O grande apóstolo das Índias, como já
dissemos, não conhecia o repouso. Depois de ter escrito todas aquelas cartas,
embarcou para Comorim, a fim de visitar de novo os seus queridos Paravás, seus
primeiros filhos em Jesus
Cristo , que ele amava com verdadeira ternura paternal.
Recepção dos Paravás
- UMA vela! uma vela! gritavam batendo
as palmas muitos índios colocados em observação, desde a madrugada, sobre a
peníssula mais avançada das costas do Comorim.
- Uma vela! uma vela! repetiam milhares de
vozes sobre toda a extensão da praia: é ele! é o grande Padre! O Sanctissima
Trinitas!
- O grande Padre chega!
- Como ele ficará contente de nos ouvir
cantar a doutrina cristã para o receber!-e ver que nós nada esquecemos!
- E como ele abraçará Francisco!
Dali a pouco a alegria dos bons Paravás
tornou-se mais entusiástica ainda. Aquele navio; que ao princípio se
apresentava como um ponto negro no horizonte, foi reconhecido claramente, e,
impelido pelo mais favorável vento, avançou com rapidez.
Toda a população das Costas se achava
abalada pela chegada do grande Padre: as casas, as aldeias, os campos, os
trabalhos, tudo tinha sido abandonado; cristãos e pagãos desejavam ver o grande
Padre muito querido, do qual se achavam privados desde muitos anos.
Os Padres Criminale, Henrique e Cipriano
tinham continuado entre eles os trabalhos do grande apóstolo, e haviam
conseguido conquistar os corações e a confiança dos Paravás; mas nada valia,
para aqueles bons índios, como o grande Padre tão amado.
Finalmente ancorou o navio que conduzia o
Santo venerado; Xavier é visto, e um imenso grito de alegria, partindo daqueles
milhares de homens, vai repercutir no seu coração. Ele faz sinais de afeição
àquela massa de povo que cobre a praia; testemunha-lhes também a sua alegria
por tornar a ver o seu querido rebanho, e logo que põe o pé sobre a praia, os
gritos de entusiasmo são substituídos por cantos da doutrina cristã, aos quais
o nosso amável Santo acompanha com sua encantadora voz. Era a prova do prazer
que nele produzia o acolhimento dos seus primeiros filhos em Jesus Cristo. Eles
assim o cumprimentaram, o seu querido Pai, até à primeira povoação, sem
interromperem os cantos.
Ensinamentos
válidos: índios fortes na fé - Xavier
parou à entrada da povoação para falar, àquela grande multidão; mostra a sua
alegria por tornar a ver os seus Paravás e o prazer que nele causou a recepção
que lhe fizeram; felicita-os por se terem conservado fieis na sua ausência, e
procurava animá-los para o futuro, quando um índio lhe disse com orgulho que
não podia dissimular:
- Oh! isto é nada, grande Padre.
- Nada é, meu filho! Ah! o que há então
mais?
- Há, grande Padre, que Francisco, a quem
baptizastes e destes o vosso nome, quis morrer pela doutrina: ei-lo, que diga
ao grande Padre o que lhe fizeram.
- Vejamos, meu caro Francisco, disse Xavier ao
jovem indiano abraçando-o com lágrimas de ternura, contai-me isso; o que vos
aconteceu, meu filho?
- Grande Padre, respondeu-lhe Francisco, eu
achava-me em um navio português que a tempestade arrojou para um porto
muçulmano; o navio foi aprisionado, os portugueses mortos, e a mim, como era
índio, quiseram fazer-me muçulmano; eu disse-lhes que era cristão e cantava a
doutrina do grande Padre.
Prometeram fazer-me muito rico se eu
quisesse renunciar ao meu batismo. Não o quis, e tornei a cantar a doutrina
cristã do grande Padre.
Quiseram matar-me, e eu disse:
"Matai-me, mas eu cantarei até à última hora a doutrina cristã! O
Sanctissima Trinitas! como diz o grande Padre." Então privaram-me de
alimento e jogaram-me numa prisão, mas eu cantava sempre a doutrina para morrer
cristão!
Oh! sim, eu queria morrer cristão, grande
Padre! O Sanctissima Trinitas!
- E como foi que a Providência vos livrou,
meu querido filho? perguntou-lhe Xavier, abraçando-o de novo.
- Foi um navio português, grande Padre, que
chegou com muitos soldados; eles mataram todos os muçulmanos que se bateram com
eles, e quando lhes disseram que eu estava preso vieram buscar-me e me
trouxeram para aqui.
O santo apóstolo agradeceu a Deus por aquele
triunfo da fé naquele jovem coração; era para a sua alma uma grande consolação!
Abraçou repetidas vezes o fiel Francisco, e felicitava-o ainda por haver
sofrido por Jesus Cristo, quando vieram aumentar a sua alegria dizendo-lhe que
muitos Paravás tinham igualmente resistido a todas as promessas e a todas as
ameaças dos infleis.
- Sim, grande Padre, disseram-lhe os
confessores da fé que acabavam de se tornar notáveis, nós respondíamos a tudo
cantando a doutrina cristã! E a cantaremos até à morte! O Sanctissima Trinitas!
