formadas pelo fundo e não pelas veias; a cruz parece sair da letra H e esta letra está riscada por uma linha transversal de pontos em relevo. Como se explica que seja este o único encontrado até hoje com caracteres tão notáveis? Não se pode supor, tendo em vista a longevidade bem conhecida desses crustáceos, que talvez fosse este o próprio instrumento do milagre, instrumento providencialmente encontrado e conservado, e do qual descende a espécie tão rara, à qual os índios deram o nome do ilustre apóstolo do Oriente? Depois da morte do nosso Santo, o número das ressurreições obtidas pela invocação dos seus méritos, - reconhecidas pela corte de Roma, juntos os processos da canonização, antes e depois da publicação da bula, - elevava-se, em 1715, à enorme cifra de vinte e sete, das quais quatorze haviam sido obtidas pouco antes. Nesta época, em 1715, o arcebispo de Malaca certificou oitocentos milagres somente na sua diocese. Naquela cidade de Malaca, onde o grande apóstolo operara tantas maravilhas, não restam outras recordações da sua passagem e de seus magníficos trabalhos, senão as ruínas da sua morada! Próximo do templo dos protestantes, mesmo no meio do seu cemitério, mostra-se ao estrangeiro um montão de pedras, e diz-se-lhe que foi ali a capela onde S. Francisco Xavier celebrava todos os dias os santos mistérios!... Os pastores ingleses obtiveram este resultado! Mas não tiveram igual sucesso na costa da Pescaria com os Paravás, que consideram ainda como título de glória o descenderem daqueles que foram baptizados ou evangelizados pelo grande Padre Francisco Xavier. Os missionários reconheceram que a fé se conservara entre eles mais pura e mais ardente do que entre os outros povos indianos. Quando os holandeses se tornaram senhores da costa da Pescaria, apossaram-se das igrejas e os missionários foram obrigados a ocultarem-se nas florestas. Ali continuavam eles a exercer o seu santo ministério, e os bons Paravás iam todos os domingos para junto deles, assistiam ao santo sacrifício da Missa, e recebiam a instrução que os devia fortificar contra a doutrina dos herejes. Os vencedores, vendo-se repelidos com perda todas as vezes que tentavam ganhar os índios para a sua religião, fizeram vir de Batávia um ministro protestante, bem certos de que os Paravás não resistiriam à sua eloqüência. O ministro provoca à discussão um chefe da casta e esforça-se por lhe fazer compreender e apreciar todas as vantagens da religião protestante. O chefe dos Paravás escuta-o tranqüilamente até ao fim sem lhe opor uma única palavra, e quando o eloqüente ministro, fatigado de falar, terminou o seu discurso e perguntou ao seu ouvinte o que pensava do seu raciocínio, este respondeu-lhe "A fé que nós professamos foi-nos pregada pelo grande Padre Francisco Xavier que operava tantos milagres quantas palavras proferia. Se vós quereis fazer-nos crer a vossa doutrina, provai-nos que ela é melhor que a sua, fazendo maior número de milagres do que ele fez. Ele ressuscitou cinco ou seis mortos nesta costa; ressuscitai doze. Ele curava muitos dos nossos doentes; curai-os todos. Quando tiverdes feito isto, nós nos resolveremos". O ministro, conhecendo que perdia o seu tempo com tais homens tornou a embarcar a toda a pressa. Em Cotate, onde os milagres do apóstolo das Índias continuavam na proporção da fé e da confiança dos peregrinos, deu-se um fato bem notável no dia da sua festa, 3 de Dezembro do ano de 1699, e que encontramos numa carta do P. Martin, datada de junho de 1700. Este missionário achava-se em Cotate na ocasião do acontecimento. Todo o povo da costa da Pescara e da de Travancor tinha concorrido em peregrinação à igreja daquela cidade para a festa do grande Padre. Os idólatras e os maometanos concorriam também com zelo igual ao dos cristãos, porque a devoção pelo apóstolo do Oriente, é comum nas Índias a todas as religiões. Um pagão, cujo único filho estava ameaçado de perder a vista, havia prometido ao grande Padre, se ele curasse o seu filho, dar oito fanons (Moeda da índia), à sua igreja de Cotate. A criança ficou curada, e o pai reuniu-se à multidão dos peregrinos para agradecer ao Santo e fazer-lhe a sua oferta. Quando saía da igreja, com seu filho nos braços, nota que seus olhos estão num estado mais perigoso do que antes da cura; a criança nada via! O infeliz pai entra na igreja, grita que pecou, que merece a punição que o grande Padre lhe inflige, porque tendo prometido oito fanons só dera cinco. Apressa-se em juntar três outros, tira óleo da lâmpada do Santo e- fricciona com ele os olhos da criança... O mal desaparece imediatamente. A multidão imensa que enchia a igreja foi testemunha daquele duplo