Retornando do Japão, pouco
tempo se deteve o Pe. Francisco na Índia. Apenas o suficiente para atender as
necessidades da Companhia de Jesus nessas terras e preparar a tão desejada
viagem à China.
Um dedicado amigo do
infatigável missionário, chamado Diogo Pereira, empregou toda a sua fortuna
fretando um navio, carregando-o com esplêndidos presentes para o imperador da
China e adquirindo magníficos paramentos de seda e de damasco, e todo tipo de
ricos ornamentos para celebrar a Santa Missa com toda a pompa, de modo a dar
aos chineses noção da grandeza da verdadeira religião que lhes seria anunciada.
Antes de viajar, o Santo
escreveu ao Rei de Portugal, em abril de 1552: "Parto daqui a cinco dias
para Malaca, que é o caminho da China, para ir dali, em companhia de Diogo
Pereira, à corte do imperador da China. Levamos ricos presentes comprados por
Diogo Pereira.
E da parte de Vossa Alteza levo
um que nunca foi enviado por nenhum rei nem senhor a esse imperador: a Lei
verdadeira de Jesus Cristo nosso Redentor e Senhor". Assim, no dia 17 de
abril de 1552, embarcou na nave Santa Cruz para conquistar o império de seus
sonhos
"Desamparado de todo humano favor"
No entanto, poucos dias de
navegação haviam transcorrido, quando desencadeou- se terrível tempestade. A
tripulação do navio, espantada com a violência dos elementos e tendo perdido
qualquer esperança de salvação, pedia com grandes clamores o sacramento da
Penitência. Francisco Xavier, imperturbável, recolheu-se em profunda oração. E
imediatamente - assim como outrora à voz do Divino Salvador as águas do Lago de
Genezaré haviam- se acalmado - o vento cessou de soprar e as ondas tornaram-se
suaves e calmas pela fé e pelas preces desse humilde conquistador de impérios.
Mas a partir deste momento, não
cessaram os infernos de levantar obstáculos e contrariar a viagem. "Tende
por certo e não duvideis que de modo algum quer o demônio que os da Companhia
do nome de Jesus entrem na China" - escreveu ele em novembro de 1552 aos
padres Francisco Pérez e Gaspar Barzeo.
Chegando à cidade de Malaca,
última escala antes de penetrar em águas chinesas, inopinadamente, o capitão
português desse porto - que, aliás, devia seu cargo aos bons ofícios e
recomendações de Francisco - impediu a continuação da viagem, alegando que só a
ele caberia o comando de uma expedição à China...
Tendo sido inúteis todas as
súplicas e rogos, empregou Francisco Xavier um último recurso: apresentou a
bula papal que o nomeava legado pontifício, a qual até então nunca havia
utilizado, e exigiu a plena liberdade de viajar à China em nome do Papa e do
Rei de Portugal.
Além disso, anunciou ao
obstinado capitão que incorreria em excomunhão se continuasse a impedir a
partida do navio. Sem embargo, também isso foi inútil. A ambição e a cobiça
desse infeliz levaram-no ao extremo de insultar e maltratar aquele peregrino da
glória de Deus.
Finalmente, após várias semanas
de espera, a nave Santa Cruz pôde singrar as águas em direção à China, mas sob
o comando de homens nomeados pelo capitão português, o qual morreu pouco tempo
depois, excomungado e corroído pela lepra.
Com o coração partido,
Francisco revelou ao Pe. Gaspar Barzeo em julho de 1552: "Não podereis
acreditar quanto fui perseguido em Malaca. Vou para as ilhas de Cantão, no império
da China, desamparado de todo humano favor".
À espera do barco, olhando sem cessar para a meta.
Sancião era o nome dado pelos
portugueses à inóspita ilha de Shangchuan, situada a 180 quilômetros da
cidade de Cantão. Nessa ilha, onde os navios europeus costumavam aportar para
comerciar com os chineses, desembarcou o santo missionário em outubro de 1552.
Esforçaram-se ali os
portugueses por encontrar, entre os numerosos mercadores chineses, algum que se
prontificasse a levá-lo a Cantão. Todos, porém, se escusavam, pois isso era
vedado pelas leis imperiais, e os transgressores expunham- se a perder todos os
haveres e até a própria vida. Por fim, um deles, decidido a correr o risco, se
dispôs a transportar São Francisco numa pequena embarcação, mediante o
pagamento de 200 cruzados.