Os índios selvagens não compreendiam o
sentido das palavras: O Sanctissima Trinitas! mas tinham-nas ouvido por várias
vezes repetir ao seu apóstolo venerado; haviam notado que elas eram nascidas
dum impulso do seu coração, que ele as pronunciava com uma acentuação
abrasadora, um olhar que parecia perder-se nos Céus, e um ardor. que se traía
pelo vivo colorido do seu rosto.
Gostavam tanto de o contemplar no momento em
que aquele grito de amor se escapava da sua alma, que a ingrata memória
daqueles selvagens as havia conservado como palavras misteriosas e poderosas e
as tinham adoptado como a sua mais expressiva exclamação; delas se serviam para
exprimir os seus mais vivos sentimentos.
Muitas vezes notavam que quando o seu santo
apóstolo ás pronunciava, ardendo no fogo divino de que era favorecido,
entre-abria o fato e deixava sair do peito e do rosto raios luminosos, cujo
brilho os seus olhos não podiam suportar. Notavam mais, que este prodígio se
repetia muitas vezes no nosso Santo.
Xavier, advogado dos
escravos - Muitos escravos fugidos
dos seus donos vieram procurar o indulgente Xavier para implorarem o seu
valioso apoio, logo que souberam da sua chegada:
- Grande Padre, lhe disseram eles a chorar,
nós eramos muito desgraçados com os portugueses: fugimos e tornámo-nos mais
desgraçados! Não nos atrevemos a voltar para os nossos donos porque eles nos
puniriam; mas morremos de fome! Grande Padre! se vós pedis perdão por nós, não
seremos por certo castigados!
E Xavier, cujo terno coração se deixava
impressionar por todos os sofrimentos, advogou em favor dos escravos, seus
caros filhos, que conseguiram voltar para os seus amos com toda a segurança.
Xavier na função de
Provincial dos Jesuitas - Depois de haver
visitado toda a Costa da Pescaria, seguiu o nosso Santo para Meliapor onde reuniu
todos os Padres empregados nos serviços das cristandades, a fim de julgar por
si das virtudes, dos talentos, da capacidade de cada um, e de os empregar da
maneira mais vantajosa para o bem das almas e glória de Deus.
Nomeou como superior o Padre Criminale,
ordenou que todos aprendessem a língua Malabar [ou malaia],
a mais popularizada, e encarregou o Padre Henriques de estudar os princípios
daquela língua, de estabelecer as regras, de compor uma gramática própria para
facilitar o seu estudo aos que fossem destinados ao apostolado da Índia.
O Padre Henriques ignorava ainda o malaio;
aquele trabalho parecia-lhe impossível, e nunca pensara em empreendê-lo; mas
como o seu superior lho ordenara, empreendeu-o sem calcular as dificuldades, e
todos se admiraram da prontidão com que o executou.
A obediência operaria um prodígio.
Xavier mandou traduzir naquela língua, por
um indígena, a explicação da doutrina cristã que havia empregado nas Molucas
com excelente resultado; deixou instruções escritas e pormenorizadas sobre a
maneira como os Padres deviam exercer o santo ministério nas diversas
cristandades que lhes eram confiadas, e sobre o modo como deviam tratar com os
portugueses para conseguir o maior bem dos neófitos, e finalmente partiu para a
ilha de Ceylão.
Depois da sua partida escrevia o Padre Vales
aos seus irmãos de Portugal.
"...Não sei explicar a felicidade que
experimentei vendo o santo Padre. É um servo de Deus ao qual ninguém pode ser
comparado. A sua linguagem a sua presença, tudo nele faz admirar e amar a Deus
produzindo o maior desejo de o servir. Ele diz muitas vezes: Louvado seja Jesus
Cristo! e diz isto com tanto amar que aqueles que ouvem se
entusiasmam...".
Conselheiro do rei:
Xavier promove acordo de paz - Haviam
morrido em Goa o irmão e o filho do rei de Jafanapatão, e o tirano via-se
inquietado pelas inflexíveis hostilidades dos portugueses. Francisco Xavier,
antevendo preciosas vantagens para a Igreja e para a coroa de Portugal num
tratado que garantisse a liberdade da religião cristã no reino de Jafanapatão,
ao mesmo tempo que tornasse aquele país tributário de Portugal, resolveu propôr
ao rei este meio de restabelecer e de consolidar a paz entre os dois povos.
Ele parte, chega a Jafanapatão, faz-se
apresentar ao rei e comunica-lhe o seu plano
- Vós estais cercado de inimigos, lhe diz
ele; tende-los tanto no interior, como fora; o vosso trono, já abalado, está
prestes a cair, ele se abaterá ao primeiro choque que lhe for dado pelos vossos
vassalos revoltados ou pelas armas portuguesas. Não seria, pois, melhor firmar
o vosso poder pelos meios que vou propor-vos? Estabelecei uma aliança sólida
com Portugal; pagai-lhe um tributo, e ele se comprometerá a manter-vos.
- Grande Padre de Travancor, a vossa palavra
é sagrada, mas os portugueses são cristãos.