milagre. Xavier é olhado pelos pagãos como sua divindade mais propícia, e é incrível quantas graças eles obtêm. O P. Martin, durante a sua permanência em Cotate, foi testemunha de um outro facto não menos extraordinário que o precedente. Aqueles povos costumam associar-se em número de quinhentos até mil. Cada um dos associados deposita todos os meses numa bolsa comum um fanon. Quando a soma se eleva a uma cifra conveniente, reúnem-se, cada associado escreve o seu nome num bilhete, os bilhetes são lançados numa uma e depois de contados uma criança mete a mão dentro, tira um deles e aquele cujo nome sai primeiro recebe a soma total. Num dos primeiros dias de Dezembro de 1699, um pagão entra na igreja de Cotate, e diz em alta voz ao nosso Santo "Grande Padre, eu estou associado em duas lotarias; se vós me fazeis ganhar a primeira, dar-vos-ei cinco fanas; eu valo-prometo". Feito isto, o pagão satisfeito com a sua boa idéia e bem certo de ganhar, pois que havia prometido uma parte ao grande Padre, dirige-se à reunião e anuncia antecipadamente que o seu nome sairá... E sai, com efeito, no meio da alegria de todos os associados. O feliz sorteado corre à igreja, deposita os cinco fanons, agradece ao grande Padre, e lhe promete dobrar aquela soma se lhe faz ganhar a segunda lotaria. Volta para a praça, anuncia que novamente vai ser proclamado, e o seu nome aparece ainda no primeiro bilhete saído da uma, não obstante todos os meios empregados para evitar qualquer trapaça! A igreja de Cotate está edificada sobre o mesmo terreno da cabana para onde S. Francisco Xavier se retirava, às tardes, depois de ter passado o dia todo a pregar, a confessar e a baptizar. A tradição do país refere que tendo os pagãos incendiado a cabana uma noite, enquanto ele estava em oração, ficou ela reduzida a cinzas, mas o Santo foi encontrado em êxtase sem a menor queimadura; até os seus vestidos haviam sido respeitados pelas chamas, e ele só teve conhecimento do ocorrido quando viu os estragos do fogo. Os cristãos, em memória deste milagre erigiram uma cruz no lugar onde ele se havia operado; aquela cruz veio a ser objecto duma peregrinação célebre onde se obtinham tantos favores, que uma igreja foi ali levantada logo depois da canonização do ilustre apóstolo. Em Negapatão vê-se unia pequena igreja que os habitantes asseguram estar situada no mesmo lugar onde ele pregava. Em 1832, indo o R. P. Moré a Calcutá, tocou na costa de Comorim; os Paravás, a quem ele disse ser Irmão do seu grande Padre Francisco Xavier, cercam-no imediatamente e lhe suplicaram com lágrimas que ficasse com eles, prometendo respeita-lo e obedecer-lhe. O grande nome de Xavier é ainda tido como todo-poderoso naqueles povos. Não era só nas Índias e no Japão que este nome se invocava com respeito extraordinário; em todas as partes do mundo o Santo correspondia por meio de graças aos que imploravam a sua proteção. O Padre de Arce, de origem espanhola, ensinava filosofia havia trinta anos no' colégio de Córdova de Tacamant. Foi atacado de uma moléstia mortal, os progressos são rápidos; resigna-se de todo o coração e faz o sacrifício da sua vida. O mal chegara ao maior perigo, quando, possuído duma grande inspiração para lhes resistir invoca a grande glória da Companhia de Jesus, Francisco Xavier, e lhe promete votar-se de todo à salvação dos índios se a saúde lhe fosse restituída. No mesmo momento o Padre Arce acha-se livre de todo o sofrimento; estava curado contra toda a esperança, e tão subitamente que reconhecendo o milagre os seus superiores permitiram-lhe deixar o ensino pelas missões. Vai para os ferozes "chiquitos", e aí funda uma missão à qual dá o nome de S. Francisco Xavier, que conserva ainda, e em 1715 encontra no meio de seus trabalhos apostólicos, a palma gloriosa do martírio. Num dos frequentes tremores de terra de Santiago, capital do Chile, o palácio episcopal foi derrubado. O arcebispo, D. Gaspar de Vilarcelo, ficou envolvido nas ruínas; mas ele tinha invocado o grande apóstolo das Índias Orientais no momento do desmoronamento, prometendo-lhe fazer qualquer coisa por sua glória se o preservasse daquela morte inevitável. O piedoso prelado foi encontrado cheio de vida debaixo das ruínas; não tinha a menor ferida e nem sequer a mínima contusão! Em reconhecimento daquele milagre compôs em latim as ladaínhas de S. Francisco Xavier. Na Itália, correspondia o nosso Santo por meio de maravilhas a todas as orações que lhe eram dirigidas. Em 1633, o Padre Marcelo Mastrilli, filho do marquês de Saint-Marzan, uma das mais ilustres famílias de Nápoles, achava-se às portas da morte em conseqüência duma ferida grave na cabeça. Um operário, trabalhando na