Trecho da Carta nº 16 sobre as Indulgências
AO PADRE INÁCIO DE LOYOLA (ROMA)
Goa, 20 de Setembro 1542
*** Xavier, que com seu zelo de Apóstolo, ver necessário que o Papa conceda Indulgencias Plenárias para os fies na Índia, escreve a Inacio de Loyola, superior dos Jesuitas, mas como sinal de humildade prefere atribuir como este pedido de Indulgências seja do Governador da Índia. De fato, como zelo de obediencia, Xavier antes de escrever esta petição deve ter se entendido com o Governador sobre esta intenção. É evidente que tão sublime pedido partiu do Padre Francisco Xavier. O Governador, mesmo devotado como fosse, tinha outros assuntos administrativos a intervir, de modo que este parte do intelecto de Xavier, mas ele não atribui a si tao grande beneficio espiritual.
"Diz
o senhor Governador*** que, os que hão-de vir, seria coisa santa e de muita estima
e causa de muito grande devoção, nestas partes, se para o altar-mor do colégio
trouxessem de Sua Santidade uma graça e privilégio: que todos aqueles que, no
dito altar, celebrassem Missa por um defunto, tirassem uma alma do purgatório,
tal como se, nos altares privilegiados de Roma, celebrassem9. Deseja muito o
senhor Governador, para que, em coisa tão santa, não intervenha avareza dos que
ali vierem a celebrar, que a concessão (*das Indulgências) fosse desta maneira: que, todos os que
dissessem Missa nesse altar (*do Colégio de Santa Fé), fosse gratis e por amor de Deus, sem nenhuma
esperança de prémio temporal, e que doutra forma não gozassem do privilégio; e
que, o que a manda dizer, se confesse e comungue naquela Missa, porque é muito
razoável que, quem é causa de que tirem uma alma do purgatório, tire a sua primeiro
do inferno. Porém, aos que disserem Missa no dito altar, grátis etc., que Sua
Santidade lhes concedesse algum prémio espiritual, ou indulgência plenária, ou
outra, qual Sua Santidade mandasse; e isto, para que os sacerdotes, por amor do
prémio espiritual, gostassem de dizer Missa grátis e por amor de Deus, sem
nenhuma esperança de prémio temporal. Desta maneira diz Sua Senhoria (*o Governador da India) que deseja
muito esta graça neste colégio, porque desta maneira seria causa de muita
devoção, e estimar-se-ia, como é muita razão. Por esta e outras graças
espirituais que manda pedir, podeis julgar o ânimo e zelo que tem, pois tão bem
sente de coisas tão santas e pias e assim as procura.
Qualidades dos da Companhia que tenham de vir para Índia: selectos, de
boa saúde e de idade não avançada; variedade de ministérios que os esperam
5. Certo estou
de que, os que hão-de vir da nossa Companhia, hão-de ser pessoa ou pessoas em
quem vós muito confieis, pois hão de ter cargo de um tal colégio como este. Hão
de passar muitos trabalhos, pois os desta terra são grandes, tanto ela debilita
os que não são criados nela. Pensai numa coisa: que tanto o mar como a terra os
hão-de provar para quanto são. Não é esta terra senão para homens de grande compleição
e não de muita idade**. Mais é para mancebos que para velhos, embora para velhos
saudáveis seja boa. Com muita caridade e amor da gente desta terra serão
recebidos os que da nossa Companhia vierem. Hão-de ser muito importunados para
muitas confissões, Exercícios Espirituais e pregações. Pensai que encontrarão
muita messe10. Há já mais de sessenta rapazes, naturais da terra, dos quais
está encarregado um Padre Reverendo11. Estes, neste Verão, irão habitar no
colégio. Entre eles, há muitos, e quase todos, que sabem ler e rezar o ofício
e, muitos deles, escrever. Estão já capazes de estudar gramática. Esta
informação vos dou, para que daí provejais quem aqui se ocupe só em ensinar
gramática, que terá muita ocupação.
**Nota: Esta frase de Xavier "Não é esta terra senão para homens de grande compleição e não de muita idade" confirmou-se. De fato, Xavier morreu de exaustão, fatigado dos imensos trabalhos que empreendeu pelo nome de Cristo. Ele quis dizer que haveria muito o que fazer e para isso precisaria de vigor físico, de fato, o dele esgotou-se quando tinha somente 46 anos de idade. De fato, a idade seria o principal obstáculo para "continuar dando conta" de tamanhos trabalhos.
