A morte de São Francisco Xavier
Por Georg Schurhammer, SJ. (biógrafo)
O grande missionário compreendeu que, para converter o Oriente, era indispensável começar pela China. Uma carta dos prisioneiros portugueses nos terríveis cárceres de Cantão/Guangzhou animou-o a preparar um plano de entrada no impenetrável continente chinês, como embaixador do rei de Portugal. Mas, em Malaca, o capitão Álvaro de Ataíde, almirante dos mares do Oriente, opõe-se à expedição à China. Mudado o plano inicial, o missionário não desiste: “Vou às ilhas de Cantão, desamparado de todo favor humano, na esperança de que algum gentio me levará à terra firme da China”. 
A ilha de Sancião/Shagchuan, a 10 km da costa chinesa, era ponto de encontro dos mercadores chineses e dos contrabandistas portugueses. Ali chegou o Padre Mestre Francisco Xavier, em agosto de 1552, tendo saído de Cingapura, no dia 23 de julho do mesmo ano. Viajou no navio “Santa Cruz”, do seu amigo Diogo Pereira. Com ele iam o estudante jesuíta Álvaro Ferreira, o intérprete chinês Antônio de Santa Fé (também chamado Antonio China) e o criado Cristóvão, indiano de Goa..
A travessia, com vento favorável, transcorreu sem incidentes. No entanto, no navio, havia muitos enfermos, entre os quais Álvaro Ferreira e Antônio China. Como de costume, Xavier cuidava de todos os doentes, “assim cristãos como mouros”; repartia com eles a maior parte da comida que lhe davam.
Em Sancião, encontrou Xavier vários navios portugueses, ancorados. Na praia, havia cabanas de palha, habitação provisória dos comerciantes portugueses, que costumavam queimá-las, ao acabarem seu comércio clandestino com os mercadores de Cantão. Jorge Álvares acolheu amigavelmente Xavier e seus companheiros.
Em dois dias, os portugueses construíram uma pequena igreja de palha, sobre a colina. A partir do domingo, 4 de setembro, Xavier celebrará missa todos os dias, ensinando a doutrina cristã às crianças e aos escravos dos portugueses, ouvindo confissões e batizando os filhos de escravas e até de marinheiros mouros. O resto do tempo gastava-o em rezar, visitar doentes, enterrar os mortos, reconciliar os inimizados e recolher esmolas para os pobres.
Enquanto se ocupava nestas atividades, habituais nos primeiros jesuítas, o Padre Francisco Xavier buscava a maneira de entrar na China, cujas montanhas divisava a três léguas de distância. Por meio de Jorge Alvares e outros amigos portugueses, Xavier entrou em contato com comerciantes chineses de Cantão, que trocavam seus tecidos de seda e objetos de porcelana pela pimenta e demais especiarias dos portugueses. 
Os chineses eram educados, inteligentes e “amigos de novidades”. Admiravam os conhecimentos do Padre e também sua vida exemplar. Conversavam com ele, através de intérprete, a respeito do universo, dos fenômenos da natureza e de questões filosóficas. Mas ninguém se dispunha a leva-lo até Cantão, pois quem o fizesse colocaria em risco a própria vida.
Os portugueses tentaram afastar Xavier do seu projeto de entrar na China. Mas ele se manteve firme. Estando com esta determinação, pegou uma gripe, com febre, dor de cabeça e calafrios. Continuou a celebrar a missa, mas interrompeu o ensino da doutrina, até que um purgante que lhe deram os portugueses pareceu devolver-lhe a saúde. Retomou sua costumeira atividade apostólica e suas conversas com os chineses.
Finalmente, um chinês concordou em levar o Padre a Cantão, em troca de 24 quintais de pimenta. Os perigos que Xavier e seus companheiros iriam enfrentar eram muitos: depois de receber a pimenta, o chinês poderia abandona-los em qualquer ilha ou joga-los no mar; mesmo chegando a Cantão, os “diabos estrangeiros” poderiam ser presos, torturados e mortos nos cárceres da cidade.
Para Xavier, porém, era maior ainda o perigo de deixar de esperar e confiar na misericórdia de Deus, por cujo amor e serviço queria entrar na China. Em carta a um companheiro de Malaca, o Padre lembra os textos bíblicos que o confirmam na sua confiança no Senhor: “Quem ama sua vida vai perdê-la, e quem despreza sua vida neste mundo, vai conservá-la para a vida eterna” (Jô 12,25). “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não serve para o Reino de Deus” (Lc 9,62). “Se Deus está a nosso favor, quem será contra nós?” (Rm 8,31). Xavier conclui: “Daqui não sei que mais lhe dizer, senão que estamos mui determinados a ir a China” (Sancião, 22 de outubro de 1552).
No entanto, as coisas não aconteceram como Xavier esperava. Álvaro Ferreira perdeu a coragem, por medo aos cárceres chineses. O Padre não teve dúvida em despedi-lo da Companhia. Ao Reitor de Goa, Xavier lhe escreve: “Encomendo-vos que recebais muito poucos na Companhia; e os que já foram recebidos passem por muitas experiências, porque me temo que a alguns seria melhor despedi-los, assim como eu fiz com Álvaro Ferreira, porque não é para a Companhia” (Sancião, 13 de novembro de 1552).
