HAGIOGRAFIA XAVERIANA
A oração nos escritos de S. Francisco Xavier
Conhecemos cento e trinta e sete documentos, os quais foram considerados pelo P. Georg Schurhammer(1) como tendo sido escritos, ditados ou pelo menos inspirados por Francisco Xavier. Entre estes cento e trinta e sete documentos, trinta e sete são importantes para o tema da oração. Trata-se de textos que podem incluir referências mais ou menos vagas até textos que são quase tratados acerca da oração. Não será ainda demais mencionar o fato de que as biografias escritas pelos primeiros hagiógrafos de Francisco Xavier, entre eles, Manuel Teixeira e João de Lucena, incluem cartas ou trechos de escritos de S. Francisco Xavier.
Nota: 1 Georg Schurhammer SJ, o maior especialista em S. Francisco Xavier de todos os tempos, considera no artigo Die Xaveriusreliquien und ihre Geschichte que os documentos 2, 4,5,9, 99 foram escritos pelo próprio Santo, os documentos 52, 58, 59, 67, 77, 100, 102, 115, 122, 23, 125, 128, 132 como cartascom endereço ou assinatura de Xavier, os documentos 139, 140, 141 extractos e carta completamente de sua mão, enquanto os documentos 151 153 162, 362 teriam sido apenas assinados por ele.
A documentação atribuída a S. Francisco Xavier, que para a época não era particularmente vasta, incluía majoritariamente hijuelas ou cartas privadas destinadas ao Padre Geral, cartas endereçadas a seus companheiros na Europa, cartas para não jesuítas, incluindo as cartas ao Rei D. João III, assim como instruções ou cartas – regulamentos para os missionários no Oriente, como a Instrução Terceira ao Padre Barzeus, Reitor do Colégio de S. Paulo, as instruções para os missionários da Costa da Pescaria, e sobretudo as vinte e seis cartas dirigidas a Francisco Mansilhas, textos para a catequese (Instrução para os Catequistas da Companhia de Jesus), escritos espirituais que compreendem textos como as anotações aos Exercícios Espirituais, até textos como o Catecismo Breve (1542), o Modo de Rezar e salvar a alma (1548?), a Oração pela conversão dos gentios, Goa, (1548?), e ainda documentos vários de difícil classificação.
O documento mais antigo que se conhece é uma carta que Francisco Xavier escreveu durante a sua estadia em Paris em 1535 ao seu irmão João de Azpilcueta (Obanos). Do ano da sua morte data a grande maioria das epístolas escritas por Francisco Xavier e que chegaram à atualidade, ou seja, quarenta e duas cartas, quase um terço do total do seu legado epistolar.
Entre os seus textos mais famosos e que tratam diretamente a questão da oração, começamos por referir a sua Doutrina Cristão ou Catecismo Breve, composto em Goa em Maio de 1542. Trata-se duma adaptação do Catecismo publicado pelo cronista João de Barros entre 1539 e 1540 em Lisboa. Todavia , Francisco Xavier realizou importantes alterações. Francisco Xavier introduziu o seu catecismo com uma Oração à Santíssima Trindade e terminou o mesmo escrito com uma oração dedicada a S. Miguel Arcanjo, que são precisamente duas das principais devoções da Companhia de Jesus.
De igual forma, o Catecismo Breve reflete o contexto missionário em que foi composto. Pois S. Francisco Xavier, grande devoto do Apóstolo S. Tomé, acrescentou, provavelmente pela mesma razão e devido ao fato de S. Tomé ser Padroeiro da Índia Portuguesa, uma especial intercessão a S. Tomé. Francisco Xavier juntou ainda no mesmo texto uma oração por si composta e na qual renegava todos os sinais de heresia representados na sua opinião pelos «pagodes, que são deuses dos gentios em figuras de bestas e alimárias do diabo».
A mesma preocupação é visível no texto doutrinal Explicação do Símbolo da Fé (Credo), composto em Ternate em 1545, no qual afirma: «E assim, os que adoram em pagodes, como fazem os infiéis, e os que crêem em feitiços e sortes e adivinhadores pecam, gravemente, contra Deus, porque adoram e crêem no diabo e o tomam por seu senhor, deixando a Deus que os criou e lhes deu alma e vida o corpo e quanto têm, perdendo, os tristes, por suas idolatrias, o céu, (..). Mas, os cristãos verdadeiros e leais a seu Deus e Senhor crêem e adoram, de vontade e coração, um só Deus verdadeiro, Criador dos Céus e da terra. Bem o mostram quando vão às igrejas e vêem suas imagens que são lembranças dos santos que estão com Deus, em a glória do paraíso; põem, então, os cristãos os joelhos no chão, …, e alevantam as mãos para os céus.
