SÃO FRANCISCO XAVIER
MISSIONÁRIO do REINO
PREFÁCIO
Estamos no seminário diocesano de Parma, no ano de 1879. Um jovem
seminarista, de apenas 14 anos, ganha o concurso de melhor aluno de catequese. Seu
nome é Guido Maria Conforti. E o troféu é um livro que irá influenciar toda a sua
vida. Trata-se da biografia de São Francisco Xavier, apóstolos do Oriente.
Guido, em primeiro lugar, vai folheando o livro, apreciando as figuras que o
ilustram os feitos do Missionário. Depois começa a ler com crescente curiosidade.
A figura de Francisco Xavier, que deixara a pátria, os amigos e uma promissora
carreira profissional para ir às longínquas Índias, agiganta-se diante dele. Guido vê
Francisco descalço percorrendo as regiões ensolaradas da Índia meridional, pregando
aos “pobres infiéis”, segurando na mão direita o Crucifixo e na outra mão o terço. Vê
as multidões se ajoelharem a seus pés, enquanto ele batiza, batiza.... até o braço cairlhe
inerte de cansaço. Depois lhe ouve o apelo amargurado: “Gostaria de ir às
Universidades da Europa e gritar a plenos pulmões, como um louco, que muitas
almas vão para o inferno, porque não há quem lhes pregue a Boa nova do
Evangelho”.
O jovem Guido tem a impressão de ver o Santo enquanto opera milagres, cura
uma mulher moribunda, chama à vida um afogado e entrega às crianças indianas um
terço ou uma garrafa de água benta; e esta saem e rezam em altas vozes sobre os
enfermos, tocam neles com o terço e ficam curados.
Vê Francisco na ilha do Mouro, entre os canibais, pregar sem medo e amansar
aqueles homens. O vê em alto mar dirigindo-se ao Japão e finalmente navegar para a
China, aportar numa ilha deserta, Sanciano, e lá esperar alguém que o leve ao
Império Chinês, onde milhões e milhões de almas esperam a salvação que só Cristo
pode oferecer.
Mas também o vê definhar numa cabana aberta a todos os ventos e morrer com
as mãos estendidas para a China que não pudera converter.
O coração do jovem Guido bate forte. Pensando aos milhões de “infiéis”
chineses, que não tiveram a sorte de ser batizados por São Francisco Xavier, nasce em
seu coração o desejo de realizar o sonho do seu herói. Não poderia ele receber a
herança e levar avante o seu ideal? Ele, Guido, não poderia ser o continuador de
Xavier na grande façanha?
Dezesseis anos mais tarde, em 1895, sob a inspiração do Xavier, Guido Confori
dá início à família Xaveriana, que nasce com o desejo de continuar a obra do grande
Missionário: evangelizar a China e o mundo, para fazer de todos os povos uma
só família.
Mas vamos conhecer esse maravilhoso apóstolo do Oriente, padroeiro das
Missões, exemplo e inspirador de tantos missionários.
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1. O CASTELO DE XAVIER
Entre a Espanha e a França existe uma fronteira natural formada palas altas
montanhas dos Pirineus, sempre cobertas de branca neve. Uma velha estrada romana
juntava o Reino espanhol de Aragão, cruzando o país de Navarra e levando até as
terras da França.
O majestoso e severo castelo de Xavier guardava a única estrada que levava ao
país Basco. O dono do castelo era o senhor Juan de Jasso, rico proprietário rural e um
dos mais influentes nobres da região. Sua esposa, dona Maria de Azpilcueta y Xavier,
de linhagem real, tinha-lhe dado vários filhos.
O filho mais novo foi Francisco, que nasceu em 07 de abril de 1506, no castelo
de Xavier, lá no norte da Espanha, em Navarra. Sua mãe preocupou-se com a
formação cristã deste menino, enquanto os irmãos mais velhos estavam a serviço de
nobres e reis, participando em sangrentas batalhas. Francisco, inteligente e meigo, foi
crescendo com outros sonhos e preferiu consagrar-se aos estudos.