- Eis aí porque eu proponho a condição de
publicardes um édito pelo qual permitísseis aos missionários pregar a lei de
Jesus Cristo nos vossos estados, e aos vossos vassalos a submeterem-se às
mesmas leis sem receio de novas perseguições.
Francisco Xavier, vendo-se atendido,
explicou os principais dogmas do Cristianismo àquele príncipe, e obteve a
promessa de que ele renunciaria um dia aos seus ídolos e às suas paixões; no
entanto, aceitou todas as condições propostas, e um dos seus ministros,
encarregado de ir negociar o tratado com o vice-rei, acompanhou o grande Padre
de Travancor a fim de ser melhor acolhido sob a sua proteção.
Terminado este negócio, seguiu o nosso
infatigável apóstolo para o interior da ilha, e teve a felicidade de converter
o rei de Candia e um grande número dos seus vassalos; depois embarcou com o
enviado do rei de Jafanapatão. Chegando a Goa,
a 20 de Março, soube que o vice-rei se achava em Baçaim, distante sessenta
léguas; tornou a embarcar com aquele destino.
O vice-rei tinha-se afastado durante a
ausência do nosso Santo: Dom João de Castro substituía naquele cargo D. Afonso
de Sousa, e não conhecia de vista Francisco Xavier; mas ouvira falar, na corte
de D. João III, da sua eminente santidade, dos seus admiráveis milagres, e
viera às Índias com grande desejo de conhecê-lo. Alegrou-se, portanto com a
notícia da sua chegada a Baçaim, recebeu-o com todas as honras que teria
prestado ao embaixador do mais poderoso monarca, e imediatamente ratificou o
tratado preparado pelo santo diplomata.
Em Baçaim na Índia:
Conselho de Xavier ao Jovem criminoso - Achando-se
ainda em Baçaim o Padre Xavier e saindo uma vez do palácio do governador,
descobriu um jovem que atravessava a praça e que dirigindo-se para ele toma a
sua mão e a leva aos lábios. Xavier retira-lha, olha severamente para o jovem
português e diz-lhe em tom de censura e de autoridade
- Como, Rodrigo! eu encontro-vos aqui?...
Quando deixei Malaca não me tínheis prometido partir em seguida para Portugal?
- Mas, meu Padre, o vice-rei deu-me o cargo
de recebedor dos dinheiros reais... e eu demorei-me.
- E ele fez-vos deixar Malaca por isso?
E o jovem responde: - Meu Padre, eu
detive-me em Goa onde fora ver o governador que me conservou ali...
- E foi o governador que vos ordenou que
passásseis dois anos sem vos confessar! é o governador que vos obriga a viver à
mercê de todas as vossas paixões? Vejo com dor que vos precipitais para o fundo
dum abismo!
- Meu Padre! meu querido Padre!...
- Nós não podemos estar bem, meu pobre
Rodrigo enquanto estiverdes de mal com Deus!
- Pois bem, meu bom Padre, farei tudo que
quiserdes; partirei, e obedecer-vos-ei! Confessai-me!...
Dos olhos de Rodrigo de Sequeira corriam
copiosas lágrimas; tomou a mão do santo Padre, beijou-a com amor e veneração e
seguiu-o para se confessar sem demora.
Rodrigo pertencia a uma nobre família
portuguesa, e habitava Malaca, onde, por haver matado o seu adversário em
duelo, incorrera na severidade das leis e para se pôr ao abrigo delas se recolhera
ao hospital; fora ali que o Padre Xavier o havia conhecido e conquistado a sua
afeição e confiança.
Rodrigo regressava aos seus sentimentos
cristãos e reconciliado com Deus prometera ao santo Padre deixar as Índias,
onde a sua alma estaria sempre exposta a graves perigos, e voltar para
Portugal. Então o caridoso Santo, tão delicadamente amável para com aqueles que
se sujeitavam, dissera-lhe
- Muito bem! meu amigo, pois que já tenho a
vossa promessa de deixar este país e voltar para a Europa, dir-vos-ei que
podeis tornar a aparecer, mesmo em Malaca, com toda segurança, porque fui feliz
em compor o vosso mau negócio. Não sereis perseguido pela família a quem
privastes dum dos seus membros, e o governador concedeu-me o vosso perdão.
Parti, pois; voltai para o seio da vossa família e vivei sempre como bom
cristão.
Rodrigo prometera... e depois faltara 'à sua
palavra! Mas desta vez conseguindo voltar à graça de Deus, por intermédio do
ministério de Xavier, pediu a sua demissão ao governador:
- Senhor, lhe disse ele, eu prometi ao santo
Padre voltar para a minha família, e é quanto basta, porque fui muito criminoso
faltando à minha palavra uma vez! Não conhecia o pesar do Padre Xavier quando
incorri no seu descontentamento! Não me exporei mais a isso! Julguei sentir
sobre mim o peso da justiça divina quando noutro dia o tornei a encontrar.
Parto com ele para Goa, onde me aproveitarei do primeiro navio que se fizer à
vela para Lisboa.
Rodrigo partiu, com efeito, e recomendado
por Francisco Xavier aos Padres da Companhia de Jesus residentes em Lisboa,
veio a ser um excelente cristão.