De acordo com o espírito da época, Francisco Xavier considerava a profissão de religiões diferentes do Cristianismo um pecado grave. Defendia que sinais do ritual cristão, tais como ajoelhar-se nas igrejas, venerar as imagens dos santos, são sinais inequívocos da pertença à única e verdadeira religião: o Cristianismo.
Francisco Xavier e o Breviário Romano de Quiñones (1536)
Durante os primeiros processos realizados em Goa, Rodrigo Sequeira, que jurou ser grande amigo do santo, afirmou: “E disse ele que, em Malaca, pousando ele das portas adentro com o Padre, onde o Padre tinha uma casinha sobre si, em que se recolhia a fazer oração e contemplar, (…); na qual casinha estava uma mesa pequena posta, e sobre ela hum crucifixo de pão de São Tomé, e uma cruz com hum véu; e hum breviário á ilharga d’esta mesa estava hum seixo preto (…), e que depois que ele e o companheiro morriam, o P. Mestre Francisco se ia a contemplar e rezar de giolhos, asi (…), e antemam se alevantava a rezar e a dizer missa”.
Este episódio transmitido com grande sucesso à iconografia xaveriana serve para introduzir a importância que o Breviário Novo reformado pelo Cardeal Quiñones em 1536 tinha para Xavier. Na sua rotina quotidiana, após a meditação realizada pela manhã, rezava o Breviário. Ainda durante a sua estadia em Lisboa em 1540 Francisco Xavier escreveu uma carta a Pedro Codácio e Inácio de Loyola pedindo autorização para seis clérigos poderem rezar pelo Breviário Novo nas Índias e que os mesmos pudessem autorizar outros missionários a usar o mesmo texto. Tal autorização para rezar o Breviário foi aliás concedida a Francisco Xavier antes de finais de 1542. Pois, num documento de 21 de Setembro de 1542, Francisco Xavier autorizava o Padre Agostinho a rezar o Ofício do Breviário Novo12. De igual modo, os escritos de Francisco Xavier demonstram a sua grande preocupação em que os recém convertidos aprendessem a rezar o Ofício. Como podemos ler em uma carta a Inácio de Loyola datada de 20 de Setembro de 1542, Francisco Xavier regozijava-se com o fato de a quase totalidade dos sessenta rapazes que iriam habitar o Colégio de S. Paulo em Goa já saberem “ler e rezar o Ofício, e muitos deles, escrever”.
A oração na hagiografia xaveriana
A oração constitui um importante aspecto da atividade e da personalidade de S. Francisco Xavier. A importância que a oração teria assumido para Francisco Xavier começou a ser difundida pela hagiografia desde a sua estadia em Bolonha em 1537-1538, durante a qual se começou a formar a sua imagem como uma figura de “santos desejos” e “muito dado à oração”.
Como foi sistematizado e demonstrado de forma clara por Eduardo Javier Alonso Romo na sua obra Los Escritos Portugueses de San Francisco Javier, a questão da oração em São Francisco Xavier está intimamente ligada aos Exercícios Espirituais. Por outras palavras, várias passagens dos escritos de S. Francisco Xavier, onde é referida a oração, inspiraram-se diretamente nos Exercícios
Espirituais.
Ainda na Europa, todas as viagens de Francisco Xavier foram acompanhadas por múltiplos perigos e recheadas de dificuldades, como o próprio referiu nas suas cartas. Entre as dificuldades vividas por Xavier destacam-se as tormentas, mas também as doenças e ainda as dificuldades, melhor, os fracassos freqüentes da sua atividade evangelizadora. Nesse sentido, Francisco Xavier fez numerosos apelos aos seus companheiros, incluindo ao Geral Inácio de Loyola, para que os mesmos se lembrassem dele nas suas orações, assim como aos recém-convertidos. Outras vezes, Francisco Xavier agradecia aos seus companheiros as orações destes, às quais atribuiu a sua salvação em momentos difíceis, como escreveu em uma carta de 27 de Janeiro de 1545 onde dizia que “dos perigos que Deus Nosso Senhor me tem guardado, creio, sem duvidar, que foi por vossas orações e dos da Companhia”.