2. O CRUCIFIXO DO CASTELO
No castelo de Xavier havia uma capela, onde a família e os empregados
encontravam-se para rezar e escutar a Palavra de Deus. Nesta capela ainda existe um
grande Crucifixo, que tanto atraia a atenção do menino Francisco. Ele se ajoelhava
diante do Crucifixo, fixando os olhos estáticos naquela figura sofrida.
O grande Crucifixo ornamenta o vetusto castelo há mais de 300 anos. O castelo
ergue-se sobre uma rocha escarpada, acessível apenas de um lado.
Os ensinamentos da mãe e a história da sua família vão imprimindo-se no
coração de menino como paredes construídas sobre a rocha firme.
Seus irmãos estão combatendo e conquistando a glória em Pamplona,
derramando o sangue dos inimigos. Francisco não tem gosto pelas armas. Embora
menino, compreende que não é com a força da espada que se conquista o mundo.
Prefere conquistá-lo com a força das idéias. Desde pequeno, dedica-se ao estudo.
Passa pelas escolas de Navarra, ao norte da Espanha, conseguindo atestados
brilhantes.
De vez em quando, o menino volta a contemplar o Crucifixo. A mãe explica-lhe
que o Crucificado morreu pelos outros. Não recuou diante do seu ideal, nem mesmo
com as mãos e os pés cravados na cruz. Francisco olha e gostaria de penetrar nos
olhos semi-cerrados daquele Crucificado.
No silencio da capela sombria, perdida entre intermináveis corredores e vastos
salões, Francisco vai perguntando em seu coração: “Afinal, quem és tu? Que queres
de mim?”
Não é aqui que nasce a vocação de Francisco, mas já sente que algo de
extraordinário aquele Homem Crucificado está pedindo dele.
3. FRANCISCO ADOLESCENTE
Já deu para perceber que a família de Francisco é abastada. Não são os pobres
que vivem num castelo. Mas as mordomias não duram muito tempo.
Quando Francisco chega a seis anos, começa a guerra entre Navarra e Espanha.
A França estimulara a guerra civil, porque isso favorece seus interesses. A divisão é
tão grande, que na própria família de Xavier há gente de ambas as partes.
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Nos longos anos de batalhas, muitos castelos são destruídos, diversas vilas são
arrasadas e muitas terras acabam confiscadas. O próprio castelo de Xavier é
parcialmente destruído e a família fica arruinada.
Em 1520, os franceses e navarrenses atacam Pamplona, a mais importante
cidade da região. Na defesa da cidade está um nobre jovem basco, Inácio de Loyola.
Na batalha é atingido por um projétil de pedra, que acaba com todos os seus sonhos
de glória e o deixa coxo pelo resto de sua vida. Será ele o instrumento nas mãos de
Deus para mudar completamente o rumo da vida de Francisco Xavier.
Dois irmãos de Francisco estão do lado vencedor. Nesse período está
amadurecendo a adolescência de Francisco que cresce forte, ágil, inteligente, educado
na simplicidade e na profunda fé de sua mãe.
Quando a paz volta a reinar, a família Xavier começa a lutar para restaurar a
perdida prosperidade e prestígio. Os bons tempos têm de voltar! E Francisco, capaz e
dotado de uma capacidade particular de fascinar as pessoas, escolhe os estudos na
mais célebre escola superior da Europa d e seu tempo: a Universidade de Paris. Ele
sonha de reconstruir a sociedade não com as armas, o ódio e o sangue, mas com a
ciência, a cultura e a fraternidade.
4. ESTUDANTE EM PARIS
Antes de completar vinte anos, Francisco deixa a família e o castelo em ruínas, e
alcança Paris, onde entra a fazer parte do maior centro cultural da Europa do século
XVI. Aqui se achegam esperançosos jovens de todos os recantos, para se aprimorar
nos estudos e tornarem-se professores famosos.