O vice-rei, cuja afeição Xavier havia
conquistado, viu-o partir com pesar; desejava reformar a sua vida pelos seus
conselhos, e queria sujeitar-se à sua direção por alguns meses. Xavier, porém,
não podendo naquela ocasião demorar-se em Baçaim, concordou em passar o inverno
em Goa, para onde D. João de Castro voltaria logo que tivesse concluído os
negócios que ali o detinham; então ele faria uma confissão geral e se
conformaria para o futuro com os conselhos e instruções espirituais do santo
Padre.
Combinado isto, Xavier deu a sua bênção ao
vice-rei, e embarcou.
04 - VOCAÇÃO DE
COSME DE TORRES E CONVERSÃO DE PAULO ANGELO
Admiração e vocação
jesuíta de um Padre - Recordarão os nossos
leitores da heróica dedicação de Francisco Xavier pelos doentes duma esquadra
espanhola, forçada a parar em Ambóino na ocasião em que ele ali chegava;
lembrar-se-ão também dos prodígios da sul, singular caridade, da sua heróica
mortificação, do completo esquecimento de si próprio para salvar todos os
doentes atacados de escorbuto.
Entre aqueles doentes, achava-se Cosme de
Torres, padre espanhol, um dos homens mais sábios daquela época, e que pelo seu
amor pelas ciências se deixara arrastar à Índia na esquadra de Carlos V.
Tomara grande parte nos cuidados ternos e
delicados do nosso Santo, e aquela vida de sublime abnegação parecera-lhe uma
maravilha que não acreditaria, se lhe não tivesse sido permitido vê-Ia e
admirá-la, durante quatro meses seguidos, sem diminuir de coragem.
Por seu lado, Francisco Xavier
impressionara-se também com as virtudes e piedade do Pe. Cosme de Torres, cuja
reputação de ciência e de santa vida, conhecia desde há muito tempo e um a
outro se ligaram por uma sincera amizade. Na partida da esquadra o apóstolo das
Índias dera ao seu novo amigo uma carta de recomendação para o Padre reitor do
colégio de Goa, onde ele foi recebido de braços abertos.
A vida tão perfeita dos Padres daquele
colégio havia excitado a admiração do sacerdote espanhol, a. ponto de lhe fazer
desejar ardentemente a entrada na Companhia de Jesus.
O Padre Lanciloti dirigia-o nos Exercícios
espirituais; e quanto mais vivo se tornava o seu desejo, mais ele adiava os
votos e queria esperar ainda. Flutuava nesta penosa incerteza, quando o grande
apóstolo chegou a Goa para ali passar o inverno, e encontrando-o no colégio,
acolheu-o como a um dos seus irmãos, abraçou-o e estreitou-o ao coração
exclamando:
- Cosme de Torres! que feliz me sinto por
vos ver aqui, meu queridíssimo irmão!
- Sim, meu caro Padre, se me quereis, eu
serei dos vossos; achava-me ainda numa constante incerteza; mas vendo-vos,
abraçando-vos, fez-se luz em mim; sinto que Deus me quer aqui.
Francisco Xavier tinha toda a segurança
naquele apelo. Agradeceu a Deus por uma tal aquisição, e reservando para a
conquista do Japão, na qual seriamente meditava, a ciência do novo missionário,
encarregou-o de instruir três japoneses, a fim de o familiarizar com as
dificuldades da sua língua.
Estes três japoneses, que o nosso Santo
mandara embarcar no navio de Jorge Álvares, quando este deixava Malaca, eram um
jovem de família nobre e muito rica, chamado Angelo, e dois dos seus
domésticos; o apóstolo do Oriente esperava penetrar no império do Japão, por seu
intermédio, com mais facilidade e maiores esperanças de bom resultado.
Do auxilio conheceu
a fé - Ângelo vai
contar-nos, ele mesmo, como a divina Providência o levou ao conhecimento do
Cristianismo e ao desejo de abraçá-lo.
Estratégia de
conversão - A cidade de Adém,
constantemente invadida pelos Turcos, acabava de se recolher sob a proteção dos
portugueses que desde muito ambicionavam aquele porto vizinho do Mar Vermelho.
O vice-rei fazia aprestar e equipar em Baçaim uma esquadra, cujo comando confiara
a seu filho Álvaro de Castro, e dera ordens ao governador de Goa para lhe
enviar oito navios armados e equipados, que deviam reunir-se à esquadra em
Baçaim, a fim de tomar parte na expedição.
Quando os oito navios de Goa iam levantar
ferro, Francisco Xavier sabe que Fernando Alvarez, oficial cujo valor e
brilhantes feitos de armas haviam merecido sempre os maiores elogios, fazia
parte da expedição e que acabava de embarcar na nau Santa-Fé.
No mesmo instante toma o santo apóstolo o
seu breviário, corre ao porto, mete-se num barco, faz-se conduzir a bordo da
Santa-Fé e nela embarca exatamente quando se fazia ouvir a voz do comando.
Levanta-se ferro, e eis o nosso Santo ganhando o alto mar com a serenidade de
um passageiro que empreende uma viagem maduramente refletida e de há muito
preparada.