igreja, deixara cair um martelo, de mais de dez metros de altura, que atingiu na cabeça o Padre Mastrilli. Foi tratado imediatamente mas tendo sido esgotados todos os esforços da ciência, que em vão se tinham administrado ao doente, não se esperava senão a morte. S. Francisco Xavier aparece-lhe e inspira-lhe um ardente desejo de ir para o Japão, para ali trabalhar na glória de Deus, e ali morrer pelo seu nome. Fez-lhe proferir o voto de partir sem demora: pôs-lhe sobre a ferida da cabeça um relicário contendo um fragmento da cruz do Salvador, e fez-lhe pronunciar em latim esta oração que nos tem sido religiosamente conservada "Ó cruz sagrada! E vós Salvador adorado que a inundastes do vosso sangue, eu me consagro inteiramente a vós para sempre! Suplico-vos que me concedais a graça de derramar todo o meu sangue pelo vosso santo nome! Imploro esta graça que o apóstolo Francisco Xavier não pôde obter! Eu renuncio à minha pátria, à minha família, aos meus amigos, a tudo o que possa embaraçar ou retardar a minha partida para a missão das Índias, e me dedico sem reserva à salvação dos índios em presencia do meu pai S. Francisco Xavier". Depois daquele voto, o doente recuperou subitamente a saúde; o grande apóstolo prometeu-lhe a coroa do martírio, e disse-lhe que rogaria junto de Deus por todos aqueles que o invocassem com fé e confiança durante nove dias seguidos; e depois desapareceu. O Padre Mastrilli levantou-se logo depois daquela visão, nas melhores condições de saúde; disse missa na manhã seguinte o que causou admiração geral. Toda a cidade de Nápoles sabia que na véspera só se esperava pelo seu último suspiro e todos viam ou ouviam dizer que ele estava perfeitamente curado. O Papa Urbano VIII e Filipe IV rei de Espanha, quiseram vê-lo e ouvir da sua boca a narração daquele milagre e ele satisfez os seus desejos. Depois embarcou para Goa, e tendo feito ao grande Xavier o presente de um magnífico túmulo em reconhecimento da graça que havia recebido, partiu com a maior satisfação dos seus superiores, para ir conquistar a coroa que lhe havia sido prometida. Chegado ao Japão, escreveu a seu pai: "Eu espero que S. Francisco Xavier acabará a sua obra; por um milagre ele me restituiu a vida, por um milagre me conduziu às Filipinas, por um milagre me abriu a entrada deste Japão tão desejado; espero, pois, que por um milagre também me verei um dia no meio dos verdugos". Teve, com efeito, a felicidade de ser martirizado no Japão a 17 de Outubro de 1637. A cura tão pronta do Padre Mastrilli, as circunstâncias maravilhosas que a haviam precedido e seguido, causaram mais impressão, porque a família de Saint-Marzan era da mais alta nobreza napolitana. A novena a São Francisco Xavier tornou-se em pouco tempo uma devoção popular tão viva, tão ardente, que em 1652 os calabreses fizeram publicar um grosso volume com as graças extraordinárias que tinham obtido pela intercessão do apóstolo das Índias. Este volume contém 142 narrações de fatos milagrosos devidos à sua proteção. O Padre Portier, da Companhia de Jesus, missionário na Grécia, sofria desde muito tempo duma perna, cujas violentas dores a ciência não podia minorar. Declara-se uma chaga, a cárie ataca os ossos, e os cirurgiões anunciam ao doente que é necessário fazer-se a amputação; mas os seus superiores desejam que aquela cruel operação seja feita em França e ordenam-lhe que vá a Paris na esperança de que a ciência reconhecida dos operadores franceses lhe tornarão a amputação menos dolorosa e os tratamentos serão mais cuidados. O doente embarcou-se em Constantinopla em 1699. Apenas embarcado, sente uma forte inspiração de pedir a S. Francisco Xavier que o cure, que promete fazer em sua honra a devoção de dez sextas-feiras [Esta devoção consiste na recitação de dez Pai Nosso, Ave e Glória ao Pai em honra dos dez anos de apostolado de S. Francisco Xavier nas Índias. Este exercício deve ser renovado dez sextas-feiras seguidas.], e começa-a na mesma semana. Desde a terceira sexta-feira as dores cessam; as partes dos ossos que a gangrena havia atingido desligam-se e caem. O doente, querendo auxiliar o Santo na sua obra maravilhosa, lembra-se de pôr sobre aquela chaga, conquanto em via de cura, um aparelho, da sua imaginação que, segundo ele, devia bem depressa acabar o milagre começado. Mas S. Francisco Xavier não queria meios humanos, não tinha necessidade de ser auxiliado, e provou-o bem depressa, fazendo-lhe voltar imediatamente todas as dores com que havia sido tão cruelmente martirizado durante mais de dois anos. O Padre Portier, suficientemente advertido, retirou os remédios que o Santo mostrava poder dispensar; os sofrimentos cessaram de novo, e poucos