Bom atleta, vencedor de competições na Universidade, bom companheiro, de
família nobre, e estudioso, Francisco não encontra dificuldade entre os novos colegas
universitários. Falta-lhe dinheiro, sem dúvida. Mas não lhe é difícil encontrar alunos
precisando de aula de reforço.
Apesar das dificuldades financeiras, Francisco, consciente de suas qualidades,
sonha com um futuro brilhante. Por isso sabe guardar-se. Como todos os jovens, ama
as festas, as alegres companhias, mas não quer se estragar como tantos colegas e
professores, vítimas da bebida e das doenças contraídas nas noitadas parisienses.
Compartilha o mesmo quarto com um jovem universitário: Pedro Fabro, de
humildes origens, que gosta de teologia e se empolga com as Sagradas Escrituras.
Francisco prefere a filosofia. Freqüentam a mesma classe e sabem conviver
pacificamente, dedicando muito tempo aos estudos.
Xavier, apesar da ótima formação cristã recebida de sua mãe, é um cristão que
poderíamos chamar de ‘minimalista’, um que cumpre suas obrigações religiosas
essenciais. Pedro Fabro já se sente tocado por Deus e sonha com o sacerdócio que se
aproxima.
Entre os universitários fervilham as idéias mais avançadas e nem sempre
ortodoxas. São dias de grande fermentação religiosa, social, política. As grandes
descobertas do tempo levaram os portugueses e espanhóis a percorrer todos os
oceanos da terra. A Reforma protestante produziu novas igrejas, e a reforma católica
caminha à procura de uma nova vitalidade na sua história milenar.
Francisco tem a sorte da presença discreta e sábia de Pedro Fabro, que o
mantém afastado dos caminhos da reforma protestante e o ajuda a descobrir na
Igreja Católica os rumos da renovação cristã mais autêntica.
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5. “FRANCISCO É UM VASO DE ELEIÇÃO”
Enquanto Francisco ensaia seus planos universitários, seus pais no castelo de
Xavier vivem momentos de angústia. Todos os filhos debandaram, para viverem
juntos às cortes de Castela e de Aragão. Xavier já recebeu o convite do rei Dom
Francisco I. Por isso os pais estão na iminência de chamar de volta o filho benjamim,
para colocá-lo à testa do castelo, a fim de continuar o sangue régio de Navarra.
Entrementes a irmã de Francisco, Madalena, que entrara no mosteiro das
clarissas, tornara-se famosa por suas penitências e visões surpreendentes. Os pais
recorrem à filha, perguntando-lhe se devem chamar de volta Francisco ou deixá-lo
nos estudos.
Madalena responde com uma mensagem profética: “Se vos é cara a glória de
Deus, deixai meu irmão em Paris, a fim de que, depois da filosofia, ele estude a
teologia, porque Deus me revelou que Francisco é um vaso de eleição destinado a
levar para as Índias a luz da fé”.
Ao receberem esta missiva misteriosa, os pais entreolham-se pasmos e decidem
deixar Francisco nos estudos e guardar o segredo em família.
Assim o jovem Francisco pode continuar seus estudos junto com Fabro,
enquanto a amizade entre os dois vai crescendo cada vez mais.
6. UM COLEGA ESTRAVAGANTE
Um dia, entre os universitários de Paris aparece um indivíduo que é comentado
por todos. Seu jeito é extravagante, caminha mancando, mas ninguém o despreza.
Não anda de batina longa e reluzente como os universitários ricos, mas de toga
desbotada.
Há muitos comentários sobre o estudante misterioso de Paris. Chama-se Inácio
de Loyola e já tem 40 anos. Sofrera ferimentos combatendo nos muros de Pamplona
e ficara muito tempo enfermo. Agora encontra muita dificuldade nos estudos, mas
não desiste. Aos poucos consegue a amizade de vários professores, inclusive do Reitor
da Universidade. O próprio amigo de Francisco, Fabro, manifesta estima para Inácio.