- Meu caro Padre, diz-lhe o capitão, quando
o viu, que grande fortuna para nós! Eu ignorava que acompanharíeis a esquadra,
e, além disso, que teria a felicidade de vos possuir a bordo!
- Eu também o ignorava, ainda há poucos
instantes, respondeu-lhe Xavier sorrindo.
Depois de alguns momentos de conversação com
o capitão, o nosso Santo foi reunir-se a Fernando, que não podia fugir-lhe como
até então.
Fernando Alvarez era o homem mais irascível
e cheio de vícios. Os seus talentos militares e o seu grande valor eram
conhecidos, é verdade, mas era tudo quanto nele se podia apreciar. Já Francisco
Xavier tentara muitas vezes aproximar-se daquele pecador endurecido; porém
sempre fora repelido com uma violência que tinha algum tanto de brutalidade.
O zelo do apóstolo, que por coisa alguma
desanimava, satisfazia-se então com a oração, esperando sempre uma ocasião
nova. Aquela que se apresentava, parecendo-lhe de todo providencial, dava-lhe
inteiras esperanças de bom resultado convencendo-se de que chegara o momento da
graça e que dali a pouco faria a difícil conquista que tanto ambicionava.
Conhecemos a abundância de recursos que
Francisco Xavier possuía para subjugar os espíritos e atrair os corações; ele
pô-los todos em campo, evitando contudo atacar a praça abertamente, antes de
enfraquecer os seus meios de defesa. Mostrou-se satisfeito na convivência de
Fernando, a ponto de os fanáticos da equipagem se olharem com admiração, e
dizerem entre si:
"É incrível que o santo Padre, que é
profeta e que tudo adivinha, não saiba o que é Fernando Álvarez. Se ele o
soubesse não o veríamos, por certo, em uma tal intimidade com aquele homem de
quem todo o mundo foge como de um empestado".
O santo Padre conhecia perfeitamente a
admiração que causava; mas persistia, apesar disso, no plano que tinha em vista
e do qual esperava colher um bom êxito porque Fernando já procurava o santo e
parecia preferir a sua companhia a qualquer outra
- Nunca supus, dizia ele ao capitão, que o
Padre Francisco fosse tão amável. É, na realidade, o mais encantador
gentil-homem que tenho conhecido! É para lastimar que ele seja padre.
Amor ao homem bravo
pela singeleza da conversão - Fernando
era um jogador desenfreado. Xavier mostrava interessar-se muito nos seus jogos,
e, ouvindo-o jurar e blasfemar, um dia em que perdia consideravelmente,
disse-lhe com a mais agradável expressão
- O jogo exige presença de espírito, senhor
Alvarez; tende confiança, que não perdereis até ao fim se vos portardes bem.
- Que quereis, meu Padre, eu não sou senhor
de mim, respondeu o fogoso soldado, cuja brutalidade se tornara proverbial.
Na manhã seguinte, reconhecendo o nosso
Santo a estima que Fernando Alvarez já sentia por ele, julgou chegado o
momento. Passou o seu braço pelo daquele homem de guerra, e no tom mais
insinuante, disse-lhe em voz baixa, arrastando-o para a ponte.
- Senhor Fernando, eu sou muito curioso e
desejo muito saber uma coisa que somente vós me podeis dizer.
- Falai, meu Padre.
- Pois bem! dizei-me se vos confessastes
antes de partir.
- Oh! há já muito tempo que me não ocupo
disso, meu Padre.
- Como! bravo como sois, o primeiro sempre
na brecha, sempre exposto a ser o primeiro morto, quereis comparecer na
presença de Deus com uma consciência tão pesada? Qual é o vosso pensamento?
- Meu caro Padre, julgo que não sou uma boa
presa, porque quis confessar-me uma vez, antes de partir para o inimigo, e o
vigário rejeitou-me sob pretexto de que me não achava preparado; creio que ele
teve repugnância de mim.
- Ora bem! mas eu, que não tenho tal
repugnância, quero confessar-vos, Senhor Fernando; não quero que um turco vos
mate e lance a vossa alma ao inferno.
- Vós não sabeis a que vos comprometeis, meu
Padre!... O negócio é de muita dificuldade...
- Não obstante isso, senhor, deixai-me
preparar-vos para fazer uma boa confissão, e vereis que não será mais difícil
para vós do que tem sido para tantos outros.
- Fernando não resistiu mais; ouviu o nosso
apóstolo, deixou-se subjugar pela sua meiga e poderosa palavra, e prometeu-lhe
confessar-se no porto de Coulão, dó qual se achavam próximos. Logo que ali
chegaram, Francisco Xavier desembarcou com ele e confessou-o numa floresta que
bordava o litoral.
- Meu Padre, disse Fernando, inspiraste-me
um tão grande remorso pela minha desregrada vida, que podeis impôr-me a mais
rigorosa penitência; prometo-vos fazer tudo que quiserdes para expiação dos
meus pecados.
Mas o santo apóstolo impôs-lhe somente a
recitação de um Pai Nosso e de uma Ave Maria e tão grande foi a admiração de
Fernando, que exclamou:
- Por quê, um Pai Nosso e uma Ave-Maria por
esta confissão de soldado? E que quereis, pois, que eu espere depois de ter
ofendido tanto a Deus, sem que me seja imposta, e eu cumpra, uma penitência
proporcionada, quanto possível, à gravidade dos meus pecados?