"Os perigos que corremos
neste empreendimento são dois, segundo a gente da terra: o primeiro é que o
homem que nos leve, depois de receber os duzentos cruzados, nos abandone numa
ilha deserta ou nos jogue no mar; o segundo é que, chegando a Cantão, o
governador nos mande para o suplício ou para o cativeiro" - escreveu Xavier
ao Pe. Francisco Pérez.
Esses perigos, porém, o
infatigável apóstolo não os temia, pois seguro estava de que "sem a
permissão de Deus, os demônios e seus asseclas nada podem contra nós".
Acompanhado
de apenas dois auxiliares, um indiano e um chinês, ficou na Ilha de Sancião à
espera do retorno do comerciante que se comprometera a transportá-lo. Celebrava
diariamente ali o Santo Sacrifício do Altar, olhando sem cessar para o
continente pelo qual com tanto ardor suspirava. Mas os dias e as semanas se
passaram, e em vão aguardou Francisco a volta do chinês: este infelizmente
nunca retornou.
As forças físicas do ardoroso
missionário chegaram então ao termo. Uma altíssima febre o obrigou a recolher-
se em sua improvisada cabana, onde, desamparado dos homens e padecendo frio,
fome e toda classe de privações, deveria passar os últimos dias de sua heróica
existência nesta terra de exílio.
Àquele varão que não conhecera
o cansaço, àquele apóstolo que com sua palavra arrastava multidões, àquele
taumaturgo que havia ultrapassado grandes obstáculos operando milagres
portentosos, o Senhor do Céu e da Terra reservava a mais heróica e gloriosa das
mortes: a exemplo de seu Mestre Divino, Francisco Xavier morreria no auge do
abandono e da aparente contradição.
Alguns dias antes de entregar
seu espírito, entrou em delírio, revelando então a magnitude do holocausto que
a Providência lhe pedia: falava continuamente da China, de seu veemente desejo
de converter esse império e da glória que adviria para Deus se esse povo fosse
atraído para a Santa Igreja Católica...
E nas primeiras horas da
madrugada de 3 de dezembro de 1552, Francisco Xavier expirou docemente no
Senhor, sem uma queixa ou reclamação, divisando ao longe aquela China que não
conseguira conquistar e que tanto havia desejado depositar aos pés de seu Rei,
Nosso Senhor Jesus Cristo.
Suas derradeiras palavras foram
estas frases de um cântico de glória: In te, Domine, speravi. Non confundar in
aeternum. Em Vós espero, Senhor. Não me abandoneis para sempre!
À primeira vista, sobretudo
para quem não tem seu olhar habituado a contemplar os horizontes infindos da
Fé, a vida de São Francisco Xavier parece, em certo sentido, frustrada.
De Francisco Deus não queria a
conversão da China, mas queria a sua alma. (Morte
de São Francisco, Igreja de São Pedro, Lima)
Quantas almas não se teriam
salvo e quanta glória não haveria recebido a Santa Igreja se o imenso e super
povoado império chinês houvesse sido evangelizado por este apóstolo de fogo!
Entretanto, quando se encontrava ele, finalmente, às portas desta nação, depois
de haver passado por dificuldades e combates de toda ordem, o chamado de Deus
se fez ouvir: "Francisco, meu filho, cessa tua luta e vem a Mim!" Oh!
mistério do Amor Infinito! De Francisco, Deus não queria a China... mas queria
Francisco.
E o intrépido conquistador
respondeu, sem hesitar, como Jesus no Horto das Oliveiras: "Senhor,
faça-se a vossa vontade e não a minha. Sim, Redentor meu, cumpram-se, antes de
mais nada e sobre todas as coisas, vossos perfeitíssimos desígnios e assim, e
só assim, Vos será dada a eternidade!" maior glória nesta terra e por toda
a eternidade.
Soprava com persistência o frio
vento do norte e as ondas do oceano rompiam cada vez mais violentas naquela
praia que parecia deserta. O céu, coberto de plúmbeas nuvens, escurecia
rapidamente, prenunciando longa e tormentosa noite.
Não muito longe da beira do
mar, elevava-se uma mísera cabana, feita com algumas pranchas de madeira
carcomida, cuja cobertura de palha seca era agitada pelo vento glacial. Dentro
dela, estendido sobre uma esteira, um homem agonizava. Seu corpo exangue ardia consumido pela febre, mas seu olhar
profundo e vivo espelhava um espírito de fogo, refletia a eternidade... Morria
o Apóstolo do Oriente, Francisco Xavier.
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