Certo dia, caminhando pelo pátio da Universidade, Fabro e Xavier encontram o
misterioso acadêmico. Inicia a conversa. Inácio fala com Francisco como se fosse um
velho amigo e o convida abertamente a uma prática religiosa mais autêntica. Xavier
fica confuso, mas uma frase toca profundo no seu coração: “Que te adianta ganhar o
mundo inteiro, se perderes a tua alma?”
Francisco reage quase ofendido; é professor universitário e agora deve ouvir
uma catequese elementar de um estranho! Responde irritado: “E a ti que adianta
perder o teu tempo falando frases feitas para mim?”
Mas aquela frase, agora está gravada no coração e na mente de Francisco. Agora
é o próprio Jesus que lhe repete: “Francisco, que te adianta ganhar o mundo, ser
professor estimado por todos, ganhar dinheiro e glória... se depois vai perder a tua
alma?”
Aquela mesma noite, o amigo Fabro lhe faz uma proposta muito estranha:
“Vamos aceitar o velho acadêmico em nosso quarto, como terceiro companheiro?”
Francisco reage, mas Fabro fala com mansidão: “Inácio é um dos oficiais mais
renomados da Espanha. Sua fama tornou-se nacional quando defendeu o forte de
Pamplona contra os franceses. Foi lá que uma bala de pedra lhe estraçalhou uma
perna. Ele conhece muito bem teus irmãos e tem uma grande estima por ti...”
Francisco enrubesce. Agora sabe porque o estudante arrasta uma perna mais
curta. Em seu coração está nascendo um novo sentimento de estima e respeito.
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7. “QUE ADIANTA GANHAR O MUNDO...?”
Aquela frase o persegue dia e noite e muda seu coração: “Que adianta ganhar o
mundo...?” No seu pensamento passa toda a sua vida: sua infância, seu castelo, sua
nobreza, seus sonhos de glória... Seu castelo ruiu, sua nobreza não é mais como a
antiga, seus bens acabaram, seus sonhos são como nuvens levadas pelo vento...
Agora volta ao pensamento aquele Cristo Crucificado que o olhava com tanto
amor na capela do castelo. Uma voz lhe pergunta: “Serias tu capaz de trocar o teu
castelo, do qual és herdeiro, os teus sonhos de grandeza e poder, por este Cristo
pendurado na cruz?”
O seu castelo estava alicerçado sobre a rocha, por isso foi possível reconstrui-lo.
Sua nobreza também, aos poucos, foi reconquistada. A família voltou à antiga
prosperidade.
Assim Francisco encontra seus alicerces fundamentados na fé em Cristo, o
amigo que sua mãe lhe ensinou a conhecer e amar. As palavras de Inácio, agora
companheiro de quarto, encontram um coração aberto, alicerçado sobre a rocha de
Cristo.
Num longínquo convento, a irmã de Xavier, Madalena, monja enclausurada,
está rezando como vítima de imolação por seu futuro apostolado, pois lhe fora
comunicado do Alto que Francisco seria um grande missionário. Também a mãe,
ciente da profecia da filha, está diariamente prostrada diante do grande Crucifixo do
castelo, pedindo a Deus que ilumine o filho no caminho da vida.
Aos poucos, Inácio vai lançando pequenas sementes no coração do novo colega,
repetindo discretamente: “Que te adianta...?”
8. A RECONSTRUÇÃO DO CASTELO
O imprevisto acontece. Francisco submete-se à escola espiritual de Inácio,
retirando-se do mundo por trinta dias. Na meditação e na oração, a graça de Deus vai
reconstruindo o castelo espiritual no coração de Xavier. O mesmo Cristo pendurado
na Cruz de seu castelo vai retomando seu lugar.