dias depois a chaga estava sarada, a perna perfeitamente curada, e não restava mais do que uma cicatriz, como lembrança da obra divina obtida pela intercessão e pelos méritos do apóstolo do Oriente. Pelos fins do último século, Roma, a cidade eterna, experimentou a dor de ver a Companhia de Jesus sempre perseguida pelo ódio do vício e da impiedade, despojada, encarcerada, dispersa, suprimida finalmente... O inferno queria absorver a terra. Contudo, os romanos não invocavam com menor confiança os grandes Santos que a ilustre Companhia havia dado ao Céu. Em 1788, Anunciada Quartieroni via seu filho quase a morrer em conseqüência de bexigas. Gaspar tinha apenas dois anos, era única jóia, a única esperança de seus pais. Anunciada chama em seu auxilio o apóstolo do Oriente, declara-lhe a sua dor de mãe e põe o seu filho sob sua especial proteção. No mesmo instante vê o filho voltar à saúde: S. Francisco Xavier mostrava-lhe que aquela criança se tornara sua. Antônio de Buffalo e Anunciada Quartieroni, sua mulher, recordaram muitas vezes a seu filho o milagre que lhe havia restituído a vida; inspiraram-lhe um terno reconhecimento para com seu Santo protetor, porque desde a idade de 5 a 6 anos, o pequeno Gaspar gostava de se recolher a orar na igreja de Gear, diante do altar de S. Francisco Xavier. Mais tarde, elevado ao sacerdócio, ardendo em zelo pela glória de Deus e péla salvação das almas, fundou muitos estabelecimentos de piedade ou de caridade, entre outros os Irmãos de Elite de S. Francisco Xavier ou Ristretta e a Congregação do Precioso Sangue. Esta congregação quis o cônego Buffalo colocar sob o patrocínio do nosso Santo, em memória do sangue milagroso derramado em cada 6ª-feira do ano 1552 pelo crucifixo do oratório do castelo de Xavier. Entre as práticas de piedade recomendadas pelos estatutos, o fundador indica a novena ao Santo protetor da Congregação do Precioso Sangue, São Francisco Xavier. Em Bolonha, onde o nosso Santo, então no começo do seu apostolado, havia adquirido tanta confiança e tanto amor, a sua memória conservava-se viva em todos os corações e à solicitação dos habitantes, o quarto que ele outrora habitara no presbitério da paróquia de Santa Lúcia, foi transformado em capela onde o povo corria pressuroso a pedir a seu apóstolo querido, com o maior ardor, as graças que desejava. Mais tarde a igreja de Santa Lúcia foi cedida à Companhia de Jesus, assim como o presbitério de sua dependência; e mais tarde, quando foi abatida para se construir uma nova em maiores proporções, o presbitério foi destruído para ceder à igreja o seu terreno, mas a capela de S. Francisco Xavier foi conservada intacta e ficou compreendida na nova igreja. Em conseqüência de perseguições que têm tantas vezes honrado a Companhia de Jesus, esta capela foi arrebatada repentinamente à devoção do povo, mas não puderam fazer esquecer aos bolonheses que havia ali morado o grande Xavier, o ilustre apóstolo que seus antepassados tinham tão grande glória de haver conhecido, e que manifestara por numerosos prodígios a lembrança que ele conservava no Céu da cidade onde foi ternamente venerado. A devoção do nosso Santo estendeu-se até à Alemanha; como em outros lugares ela ali obteve maravilhas, e pelos fins do último século publicava-se em Oberbourg um grosso volume com graças assinaladas que ele havia espalhado na alta e baixa Styria. No castelo de Xavier, os milagres eram inumeráveis: Transformou-se em capela o quarto em que ele nasceu, e os peregrinos aí concorriam em grande número. Navarra escolheu-o para patrono, é ainda hoje quase todos os navarreses dão no batismo o nome de Xavier, a seus filhos e as peregrinações continuam numerosas àquela capela aberta ao público pelos descendentes do nosso Santo. Todos têm conservado com religioso respeito aquele nobre solar, ilustrado por tão gloriosas recordações. O castelo de Xavier é ainda o que era em 1524, época em que Francisco dele se ausentara para sempre... A capela da nobre família conserva-se como no tempo em que a feliz e desolada mãe do grande apóstolo do Oriente ia ali encher-se de forças para agradecer a Deus tantos sofrimentos e felicidade. O crucifixo milagroso está ainda no lugar em que Francisco o deixou; o sangue maravilhoso, coagulado desde o dia em que o apóstolo das Índias subiu ao Céu, vê-se ainda hoje. No fim do século XVII, tendo alguns peregrinos ousado subtrair pequenas parcelas, o arcebispo de Pamplona, advertido daquela piedosa temeridade, ameaçou com excomunhão a todo aquele que tentasse renova-la. Desde muito tempo o público não tem entrada naquela capela; é necessária uma autorização particular para ser admitido a contemplar o precioso