Em uma muita emocionada epístola de 1548 destinada aos seus companheiros em Roma Francisco Xavier atribuiu a sua salvação durante uma terrível tormenta à intercessão a Cristo, Nossa Senhora, a todos os santos e todas as figuras maiores da mundividência cristã da Época Moderna, assim como aos membros da Companhia já falecidos e aos seus devotos, como segue:
“Estando na maior força da tormenta, me encomendei a Deus Nosso Senhor, começando por tomar primeiro por valedores na terra todos os da bendita Companhia de Jesus com todos os devotos dela. Com tanto favor e ajuda, entreguei-me todo nas devotíssimas orações da esposa de Jesus Cristo, que é a Santa madre Igreja a qual, diante do seu esposo Jesus Cristo, estando na terra é continuamente ouvida no céu. Não me descuidei de tomar por valedores todos os santos da glória do paraíso, começando primeiro por aqueles que nesta vida foram da santa Companhia de Jesus, tomando primeiramente por valedora a beata alma do Padre Fabro, com todas as demais que em vida foram da Companhia de Jesus. Nunca poderia acabar de escrever as consolações que recebo quando, pelos da Companhia, assim dos que vivem como dos que reinam nos céu, me encomendo a Deus Nosso Senhor. Entreguei-me em todo o perigo, a todos os anjos, procedendo pelas nove ordens deles, e juntamente, a todos os patriarcas, profetas, apóstolos, evangelistas, mártires, confessores, virgens, com todos os santos do céu”.
Destaca-se ainda a repetida solicitação feita aos seus companheiros na Europa e destacados em outras missões para que rezassem por ele, assim como aos convertidos.
Próprio da época da Contra-Reforma, a hagiografia e sobretudo a iconografia de Francisco Xavier cristalizaram um protótipo duma figura imersa em profunda oração e êxtase. Com base nos testemunhos de várias pessoas ouvidas durante os primeiros processos de Goa em 1556, os quais conheceram pessoalmente Francisco Xavier e ainda na sua primeira biografia pelo P. Manuel Teixeira, a vera effigies de Francisco Xavier apresenta o Santo com os olhos erguidos para o céu proferindo o celebérrimo lema “Satis est Domine, Satis est”. Tal lema é a alusão aos seus momentos de êxtase sofridos em Goa entre Setembro de 1551 e meados de 1552. No segundo protótipo em importância relativo a Francisco Xavier, o qual foi estabelecido por uma gravura de Hieronymus Wierix, recebe o coração alado do céu simbolizando as vias de consolação interior referidas pelo próprio Xavier na citação anterior.
Ligado ao espírito de mortificação salientado pelos seus hagiógrafos, Francisco Xavier procurava frequentemente na oração forças para as maiores tormentas pelas quais ansiava e que são expressas pela célebre expressão “Más, Señor, más”.
De fato, a hagiografia de Francisco Xavier confirmada pela iconografia destaca alguns episódios, verdadeiros ou não, nos quais Xavier se encontraria em oração. Mencionamos , assim, a suposta perseguição pelos demônios, enquanto se encontrava imerso em oração durante a sua estadia em S. Tomé de Meliapor em 1544. Ficaram igualmente célebres as noites que passaria imerso em oração em Malaca em 1547. Como lemos na biografia de João de Lucena:
«E foi o primeiro, em contínua oração em que passava as noites inteiras. O que viram e testemunharam foi o que já atrás fica escrito não uma só vez, que estava em oração posto de joelhos diante do crucifixo com os olhos no céu e as mãos levantadas, não tomando mais sono, (…), de ordinário o achavam na de oração».
De igual modo, a oração está intimamente ligada ao assim denominado Milagre de Achim, que foi um dos quatro milagres referidos pela Bula de Canonização em 1622. Pois, a hagiografia atribui a S. Francisco uma profecia segundo a qual ele teria exortado os seus companheiros a dizerem um Pai Nosso e uma Ave-Maria pela vitória dos portugueses sobre os achens.