- A misericórdia de Deus é infinita, meu
amigo, tende confiança; quanto à sua justiça, nós a aplicaremos, eu o espero,
respondeu-lhe Xavier com aquela inefável doçura com que tanto se fazia amar.
Depois, internou-se na floresta, enquanto
Fernando cumpria asna penitência, e ali, como em Cranganor, martiriza-se
àsperamente com a disciplina que trazia sempre consigo. Fernando ouve e
adivinha o seu pensamento; corre para ele, arranca a disciplina de suas mãos,
despe-se até à cintura e bate em si até fazer sangue, porque vira correr também
o sangue do santo Padre.
- Meu Padre, meu caro Padre, fui eu que
pequei e vós castigais-vos! disse ele em lágrimas.
Francisco Xavier abraça-o muitas vezes,
feliz por o ver numa disposição cuja perseverança previa.
- Agora vos confesso, lhe diz ele, que
embarquei somente por vossa causa. Quis dar a vossa alma a Deus e tive esta
consolação; deixo-vos com a esperança de que sereis fiel à graça que acabais de
receber. Prossegui na vossa viagem; eu volto a Goa e não vos esquecerei diante
de Nosso Senhor!
Depois da expedição de Adém, Fernando entrou
numa Ordem religiosa onde viveu e morreu santamente.
Incersantes
trabalhos e fadigas habituais na volta a Goa - De volta a Goa, entregou-se o nosso Santo com maior
ardor do que nunca a todos os exercícios espirituais, e às austeridades mais
penosas, a fim de renovar as suas forças, e de atrair as bênçãos celestes à
nova conquista que premeditava. Contudo não descuidou em coisa alguma os seus
trabalhos exteriores.
Devorado sempre de zelo e sempre
infatigável, voltou às pregações, às confissões, à instrução das crianças e dos
escravos, ao cuidado dos presos e dos doentes nos hospitais; parecia
multiplicar-se.
Dirigindo e administrando todos os negócios
da Companhia de Jesus nas Índias, assim como dos colégios que se achavam ali
fundados, ele velava por tudo e tudo precavia, superando todas as dificuldades
sem recuar diante de nenhum obstáculo.
Cada um dizia consigo que era impossível,
sem milagre, satisfazer ele a tantos e tão penosos trabalhos.
Existia um colégio em Goa, um outro em
Cranganor; era necessário estabelecer um terceiro em Malaca e um quarto nas
Molucas. Para isto era preciso corresponder-se com Roma e Lisboa, na Europa;
com Malaca, distante de Goa setecentas léguas, e com as Molucas que se acham
afastadas pròximamente mil.
Naquele século a navegação estava longe de
adquirir os meios de rapidez e as probabilidades de segurança que a ciência lhe
proporcionou mais tarde. A correspondência era, além disto, de muito grande
trabalho para o nosso santo apóstolo.
Se muitas embarcações partiam ao mesmo
tempo, ou com curtos intervalos uma da outra para aqueles variados destinos,
ele escrevia e repetia três vezes as mesmas cartas, prevenindo o caso de que se
um navio se perdesse no mar, outro pudesse suprir.
Quando se considera os imensos e magníficos
trabalhos do seu admirável apostolado, não se pode compreender como ele pudesse
manter aquela volumosa correspondência. É um prodígio dos mais admiráveis,
especialmente quando se analisa o cuidado e a minuciosidade das suas cartas a
todos os missionários seus subordinados e a todos os Padres encarregados dos
colégios que ele havia solidamente estabelecido a despeito de tantos obstáculos
e dificuldades.
Momento de oração e
extase - Todos aqueles
afazeres não lhe impediam de consagrar cada dia duas horas, depois do jantar, à
oração. Retirava-se para a torre do campanário a fim de não ser perturbado, e
um jovem seminarista, chamado André, era incumbido de adverti-lo quando
expirassem às duas horas; durante este tempo 0 nosso Santo absorvia-se em Deus.
Um dia, André foi adverti-lo, com
escrupulosa pontualidade, que o vice-rei lhe concedera uma entrevista, mas
Francisco Xavier não o ouve; achava-se sentado em um banco de madeira, com as
mãos cruzadas sobre o peito, os olhos fixos no céu e completamente imóvel.
André contempla-o por um instante com admiração; nunca vira coisa que se
pudesse comparar com aquela bela e estática figura. Saltam-lhe lágrimas dos
olhos, o seu desejo é conservar-se ali de joelhos junto do santo Padre, que lhe
parece uma visão celeste; porém Xavier era esperado pelo vice-rei, e tendo-lhe
ordenado que o interrompesse naquela contemplação, forçoso era obedecer-lhe:
- Meu Padre! disse ele finalmente, meu
Padre! Vós tendes de ir ao palácio do vice-rei, que vos espera.
Francisco Xavier não se move; seu olhar
conserva-se na mesma fixidez, na mesma expressão de santidade; só o seu corpo
toca a terra, toda a sua alma está com Deus! André não ousa insistir e
retira-se respeitosamente, penetrado de venerarão.