crucifixo. Em 1744, por ordem do rei D. João IV, o arcebispo de Goa e o marquês de Castelo-Novo, vice-rei das Índias, acompanhados de todos os grandes dignitários, examinaram os restos de S. Francisco Xavier, e declararam, com todas as formalidades exigidas, a perfeita conservação do seu corpo. O Papa Bento XIV, vendo os milagres sem número que se obtinham constantemente pelos seus merecimentos, declarou-o protetor do Oriente, por um breve de 24 de Fevereiro de 1747. Em 1728 o Padre Cicala da Congregação dos Lazaristas, assistiu à exposição das relíquias do grande apóstolo, a 10, 11 e 12 de Fevereiro. Escrevia ele que o concurso do povo havia sido tão considerável naquele ano ali que ultrapassava tudo quanto se tinha visto durante mais de trinta anos, no empenho de vir visitar o santo túmulo. Concorrera gente de todas as partes das Índias. O caixão, de oito pés de comprimento, dois de altura e fechado por três chaves, foi aberto em presença do bispo de Cochim, administrador da diocese de Goa, de todo o clero, de todas as ordens religiosas, do vice-rei e de todos os grandes dignitários e magistrados. O corpo do Santo estava inteiramente coberto por um véu de sêda que se levantou, e todos os assistentes puderam contemplar o que restava do grande apóstolo do Oriente. Estava revestido de hábitos sacerdotais; a casula, presente da rainha de Portugal [Era de uso que as rainhas de Portugal bordassem por suas próprias mãos a casula de que está revestido o corpo do Santo. Todos os vinte anos se fazia a abertura do caixão e se mudava a casula; a velha era enviada à corte que fazia as suas generosidades a quem julgava a propósito.], e bordada por sua mão, estava perfeitamente conservada. O corpo não tinha o menor indício de corrupção; mas não apresentava as aparências de vida que conservara por mais de um século. "A pele e a carne, escrevia o P. Cicala, estão ressequidas e totalmente unidas aos ossos; as faces brancas; não lhe falta senão o braço direito que está em Roma e dois dedos do pé direito, assim como os intestinos. Os pés, sobretudo, conservam-se na maior beleza" NOTA: [O Padre Cicala acrescenta: "É para notar que o Santo era de estatura muito baixa". A 4 de Dezembro de 1859, Monsenhor Canoz, vigário apostólico do Maduré, acompanhado das RR. PP. Gard e Charmillot pedia, em presença do Santo corpo, a um dos três médicos chamados ao ato da abertura do túmulo, a razão de um tal encurtamento. O doutor explicou-o pela ausência de muitas cartilagens, arrebatadas, vem dúvida, assim como os intestinos, pára relíquias.]. Em 1859, o rei de Portugal D. Pedro V, ordenava uma nova verificação do estado do Santo corpo. Um dos médicos chamados julga aquela ordem temerária porque havia mais de três séculos que aqueles restos preciosos estavam no túmulo. Mas enganava-se; o processo verbal que a seguir reproduzimos, merece fé. APÊNDICE PROCESSO VERBAL DA ABERTURA DO TÚMULO DE S. FRANCISCO XAVIER - 12 DE OUTUBRO DE 1859 No ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1859, a 12 de Outubro, às 9 horas da manhã na igreja do Bom Jesus, antiga casa professa dos Padres da Companhia, sita na antiga cidade de Goa, onde se acha o túmulo com o corpo de S. Francisco Xavier, com pareceram o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Visconde de Torres Novas, Governador Geral do Estado da Índia; o Governador do arcebispado de Goa, a Relação do Estado, Câmara Municipal do Concelho das Ilhas, e outras corporações, autoridades e chefes das repartições deste Estado, abaixo assinados, os quais haviam sido convidados para assistir à abertura do dito túmulo com o fim de se conhecer o estado em que se achava o corpo do mesmo Santo, em virtude da autorização concedida por Sua Majestade, em portaria do ministério da marinha e ultramar n. 100 de 11 de Setembro do mesmo ano e abaixo transcrita. E logo com as chaves que existiam na secretaria geral e que foram apresentadas neste ato, se abriu o cofre em que se acha o corpo do Santo e se encontrou revestido de hábitos sacerdotais; depois, os facultativos de que se compõe a junta de Saúde, o físico-mor Eduardo de Freitas e Almeida, o cirurgião-mor José Antônio de Oliveira e o cirurgião da 1º. classe Antônio José da Gama, tendo procedido ao exame do corpo, acharam o crânio revestido, do lado direito da respectiva pele cabeluda, onde se vêem ainda alguns raros cabelos, e completamente descoberto do lado esquerdo. A face toda está revestida de uma pele seca e escura com uma abertura do lado direito comunicando com o seio maxilar do mesmo lado, e que parece corresponder ao lugar da contusão de que trata o processo verbal lavrado em i de janeiro de 1782; dos dentes visíveis, só