Sabemos igualmente pelo próprio Francisco Xavier que ele recorria sempre à oração nos momentos de tomar decisões. Em 10 de Novembro de 1545 terminava uma carta aos seus companheiros jesuítas na Europa dizendo: «Assim cesso, rogando a Nosso Senhor, que nos dê a sentir dentro das nossas almas sua santíssima vontade, e forças para a cumprir e a pôr em obra».
Nos seus escritos Francisco Xavier referiu ainda a função fundamental de reparação ou de caráter penitencial da oração no Cristianismo, quando, na Meditação dos Dez Mandamentos anexa ao documento “Modo de rezar e salvar a alma” (1548), exortava os fiéis a rezar duas orações, após terem refletido sobre os pecados por si cometidos contra a Lei de Deus.
Por fim, a sua morte parece ter sido antecedida por um período de profundo recolhimento e oração. Citando de novo o texto de João de Lucena: «Os primeiros oito dias, até aos vinte e oito de Novembro, gastou em suaves colóquios com Deus Nosso Senhor, tendo os olhos no céu como os costumava trazer e repetindo muitas vezes aquelas palavras: “Jesu, Fili David, miserere mei”, e à Virgem Nossa Senhora “Monstra te esse matrem».
A oração no quotidiano de S. Francisco Xavier
A leitura dos seus escritos, assim como das suas biografias, permite-nos estabelecer com bastante rigor o papel fundamental desempenhado pela oração no quotidiano de S. Francisco Xavier. Mal acordava, de madrugada, fazia a sua meditação, rezava o breviário, celebrava a Santa Missa e depois ia de casa em casa com um crucifixo e seu intérprete ou um ou mais meninos que sabiam bem as orações, e inteirava-se se havia algum defunto para aí de imediato se dirigir em oração. Estes trabalhos ocupavam a sua manhã até às 10-11 horas (segundo a instrução de Malaca de 1545 duraria uma hora e meia). Depois o Padre dirigia-se com o famoso sino pelo povoado para chamar os meninos e também crescidos para a doutrina cristã e ensinava-lhes durante uma hora as verdades da fé e as orações traduzidas para as línguas locais, exortando-os à penitência. Como Salve-Rainha. Todas estas orações traduzi, havera dois anos, na sua língua e sei-as de cor. (…). Acabadas as orações, faço-lhes uma explanação sobre os artigos da fé e os Mandamentos da lei de Deus na sua própria língua. Depois, faço que todos peçam perdão publicamente a Deus Nosso Senhor da vida passada.»
Tinha feito aos alunos de Paris, fazia repetir uma ou mais vezes as orações aos seus ouvintes, primeiro através de uma acompanhante para que as entendessem melhor e logo todos juntos, até as saberem de cor. À tarde dedicava uma outra hora a ensinar o Catecismo.
Uma vez por semana reunia todos os adultos (geralmente as mulheres ao Sábado e os Homens ao Domingo) durante duas horas, para realizar o culto religioso e a instrução. Mandava-os repetir as verdades e orações do seu catecismo tamil e declarava‑os com a ajuda dum intérprete. No final fazia uma exortação onde lhes explicava o Evangelho ou as verdades do Catecismo ou as orações.
Após terminar a sua instrução do povo, deixava uma cópia do seu catecismo em folhas de palmeira, e aos que sabiam escrever convidava também a copiar as orações e a aprende-las de memória e recitá-las todos os dias. Além disso, designava um local em cada sítio para continuar seu trabalho e reunia as pessoas ao Domingo para as orações. Quando regressava ao povoado, não deixava, apesar da fadiga, de testar se pelo menos os meninos sabiam as orações. Finalmente, tinha grande preocupação em que os recém-convertidos realizassem as suas orações em privado.
A oração na missão
A composição de orações específicas, entre as quais se destaca a “Oração pela conversão dos gentios” em Goa por volta de 1548, constitui prova suficiente do significado atribuído por Francisco Xavier à oração na sua tarefa missionária.
Entre os requisitos considerados necessários por São Francisco Xavier para o bom missionário encontrava-se a capacidade de ensinar a dizer orações, como lemos em uma carta que o mesmo escreveu a Inácio de Loyola em 1545 e na qual afirmava que «para estas partes de infiéis, não são necessárias letras, senão ensinar as orações e visitar os lugares».