No dia 13 de novembro, os portugueses queimaram suas cabanas e saíram de Sancião, levando as últimas cartas do Padre Francisco Xavier. Jorge Alvares saiu sem despedir-se de Xavier. Este, que tinha o dom de profecia, disse: “Não sairá de Malaca, pois vai morrer lá”. Com efeito, Alvares morreu assassinado, em Malaca. Mas é possível que uma das causas da pleurisia que lhe custaria a vida a Xavier fosse o desgosto que lhe causou a saída apressada do amigo.
O chinês que deveria leva-los a Cantão não acabava de chegar, mesmo tendo Xavier aumentado a quantia de pimenta que lhe entregaria. O missionário ficou sozinho, com o indiano Cristóvão e o chinês Antônio, que não servia de intérprete por ter esquecido a língua. No dia 21 de novembro, o Padre caiu doente. Não tendo mais recurso em terra, foi levado à nave “Santa Cruz”, ancorada na baia. No barco não comeu nem bebeu nada e o balanço das águas aumentou o estado febril do doente. Regressou a terra com muita febre, umas calças que lhe deram para o frio e algumas amêndoas.
Seguindo a medicina da época, Xavier foi tratado com sangrias e purgas. Consciente da proximidade da morte, mandou a Antônio que levasse ao navio os poucos objetos que possuía: escritos, livros, roupas e imagens. Delirando, falou em uma língua desconhecida de Antônio (talvez a língua natal, o basco), intercalando versículos dos salmos em latim.
No dia 26 de novembro, perdeu a fala e não reconhecia ninguém. Recobrou a fala no dia 1º de dezembro, nomeando em voz alta a Ssma. Trindade e repetindo muitas vezes a invocação: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!”.
No dia seguinte, reconheceu o indiano Cristóvão e lhe disse em português: “Ai, triste de ti, triste de ti, triste de ti”. Seis meses depois, Cristóvão morreria em Malaca, em meio a uma vida dissoluta. Sentindo Antônio China que o Padre morria, ficou com ele naquela noite. Depois, ele contou que o moribundo olhava sempre um crucifixo “e com o nome de Jesus na boca, entregou sua alma e espírito nas mãos de seu Criador e Senhor, com grande repouso e quietude”.
Segundo o relato do chinês, Francisco Xavier “faleceu um sábado, antes do amanhecer, aos 3 de dezembro do ano de 1552, na ilha e porto de Sancião, em uma casa de palha, alheia, dez anos depois de ter vindo a estas partes da Índia”. As últimas palavras foram: In te Domine speravi, non confundar in aeternum (“Em ti, Senhor, esperei. Não me confundas para sempre”).
Itália, afresco de Andrea Pozzo na igreja de Santo Inacio de Roma, retratando xavier |
A travessia, com vento favorável, transcorreu sem incidentes. No entanto, no navio, havia muitos enfermos, entre os quais Álvaro Ferreira e Antônio China. Como de costume, Xavier cuidava de todos os doentes, “assim cristãos como mouros”; repartia com eles a maior parte da comida que lhe davam.
Em Sancião, encontrou Xavier vários navios portugueses, ancorados. Na praia, havia cabanas de palha, habitação provisória dos comerciantes portugueses, que costumavam queimá-las, ao acabarem seu comércio clandestino com os mercadores de Cantão. Jorge Álvares acolheu amigavelmente Xavier e seus companheiros.
Em dois dias, os portugueses construíram uma pequena igreja de palha, sobre a colina. A partir do domingo, 4 de setembro, Xavier celebrará missa todos os dias, ensinando a doutrina cristã às crianças e aos escravos dos portugueses, ouvindo confissões e batizando os filhos de escravas e até de marinheiros mouros. O resto do tempo gastava-o em rezar, visitar doentes, enterrar os mortos, reconciliar os inimizados e recolher esmolas para os pobres.
Enquanto se ocupava nestas atividades, habituais nos primeiros jesuítas, o Padre Francisco Xavier buscava a maneira de entrar na China, cujas montanhas divisava a três léguas de distância. Por meio de Jorge Alvares e outros amigos portugueses, Xavier entrou em contato com comerciantes chineses de Cantão, que trocavam seus tecidos de seda e objetos de porcelana pela pimenta e demais especiarias dos portugueses. 
Os chineses eram educados, inteligentes e “amigos de novidades”. Admiravam os conhecimentos do Padre e também sua vida exemplar. Conversavam com ele, através de intérprete, a respeito do universo, dos fenômenos da natureza e de questões filosóficas. Mas ninguém se dispunha a leva-lo até Cantão, pois quem o fizesse colocaria em risco a própria vida.
Os portugueses tentaram afastar Xavier do seu projeto de entrar na China. Mas ele se manteve firme. Estando com esta determinação, pegou uma gripe, com febre, dor de cabeça e calafrios. Continuou a celebrar a missa, mas interrompeu o ensino da doutrina, até que um purgante que lhe deram os portugueses pareceu devolver-lhe a saúde. Retomou sua costumeira atividade apostólica e suas conversas com os chineses.