falta um dos incisivos inferiores; existem ambas as orelhas. Falta o braço direito; a mão esquerda está completa, compreendendo unhas, como se disse no processo verbal de 1782; as paredes abdominais acham-se cobertas de uma pele ressequida e algum tanto escura; o ventre não contém intestinos; os pés estão cobertos de uma pele igualmente seca e escura, deixando ver a saliência dos tendões; faltam no pé direito o quarto e o quinto dedos; contudo existem ainda em um deles restos de pele e das falanges num estado muito esponjoso. À vista disto foi decidido que o corpo e as relíquias do mesmo Santo estão em estado tal que podem ser expostos à veneração pública, a fim de excitar e aumentar a devoção dos povos; e de tudo, eu Cristóvão Sebastião Xavier, oficial-maior da secretaria do Governo deste Estado, redigi este processo verbal, no qual se assinam todas as corporações e autoridades acima mencionadas. E eu Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, secretário do Governo Geral o fiz escrever. - Visconde de Torres Novas. - O governador do arcebispado, Caetano Peres, etc... seguem 57 assinaturas. Ajuntemos aqui a descrição do túmulo do nosso Santo. S. Francisco Xavier, está depositado em um caixão de prata lavrada e dourada. Este caixão está colocado em um soberbo mausoléu de mármore negro de Itália, circundado por três altares que ocupam as três faces do mesmo mausoléu, onde se acham esculpidas sobre o mármore, em baixo relevo, e com toda a perfeição artística, as principais ações da vida deste Santo apóstolo. Este monumento, rico e precioso, merece ser minuciosamente admirado. Era naquela igreja que vinham outrora tomar posse do poder os antigos vice-reis e capitães generais, e os actuais governadores gerais também continuam aquele uso praticando as mesmas formalidades. A sacristia é em tudo proporcionada à magnificência deste templo, e vê-se aí uma bela coleção de pinturas e quadros. Atrás do túmulo, dirigindo-se da sacristia para o convento, vê-se o quadro representando S. Francisco Xavier É, segundo se diz, o seu verdadeiro retrato, tirado pouco tempo depois da sua morte. Próximo da porta deste majestoso templo lê-se a seguinte inscrição: "Sepultura de D. Jerónimo Mascarenhas, capitão de Cochim e de Ormuz, que mandou edificar esta igreja à sua custa; e, em reconhecimento, a Companhia de Jesus lhe consagrou este lugar". Sobre uma coluna à entrada da porta principal, lê-se: "Reverendissimus et illustrissimus D. Alexis Menezeus, archiepiscopus Goanensis, Indiae primas, Anno Domini MDCVI. d. ma ". Havia sido anunciado que a exposição do Santo corpo seria pública desde 2 de Dezembro, dia da morte do grande apóstolo das Índias, até 1 de janeiro de 1860. Mas já se contavam mais de trinta mil estrangeiros chegados a Goa antes do dia da verificação jurídica da santa relíquia. "As ruas desertas da cidade de Goa, viram desfilar uma multidão de povo pertencente a todas as seitas e a todas as religiões. O rio estava coberto de embarcações, e o templo majestoso do Bom Jesus, onde está depositado o Santo, cheio de pessoas distintas que concorreram a este ato solene. Um outro ato semelhante, e que havia excitado talvez menos entusiasmo, tivera lugar, há mais de 77 anos, ao 1 de Janeiro de 1782; porém pouca gente assistiu ". Monsenhor Canoz, da Companhia de Jesus, bispo de Tamase e vigário apostólico de Maduré, convidado a fazer parte dos peregrinos aos quais o governador de Bombaim havia oferecido o seu barco para se transportarem ao lugar da exposição solene do santo corpo, vai-nos dar a interessante descrição daquela cerimônia e dizer-nos a felicidade que ele gozou, junto do túmulo venerado do nosso ilustre Santo. Achamos estes pormenores na carta que ele escreveu ao Rev. Padre Bekx, geral da Companhia de Jesus e tem a data de 10 de Dezembro de 1859. "A igreja do Bom Jesus, ligada à antiga casa professa da Companhia e edificada por D. Pedro de Mascarenhas em 1592, não tem, diz ele, "senão uma só nave mui larga, e dois braços de cruz, no fundo dos quais se acham, dum lado o altar de S. Francisco Xaxier, e doutro o de S. Francisco de Borja. O altar-mor é dedicado a Santo Inácio... Atrás da capela de S. Francisco Xavier eleva-se o famoso monumento erigido à memória do apóstolo das Índias pelo grão-duque de Toscam em 1655, e que se distingue através de uma larga grade de bronze dourado e artisticamente trabalhado. É para sentir que esteja encerrado em um espaço estreito e escuro que não permite apreciá-lo como merece. É formado de mármore branco, deixando nos quatro lados da base um largo espaço livre para um altar. A segunda parte do monumento, colocado sobre aquela base, é ornada no meio de baixos