Neste contexto, gostaríamos de salientar o fato de que Francisco Xavier compôs um texto, cujo título em português, “Modo de rezar e salvar a alma” (1548?), ilustra bem a importância por ele atribuída à correta forma de rezar.
A oração para Francisco Xavier liga-se a um dos aspectos mais marcantes da sua atividade missionária: o seu tão apregoado e exagerado dom das línguas, instrumento principal na sua estratégia de acomodação missionária.
Referimos a título de exemplo a seguinte exortação contida numa carta de 1548 ao P. Francisco Gomes: «Também ensinareis orações em alguma igreja. Eu folgaria que fosse na Sé: pregando aos domingos e festas, depois de almoçar, aos escravos e cristãos os artigos da fé em língua que vos entendam. Antes de mais, Francisco Xavier favorecia a prática de os convertidos dizerem as suas orações nas línguas vernáculas. De igual modo, Francisco Xavier foi o primeiro missionário europeu a aprender a língua tamil e a traduzir textos do Cristianismo para esta língua.
Para Francisco Xavier, a questão de os convertidos poderem eles próprios ter acesso aos principais textos do Cristianismo era tão importante, que ainda no mesmo ano, em Outubro de 1542, iniciou a tradução do seu catecismo para a língua tamil32. Em uma longa carta escrita em 15 de Janeiro de 1544 em Cochim, Francisco Xavier informou os seus companheiros em Roma de que tinha decidido iniciar a árdua tarefa de traduzir o Catecismo para a língua tamil, após ter reconhecido que a incapacidade de comunicação mútua por questões linguísticas impossibilitava a conversão dos povos locais ao Cristianismo. Na execução da mesma tarefa, Francisco Xavier e os seus companheiros recorreram a intérpretes locais que entendiam a língua castelhana. A colaboração destes tornou possível esta primeira tentativa de tradução do seu catecismo. Após ter traduzido com muita dificuldade este texto, Francisco Xavier aprendeu de cor o texto na língua local, andando durante dois anos de terra em terra onde o ensinava tanto aos adultos como às crianças, deixando, quando partia, uma cópia escrita do mesmo texto.
Igualmente ilustrativo da importância que a questão da tradução correta para as línguas vernáculas dos principais textos da fé cristã significava para Francisco Xavier, uma sua carta de 27 de Março de 1544 ao seu companheiro Francisco Mansilhas fazia várias correções lingüísticas ao texto relativo ao Credo.
Será ainda interessante referir, que em 1545 (Dezembro) Francisco Xavier se ocupou da tradução das principais orações do Padre Nosso, da Ave Maria e outras orações, como é a Confissão geral, para a língua malaia.
O tema Oração é a segunda principal característica iconográfica associada a SFX. Particularmente, retratando momentos de EXTASE, enquanto orava. |
De igual modo, na sua estratégia missionária, Francisco Xavier exortou missionários e convertidos a empreenderem a tradução de textos do Cristianismo para as línguas locais. Durante a sua passagem pelo Japão, em uma carta aos seus companheiros em Goa de 5 de Novembro de 1549, Francisco Xavier mencionou a sua intenção de mandar traduzir os princípios básicos do Cristianismo, incluindo as principais orações, a Paulo de Santa Fé para a língua japonesa e depois imprimir, pois a maior parte das pessoas importantes sabiam ler e escrever.
Neste sentido, foi então compilado um catecismo que no início de 1552 era lido em público por Xavier e pelos seus zelosos companheiros nas ruas das cidades japonesas, assim como nas casas privadas. Na sua origem, terá estado a lacuna observada por Francisco Xavier que os bonzos não tinham livros, ou seja, uma autoridade estabelecida relativamente às suas práticas de contemplação consideradas positivas pelo mesmo missionário. Tal prática de leitura provocou poucas conversões, como reconhecido pelo próprio Francisco Xavier, mas foi uma das componentes das famosas disputas realizadas entre os missionários jesuítas e os chefes locais.