Duas horas depois, volta para junto do santo
apóstolo, que encontra na. mesma posição e na mesma contemplação. André vê-se
forçado desta vez a chamá-lo para terra, e depois de tê-lo despertado em vão,
muitas vezes, toma a liberdade de tocar no seu braço e de sacudi-lo fortemente!
Como, disse-lhe docemente Xavier, passaram
já às duas horas?
- Quatro, meu Padre.
- Vamos, pois, imediatamente, ao palácio do
vice-rei.
E sai logo levando André consigo, mas à
porta do colégio de novo arrebatado e impelido a voltar, diz-lhe
- Deus quer que este dia seja somente para
ele; iremos amanhã à casa do vice-rei.
Vimos já no decurso desta história que
semelhantes arrebatamentos se repetiam várias vezes no ilustre apóstolo das
Índias, e que as mais violentas tempestades e os gritos de desesperação dos
passageiros não o distraíam, por um instante sequer, das suas comunicações com
Deus, e eles diziam então
"É certo que a tormenta cessará, porque
o Padre Francisco está com Deus!"
Durante a sua residência em Goa, retirava-se
o nosso Santo, de ordinário, para um pequeno oratório ou capela colocada no
fundo do jardim do Colégio e, ali, Deus o cumulava de tais
delícias, que muitas vezes o ouviam pedir que moderasse os seus favores.
- É demais! Senhor, é demais! exclamava ele.
E entreabria a batina, saía da capela,
passeava no jardim e procurava refrescar o peito incendiado pelo fogo divino
que o abrasava! Julgava-se só, ou antes, esquecia a terra a ponto de supor que
eles não viam e deixava escapar do seu coração aquele grito de amor que lhe era
habitual e que repetia até durante o curto sono:
"Oh! Jesus! amor do meu coração!"
O grande Xavier, já o dissemos, queria
conquistar o Japão, queria conquistar a China e teria querido conquistar o
mundo inteiro para o dar à Igreja de Jesus Cristo, e por isso carecia de estar
constantemente com Deus para haver, às mãos cheias, os tesouros da sua
misericórdia, todas as bênçãos que desejava para as suas magníficas empresas.
Carecia também de estar continuamente com ele, a fim de lhe testemunhar o seu
ardente amor e o seu imenso reconhecimento pelos favores tão extraordinários
com que o havia beneficiado.
Assim, parecendo-lhe insuficiente o dia,
quando chegava a noite, que era para todos, a hora do repouso, Xavier, que não
queria para si outro descanso que o do Céu, e a quem Deus concedia forças
sobre-humanas, saía furtivamente do seu quarto, descia à igreja, e ali ficava
absorto, algumas vezes até à manhã do dia seguinte.
Acontecia outras vezes, que a natureza
reclamando os seus direitos, uma imperiosa necessidade de dormir se apoderava
do santo apóstolo; mas sempre que isto lhe acontecesse, retirava-se triste,
lamentando a sua fraqueza; muitas vezes, porém, não se podia resignar a
afastar-se da doce presença do divino Salvador. Então, com o amor e o abandono
dum filho querido que dorme nos braços maternos, deixava-se dormir sobre os
degraus do altar e o mais próximo possível d'Aquele a quem amava.
Depois de alguns momentos de sono, voltava
de novo às suas orações, e várias vezes, quando de manhã os Padres entravam na
igreja o encontravam em êxtase, com o rosto iluminado, o corpo elevado acima do
solo, e sustentando-se, por virtude divina, a uma grande altura.
Todas as vezes que administrava a sagrada
comunhão dobrava os joelhos e muitas vezes o viram comungar assim os fiéis, com
os joelhos dobrados, mas não tocando a terra; conservava-se em bastante
elevação acima do solo para que o prodígio não pudesse ser constatado por algum
dos assistentes; então o seu semblante irradiava uma luz deslumbrante. Este
duplo prodígio foi em Goa conhecido do público muitas vezes.
Compreende-se, por isso, o empenho que cada
um teria em assistir à missa do santo Padre, e a consolação que se gozava em
receber dele a sagrada comunhão; compreende-se a confiança e a veneração que
ele inspirava; a sua chegada era sempre uma festa; a sua partida causava sempre
dilacerante dor.
Um dia, viram-no aparecer à entrada duma rua
no momento em que todos fugiam da presença dum elefante demente e furioso
- Meu Deus! O santo Padre! Gritam de todos
os lados a uma voz: salvai o santo Padre! Padre Francisco! escondei-vos!... meu
Padre! santo Padre! ...
O elefante está já longe, o querido Padre é
cercado, inquirido, instado com ansiedade de corações assustados... E ele nada
compreende
- Como! Meu Padre, ele não vos fez nenhum
mal?
-Quem, meus filhos?
- O elefante
- O elefante? Eu não vi nenhum elefante!
- É isso possível? Que milagre, meu Padre?
Ele ia sobre vós, Antônio e Rafael corriam a salvar-vos, com risco de se
deixarem matar, quando ele se lançou entre vós e eles, e fugiu por ali...
- Eu não o vi e ele não me fez mal algum,
replicou o humilde Padre.