relevos em bronze; representam, dum lado o Santo baptizando pobres infiéis, do outro pregando verdades da salvação, e sobre a terceira face, morrendo, abandonado na ilha de Sancião, próximo da China. Finalmente a terceira parte diminui gradualmente de largura á proporção que se eleva; está encimada por um magnífico caixão de prata contendo o corpo do Santo e ornado de pequenas colunas entre as quais estão colocados vidros. Tinha-se feito descer aquele caixão para o colocar sobre um estrado elevado no meio do cruzeiro da igreja, e coberto de um tapete verde; mas o caixão forrado de um rico estofo, que encerra o santo -corpo, tinha sido retirado e deposto sobre uma das faces do monumento onde era permitido aos fiéis venerá-lo. Um dia, depois de ter dito a santa missa no altar oposto, vim prostrar-me diante daquele caixão que abracei com toda a efusão do coração; e até à chegada dos piedosos peregrinos prolonguei com delicias minha ação de graças, meditando sobre as virtudes e merecimentos do Santo que o próprio corpo de Jesus Cristo que eu acabava de receber, santificara duma maneira tão prodigiosa. Finalmente chegara o grande dia da festa de S. Francisco Xavier que foi anunciado solenemente pelo som majestoso dos sinos da Catedral e de todas as igrejas da cidade, assim como pelas salvas de artilharia. As tropas, reunidas naquela ocasião, desfilavam com a música à frente, por diante da fachada da igreja do Bom Jesus e iam postar-se m estrada por onde devia passar o governador. Os cônegos da Catedral e a clerezia achavam-se já na capela do monumento esperando S. Ex.. Logo que ele chegou, ás io horas precisamente, começou a procissão que, atravessando o largo corredor do claustro, entrou m igreja. O caixão era levado por seis cônegos com capas de seda prateadas, debaixo do pálio e seguido do governador, do seu estado maior e de todos os funcionários civis e militares do Estado, convidados para aquela imponente cerimônia. Parou junto da barreira do santuário para se abrir o caixão e tirar-se a parte superior. Então o corpo do Santo, posto a descoberto foi deslizado no interior do mesmo caixão, dando-se em seguida começo a uma missa solene com música que foi interrompida pelo panegírico do apóstolo das Índias. O administrador daquela casa tinha preparado para nós um lugar na tribuna de onde podíamos contemplar à nossa vontade a procissão. Quanto ao sermão, foi-nos impossível entender uma só palavra por causa da distância em que nos achávamos e do grande sussurro do povo que ia e vinha dirigindo-se para junto do túmulo sagrado, sem prestar atenção ao pregador a quem também não compreendia... Acabada a missa, um dos sacerdotes de serviço veio procurar-me assim como aos meus dois companheiros, o P. Gard e o P. Charmillot, chegados na véspera de Belgão, para nos introduzir no santuário a beijar os pés do Santo. Eu detive-me em presença do caixão, penetrado de devoção, deixando passar livremente por diante de mim todos os cônegos e os clérigos em serviço. Não posso exprimir-vos meu M. R. Padre, a comoção e o sentimento de alegria e felicidade que experimentei colando os meus lábios sobre aqueles pés sagrados que percorreram tantas regiões longínquas e pisaram tantas vezes esta terra da Índia para anunciar a tão diversos povos, abismados nas trevas da idolatria, a boa nova da paz e da salvação: Quam speciosi pedes evangelizantium pacem, evangelizantium bona! - Que formosos pés os daqueles que evangelizam a paz, que evangelizam o bem! Quanto Deus é admirável nos seus santos, e como ele se compraz em glorificar, mesmo aqui em baixo, aqueles que só têm trabalhado pela sua glória! Eu considerei-me como delegado, com os meus dois companheiros, em nome de toda a Companhia, numa tão imponente cerimônia, e orei com todo o fervor de que era capaz, pela Igreja e seu chefe nas graves conjunturas em que ele se acha atualmente; por toda a Companhia e por aquele que a dirige; e por todas as missões da India e da China, unindo no meu coração o Maduré e Bombaim pedindo para todos os nossos missionários o espírito apostólico de S. Francisco Xavier e para os povos infiéis a graça da conversão. O meu espírito, entregue a uma multidão de reflexões piedosas, não podia separar-se deste lugar abençoado. Não me achava satisfeito com aquele primeiro ato de veneração; voltei para ali naquela tarde, tornei a ir na seguinte manhã. Porém para satisfazer mais à vontade, a minha devoção, desejei ser admitido a uma visita particular; tinha já falado nisto ao cônego Pereira, vigário geral, encarregado de presidir no domingo à veneração das santas relíquias. Falei ainda ao administrador, depois ao secretário do governador, e fui bem