Acima de tudo há necessidade de um pregador para os fiéis, missionários
para os infiéis e professores para o colégio. Privilégios e indulgências a
pedir à Santa Sé, devidamente confirmadas por Bulas
6. Dos que
hão-de vir, deseja o senhor Governador que, entre eles, viesse algum pregador,
o qual se ocupasse com os clérigos em Exercícios Espirituais, ou em ler-lhes
alguma coisa da Sagrada Escritura ou de matéria de sacramentos, porque os
clérigos que vêm para a Índia não são todos letrados12; e [que] juntamente com
isto, pondo por obra o que lhes lesse e ensinasse, os movesse e inflamasse no
amor de Deus e salvação dos próximos, ao verem-no pôr em execução o que lhes
lesse, pois as obras é que movem mais que as palavras. E os outros se ocupassem
em confissões, em ministrar sacramentos e conversar com os gentios desta ilha,
porque haveriam de converter muitos, e fazer infinito fruto nas almas dadas à
idolatria: que muitas delas, por não saberem quem as ajude a sair de tanta
ignorância, chegam a tanta infidelidade por não conhecer o seu Criador e
Senhor. Espera o senhor Governador que de Roma hão-de vir três clérigos e um
mestre de gramática, porque assim me parece que escreve ao Rei: para que Sua
Alteza escreva a Sua Santidade pedindo-lhe quatro da nossa Companhia, e também
acerca das nossas indulgências, de que na outra carta vos escrevo13, para que o
Rei proveja em Roma para que se despachem. Se as trouxerem os que da nossa
Companhia vierem, tende a certeza que terão ganho as vontades de todos os
portugueses que há na Índia, além de muita autoridade e crédito com todos eles,
o que é grande parte para imprimir nas suas almas todas as coisas espirituais.
Entre todas as nações que tenho visto, creio que a portuguesa leva vantagem a
todas, em estimar as graças ou indulgências de Roma. A concessão destas graças
será causa de que muitos mais se acerquem dos sacramentos e, tanto por esta
razão como por serem os portugueses muito obedientes, virá a conceder-lhes as
indulgências que esperam. Todas as graças que daí trouxerem os da nossa Companhia,
hão-de trazê-las muito autorizadas por Bulas de Sua Santidade, para maior
autoridade e maior aumento de devoção.
Pede a Inácio que escreva ao Governador e lhe consiga algumas graças da
Santa Sé
7. O senhor
Governador, pelo que creio, também vos escreve. Embora não vos conheça de
vista, é muito vosso devoto e de todos os da Companhia. Não deixeis de
escrever-lhe e mandar-lhe um par de rosários de contas, um para sua mulher14 e
outro para ele, com todas as graças, indulgências, que de Sua Santidade
puderdes alcançar: há-de os muito estimar, tanto pelas graças, indulgências,
que Sua Santidade lhe há-de conceder, como por enviar-lhas vós. Mais vos pede o
senhor Governador e é que, pela muita confiança que em vós tem, lhe alcanceis
esta graça e privilégio de Sua Santidade: que todas as vezes que se confessar
ele e sua mulher, filhos e filhas15, lhes conceda Sua Santidade aquelas
indulgências que ganhariam, se todas as sete igrejas de Roma em pessoa
visitassem. Nisto receberia o senhor Governador grande caridade de vós; e
pensaria, de mim, que algum crédito tenho convosco, se, por escrever-vos eu da
sua parte, alcançardes de Sua Santidade estas graças e as outras. Assim acabo,
rogando a Cristo Nosso Senhor, pois por sua infinita misericórdia nos juntou
nesta vida, que depois da morte nos leve à sua santíssima glória.
De Goa, a 20
de Setembro, ano 1542
Vosso filho em
Cristo, FRANCISCO DE XABIER
Notas:_______________________
7 A Irmandade da Santa Fé foi fundada em 1541, na igreja de Nossa Senhora da Luz. A sua sede, naquela altura, era aí, na capela da Conversão de S. Paulo, seu padroeiro, e a ele foi dedicada também a futura igreja do colégio.
8 O nome da confraria era: «Irmandade da conversão à Fé». Daí o chamarem também ao colégio «da Santa Fé» .
Sobre esse pedido de Xavier:
9 O altar privilegiado, com indulgência plenária em favor dos defuntos, foi concedido em 1549.
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