E acompanhou aquelas palavras com um tão
terno olhar que todos que cercavam diziam uns aos outros, quando ele se
afastava:
- Como o seu olhar de anjo nos agradecia os
nossos cuidados! Como se vê que este santo Padre sabe que nós o amamos!
No entanto, D. João de Castro, que viera
reunir-se ao nosso Santo em Goa, como se achava combinado, perigava cada dia de
saúde e preparava-se, sob a sua direção, para uma morte que previa muito
próxima.
Entregara a administração da província a um
dos seus ministros, D. Garcia de Sá, esperando a chegada de D. João de
Mascarenhas, o novo vice-rei, e não se ocupando mais do que dos seus interesses
espirituais, não recebia senão o Padre Xavier. Bem cedo lhe deu ele a
consolação de morrer nos seus braços com os sentimentos duma tão ardente fé e
tão inteira confiança em Deus, que Francisco Xavier dizia a propósito:
- Eu tive para consolação de ver morrer um
grande da terra como morrem os santos religiosos.
Livre, dali em diante, para deixar Goa, onde
o vice-rei já não o detinha, resolvera-se o ilustre apóstolo a embarcar para o
cabo Comorim, a fim de tornar a ver os seus queridos Paravás uma vez ainda
antes de partir para o Japão; mas a chegada de um navio português que conduzia
cinco missionários da sua Companhia, vindos da Europa, deteve-o.
Este reforço de obreiros evangélicos encheu
o seu coração de uma grande alegria, e fez-lhe adiar a viagem para as costas da
Pescaria.
Fez logo pregar o Padre Gaspar Barzeu, que
sabia que era célebre na Europa pela sua eloqüência, e de quem toda á
tripulação do navio em que viera fazia o mais completo elogio. Depois dele o
ter ouvido, destinou-o para o ponto que exigia maior talento.
A chegada dos Padres Ruão foi a única
alegria que consolou o nosso Santo.
Muitos fidalgos portugueses, passageiros do
navio que acabava de conduzir os missionários, profundamente impressionados
pelo exemplo de suas virtudes e pela eloqüente palavra do Padre Barzeu,
solicitaram de Xavier que os admitisse na Companhia de Jesus. O capitão do
navio e o governador de uma das mais importantes praças entravam no número dos
pretendentes.
O nosso Santo recebeu-os com afabilidade no
colégio; encarregou um dos Padres de instruí-los nos Exercícios espirituais de
Santo Inácio; deu graças a Deus por todas aquelas consolações, e embarcou em 2
de Setembro para o cabo Comorim.
Os cristãos das costas eram de contínuo,
perseguidos pelos Badegás; Francisco Xavier consolou-os, fortificou-os e animou
os missionários encarregados daquelas cristandades, que se viam também muitas
vezes expostos à morte.
Depois desta laboriosa digressão, voltou ao
mar a 22 de Outubro, com direção a Cochim, donde escreveu a Santo Inácio e ao
Padre Simão Rodrigues, pedindo-lhes instantemente que lhe enviassem obreiros
para cultivar as suas queridas e numerosas cristandades das Índias, que se multiplicavam
tão ràpidamente.
Escreveu também ao rei de Portugal
pedindo-lhe providências próprias para fazer cessar os tributos com que as
autoridades do Governo oprimiam os cristãos da Pescaria; e tendo conseguido que
o arcebispo de Goa enviasse D. João da Vila do Conde, seu vigário geral, a fim
de levar junto do trono as queixas da sua alma, redigiu a memória que devia ser
apresentada ao soberano e que a sua carta apoiava e recomendava à atenção do
monarca.
Adicionou também o nosso Santo, no mesmo
papel do memorial, recomendações e instruções dirigidas ao vigário geral,
relativas à missão que ele ia cumprir em Portugal [58].
Passou o santo apóstolo dois meses em
Cochim, trabalhando sem descanso, não tendo um só instante de repouso, passando
grande parte da noite em oração, e, como sempre, alimentando-se apenas com o
absolutamente necessário para viver. ]
[*De Cochim foi para Maçaim e pediu a D.
Garcia de Sá uma carta para o governador de Malaca, a fim de que ele lhe
facilitasse a viagem para o Japão; depois tornou a Goa, a dispor-se para a
mesma viagem pela qual tão ardentemente suspirava.
A cidade de Ormuz, habitada de gente de
todos os países e de todas as religiões, carecia de um missionário tão sábio
como virtuoso.
Xavier não mandava, de ordinário, os Padres
da Companhia senão para os lugares já evangelizados por ele próprio, e com
conhecimento das disposições e recursos para o bom êxito da religião; mas não
podendo ir a Ormuz, sem adiar para o ano seguinte a sua viagem para o Japão,
indicou o Padre Barzeu para aquela espinhosa missão, e associou-lhe o irmão
Ramon Pereira que não era ainda padre.
Mandou os Padres Lancilotti para Coulão,
Gonzáles para Baçaim, e Cipriano para Socotorá; finalmente nomeou Paulo
Camerini superior geral da Companhia nas Índias, na sua ausência, e Antônio Gomes
reitor do colégio de Goa.]
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