sucedido. Conheceu-se que tinha esquecido colocar debaixo do caixão uma prancha com rebordos e guarnecida de pequenas rodas que devessem facilitar o movimento diário antes e depois da veneração. Foi fixado para o meio dia aquele trabalho e fui para aí convidado com os meus companheiros. Podeis imaginar se nós fomos fiéis ao chamamento. Ajudei por minhas próprias mãos a levantar a preciosa carga que foi deposta sobre o estrado em frente da uma de maneira, que nos deixava todo o vagar para contemplar o santo cor o. Ele está coberto de uma rica casula bordada a oiro e guarnecia de pérolas, presente de uma Rainha de Portugal em 1699, quando S. Francisco Xavier foi declarado defensor das Índias. Mas não era isto que atraia tanto a nossa atenção; ocupávamo-nos mais em fazer tocar os objetos de devoção, imagens, medalhas e rosários a seus pés sagrados. Naquela ocasião um dos assistentes mandou-me uma fita cor de rosa, medida do comprimento do corpo, que eu envio a Vossa Paternidade. Auxiliei de novo a colocar o caixão no esquife; e foi então especialmente que ajoelhando-me junto daquela cabeça venerável, pus-me a contemplar aquele rosto do apóstolo, que parecia pregar ainda todas as virtudes apostólicas de que deixou no mundo tão belos exemplos, e sobretudo aquela máxima salutar que, saída da boca de Inácio, tinha feito nele uma impressão tão profunda e duradoira, e exercido uma tão maravilhosa influencia para a sua conversão e sua dedicação completa, ao serviço de Deus; aquela máxima que ele citava a todos, especialmente aos felizes do mundo e aos príncipes da terra, que mais precisavam: Quid prodest homini si mundum universum lucretur, animae vero suae detrimentum patiatur? - De que serve ao homem ganhar o universo se ele chega a perder a alma? Reconhecem-se ainda os traços daquele heróico personagem que três séculos não puderam apagar. A pele que cobre o rosto está algum tanto trigueira; a boca entre-aberta dessa ver os dentes; distinguem-se os lábios, o nariz, as fontes; dir-se-iam espalhados sobre o crânio cabelos grisalhos, como encrustado na pele; a cabeça está algum tanto elevada, apoiada sobre um coxim. O braço esquerdo coberto duma alva preciosa estendido sobre a casula, deixa a descoberto a mão toda, cujos dedos se conservam suspensos e algum tanto separados uns dos outros. Sabe-se que o braço direito foi cortado em 1616 por ordem do P. Geral Aquaviva e transportado a Roma, onde está exposto no Gesú, no altar de S. Francisco Xavier. Depois daquela amputação, feita numa grande sala da casa professa, o corpo do Santo perdeu aquela frescura e flexibilidade que conservara até ali. Os pés conservam a sua forma e todos os dedos, exceto os dois pequenos do pé direito que foram tirados. Entro nestes pequenos pormenores porque me persuado que agradará a Vossa Paternidade e àqueles dos nossos que lerem e que sem dúvida invejarão a minha felicidade de ter rosto com meus olhos aqueles restos milagrosamente conservados, que nos pregam tão fortemente a penitência e a mortificação, fazendo-nos ver sobre a terra a glória daqueles membros crucificados pelo serviço de Deus...". Um fragmento do braço direito do Santo, como já dissemos, foi concedido ao colégio que a Companhia de Jesus tinha estabelecido em Macau; mas sob a influência, ou antes, sob a dominação inglesa, o colégio dos jesuítas foi transformado em caserna e somente a igreja conservada. Em 1834, uma imprudência dos soldados incendiou a caserna, os socorros foram mal dirigidos, o incêndio devorou os estabelecimentos, alcançou a igreja e não deixou senão ruínas... Não nos enganamos: no meio daquela grande e deplorável destruição um admirável milagre se verificou: quatro estátuas somente foram respeitadas pelas chamas e se conservaram de pé perfeitamente intactas: eram as de Santo Inácio de Loyola, S. Francisco Xavier, S. Francisco de Borja e S. Luís Gonzaga. Numerosas relíquias dos mártires do Japão desapareceram naquele desastre... A de S. Francisco Xavier foi a única salva! Poderíamos citar factos ainda mais recentes, atestando que o poder dos merecimentos do ilustre apóstolo, cuja admirável vida nos foi tão agradável escrever, está bem longe de enfraquecer; mas limitar-nos-emos a afirmar que ele se não invoca em vão. Acrescentaremos aperras que as páginas que acabam de ser lidas foram inspiradas pelo sentimento do mais profundo, mais vivo, mais terno reconhecimento. Glória a Deus! Glória a S. Francisco Xavier! Processo de santificação A 25 de Outubro de 1619, o papa Paulo V beatifica o Padre Francisco Xavier que passa a São Francisco Xavier em 12 de Março de 1622, canonizado pelo papa Gregório XV.

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