De forma a tornar mais acessível a mensagem do Cristianismo e a facilitar simultaneamente a memorização mais rápida das orações, Francisco Xavier recorreu à música, segundo o costume da época, como podemos ler na seguinte passagem: «Era para dar graças a Nosso Senhor o fruto que Deus fazia em imprimir nos corações de suas criaturas, em gente novamente convertida à sua fé, cantando de seu louvor e glória. Era de maneira que, em Maluco, pelas praças, os meninos, e, nas casas de dia e de noite, as meninas e mulheres e, nos campos, os lavradores e, no mar, os pescadores, em lugar de vãs canções, cantavam santos cantares, como o Credo, Pai Nosso, Ave-Maria, Mandamentos, de maneira que todos os entendiam, assim os novamente convertidos à nossa fé, como os que não o eram».
Na sua atividade catequética, Francisco Xavier dedicava atenção especial às crianças, seguindo assim o espírito da Fórmula do Instituto 1539 reafirmada pela bula de 1551 que estabelecia o ensino da Doutrina Cristã às crianças. Ademais, rapidamente, Francisco Xavier deu‑se conta da dificuldade de converter povos com fortes tradições religiosas e culturais. Para além da fundação de colégios para rapazes, Francisco Xavier dedicou‑se com grande entusiasmo à evangelização de crianças. A partir da sua estadia de 1542 em Goa, Xavier introduziu o ensino das orações, o Credo e os mandamentos a crianças. De igual modo, exortava os seus companheiros a não confiarem a ninguém a tarefa de ensinar «as orações aos filhos dos portugueses, e ensina-los a rezar as Horas de Nossa Senhora, os sete salmos, e as horas de Finados pelas almas de seus pais».
Na sua estratégia missionária, Francisco Xavier favorecia o ensino às crianças, pois considerava ser mais fácil converter os jovens porque mais abertos à mensagem do Cristianismo. Em termos práticos, Xavier dedicava uma hora ou mais a ensinar as orações e atribuía às crianças um importante papel na difusão da oração. Ou seja, tinha a opinião de que as orações nas celebrações dominicais deviam ser pronunciadas por crianças. Igualmente, ordenava aos jovens, que sabiam as orações, que fossem eles às casas dos doentes, e que juntassem todos os de casa e vizinhos, e que dissessem [com] todos o Credo muitas vezes, dizendo ao doente que acreditasse, que sararia; e, depois, as outras orações.
No caso dos jovens convertidos, estes deviam assumir seguidamente a tarefa de ensinar os adultos. Em 1544 escrevia assim: «No espaço de um mês, ensinava as orações, dando a seguinte ordem: que os moços, aos seus pais e mães, e a todos os de casa e vizinhos, ensinassem o que na Escola apreendiam».
São Francisco Xavier e o Rosário
A hagiografia do Santo difundiu a idéia de que Francisco Xavier era um grande devoto do Rosário através do qual realizava numerosos milagres. Com segurança, sabemos que Francisco Xavier trazia um rosário no Outono/Inverno 1536 durante a sua viagem de Paris para Veneza. De fato, Francisco Xavier tinha especial interesse na propagação desta devoção. Em 1542 Francisco Xavier pediu a Inácio de Loyola que lhe enviasse dois rosários para o Governador da Índia, Martim Afonso de Sousa, e para a sua mulher, que eram muito devotos da Companhia. O rosário que presumivelmente Francisco Xavier trazia sempre consigo e com o qual teria morrido nas mãos, tornou-se uma importante relíquia de contato.
No que refere à iconografia, no Japão difundiu‑se a imagem dos dois primeiros santos da Companhia, Inácio de Loyola e Francisco Xavier, em oração a Nossa Senhora do Rosário, entre a qual se destaca a fantástica pintura a óleo no Museu Universitário de Kyoto. Tal importância hagiográfica e iconográfica do Rosário no Japão deve‑se se ao fato de os budistas terem igualmente uma semelhante devoção ao Rosário44. De igual modo, Francisco Xavier descreveu em 1552 a devoção japonesa semelhante à devoção do Rosário no Cristianismo da seguinte forma:
“Todos os japoneses, tanto os bonzos, como o povo, rezam por contas: o número delas é mais de cento e oitenta. Quando rezam continuadamente, nomeiam a cada conta o Fundador da seita que têm. Uns têm por devoção passar muitas vezes as contas e outros menos”.
A existência enraizada desta devoção no Japão terá com certeza estado na origem da oferta por Francisco Xavier de dois rosários ao chefe da comunidade cristã de Ichiku, na Costa Ocidental, durante a sua passagem pela mesma região.
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