Finalmente, um chinês concordou em levar o Padre a Cantão, em troca de 24 quintais de pimenta. Os perigos que Xavier e seus companheiros iriam enfrentar eram muitos: depois de receber a pimenta, o chinês poderia abandona-los em qualquer ilha ou joga-los no mar; mesmo chegando a Cantão, os “diabos estrangeiros” poderiam ser presos, torturados e mortos nos cárceres da cidade.
Para Xavier, porém, era maior ainda o perigo de deixar de esperar e confiar na misericórdia de Deus, por cujo amor e serviço queria entrar na China. Em carta a um companheiro de Malaca, o Padre lembra os textos bíblicos que o confirmam na sua confiança no Senhor: “Quem ama sua vida vai perdê-la, e quem despreza sua vida neste mundo, vai conservá-la para a vida eterna” (Jô 12,25). “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não serve para o Reino de Deus” (Lc 9,62). “Se Deus está a nosso favor, quem será contra nós?” (Rm 8,31). Xavier conclui: “Daqui não sei que mais lhe dizer, senão que estamos mui determinados a ir a China” (Sancião, 22 de outubro de 1552).
No entanto, as coisas não aconteceram como Xavier esperava. Álvaro Ferreira perdeu a coragem, por medo aos cárceres chineses. O Padre não teve dúvida em despedi-lo da Companhia. Ao Reitor de Goa, Xavier lhe escreve: “Encomendo-vos que recebais muito poucos na Companhia; e os que já foram recebidos passem por muitas experiências, porque me temo que a alguns seria melhor despedi-los, assim como eu fiz com Álvaro Ferreira, porque não é para a Companhia” (Sancião, 13 de novembro de 1552).
No dia 13 de novembro, os portugueses queimaram suas cabanas e saíram de Sancião, levando as últimas cartas do Padre Francisco Xavier. Jorge Alvares saiu sem despedir-se de Xavier. Este, que tinha o dom de profecia, disse: “Não sairá de Malaca, pois vai morrer lá”. Com efeito, Alvares morreu assassinado, em Malaca. Mas é possível que uma das causas da pleurisia que lhe custaria a vida a Xavier fosse o desgosto que lhe causou a saída apressada do amigo.
O chinês que deveria leva-los a Cantão não acabava de chegar, mesmo tendo Xavier aumentado a quantia de pimenta que lhe entregaria. O missionário ficou sozinho, com o indiano Cristóvão e o chinês Antônio, que não servia de intérprete por ter esquecido a língua. No dia 21 de novembro, o Padre caiu doente. Não tendo mais recurso em terra, foi levado à nave “Santa Cruz”, ancorada na baia. No barco não comeu nem bebeu nada e o balanço das águas aumentou o estado febril do doente. Regressou a terra com muita febre, umas calças que lhe deram para o frio e algumas amêndoas.
Seguindo a medicina da época, Xavier foi tratado com sangrias e purgas. Consciente da proximidade da morte, mandou a Antônio que levasse ao navio os poucos objetos que possuía: escritos, livros, roupas e imagens. Delirando, falou em uma língua desconhecida de Antônio (talvez a língua natal, o basco), intercalando versículos dos salmos em latim.
No dia 26 de novembro, perdeu a fala e não reconhecia ninguém. Recobrou a fala no dia 1º de dezembro, nomeando em voz alta a Ssma. Trindade e repetindo muitas vezes a invocação: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!”.
No dia seguinte, reconheceu o indiano Cristóvão e lhe disse em português: “Ai, triste de ti, triste de ti, triste de ti”. Seis meses depois, Cristóvão morreria em Malaca, em meio a uma vida dissoluta. Sentindo Antônio China que o Padre morria, ficou com ele naquela noite. Depois, ele contou que o moribundo olhava sempre um crucifixo “e com o nome de Jesus na boca, entregou sua alma e espírito nas mãos de seu Criador e Senhor, com grande repouso e quietude”.
Segundo o relato do chinês, Francisco Xavier “faleceu um sábado, antes do amanhecer, aos 3 de dezembro do ano de 1552, na ilha e porto de Sancião, em uma casa de palha, alheia, dez anos depois de ter vindo a estas partes da Índia”. As últimas palavras foram: In te Domine speravi, non confundar in aeternum (“Em ti, Senhor, esperei. Não me confundas para sempre”).
India, afresco que decora uma das paredes da paróquia São Pedro, em Bombay e que representa a agonia de Xavier na ilha de Sancián |
O corpo de Xavier foi metido e uma arca com cal e enterrado naquela ilha inóspita. Depois, os portugueses o levaram a Malaca e Goa, onde, até hoje é objeto de veneração. O povo o conhecia, simplesmente, como “o Padre santo”. A Igreja reconheceu, oficialmente, sua santidade e o declarou Padroeiro do Oriente e das missões. João Paulo II o chamou “príncipe dos missionários”. 
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