A fortaleza do castelo interior de Xavier começa a desabar. É a fortaleza do
egoísmo, da vaidade, das festas, dos sonhos de grandeza. Agora Francisco sente uma
nova liberdade interior. Descobre o valor de sua alma destinada à salvação. E
descobre também que há tantas outras almas que precisam de salvação.
Mas ele sente-se pecador, pequeno, mesquinho. Prostra-se de joelhos e reza
como o apóstolo Pedro: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um grande pecador!”
Terminados os trinta dias de intimidade com Deus, Xavier joga-se aos pés de
Inácio pedindo-lhe de ser o pai de sua alma. Os dois abraçam-se como se fizessem um
pacto de amizade eterna.
Outros colegas, aos poucos, vão aproximando-se de Inácio. Nasce uma pequena
comunidade de “amigos no Senhor”, de “companheiros de Jesus” que, como os
Apóstolos, estão dispostos a ir por todas as partes do mundo afim de anunciar a Boa
Nova.
Muitos países europeus já se entregaram ao protestantismo. Também o castelo
da Igreja parece desmoronar. Precisa o zelo de uns generosos amigos de Jesus para
reerguer os muros da Igreja
Até este momento, Francisco viu os estudos como um meio de autopromoção.
Agora começa a perceber que poderia torná-los um serviço precioso para muitos.
Com a sua ciência, seus conhecimentos e suas capacidades quer reedificar a Igreja
sobre os alicerces de Cristo e do Evangelho.
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Os companheiros de Francisco, além de Inácio de Loyola, são: Pedro Fabro,
Simão Rodrigues, Diego Laynez, Alonso de Salmerón e Nicolau de Bobadilha. Todos
são doutores formados na Universidade de Paris. Entre eles nasce uma amizade
profunda que dá início à “Companhia de Jesus”.
Em 1534, Pedro Fabro é ordenado sacerdote e celebra a primeira Missa na
capela dos mártires (Montmartre). Pouco depois, em 15 de agosto, festa da Assunção
de Maria, Inácio e seus colegas fazem voto a Deus de pobreza e castidade, e de
peregrinar à Terra Santa.
9. A “COMPANHIA DE JESUS”
Entre os sete amigos nasce uma amizade profunda. Todos estão de acordo em
viver apoiando-se e ajudando-se fraternalmente, servindo os pobres nos hospitais dos
incuráveis e evangelizando a periferia de Paris, enquanto estão concluindo seus
estudos.
Rezam, meditam e celebram juntos. Vivem uma verdadeira vida de
comunidade. É a “Companhia de Jesus” que deseja conquistar o mundo a Cristo.
O exemplo destes professores é contagiante: a partir de 1535, três novos amigos
juntam-se ao grupo: Cláudio Jaio, Pascal Broet e João Codure.
No ano seguinte, depois de obter seus títulos universitários, partem da França a
pé, querendo atingir a Terra Santa. A seu modo, revivem o velho sonho dos cruzados:
tornar a Terra de Jesus um lugar cristão, respeitado e aberto à devoção dos
seguidores de Cristo. Os cruzados agiram pelas armas e falharam. A “Companhia de
Jesus” espera ganhar a batalha pelo amor.
Chegando em Veneza (Itália), para embarcar rumo à Terra Santa, descobrem
que rumores de guerra impedem a viagem dos navios. Veneza combate contra os
turcos. Por enquanto, não é possível viajar até Jerusalém.
Em 15 de junho de 1537, ainda em Veneza, os sete companheiros, que ainda não
são sacerdotes, recebem a ordenação sacerdotal: Inácio, Xavier, Rodriguez, Laynez,
Salmerón, Bobadilha e Codure.
Enquanto isso, o Espírito Santo está trabalhando e realizando o misterioso
plano de Deus. Depois da ordenação, os oito companheiros partem para Roma e se
colocam à disposição do Papa Paulo III. Sua primeira atividade é re-cristianizar a
periferia da própria Roma.
Em 1539, o Papa reconhece oficialmente a Companhia de Jesus, a serviço da
Igreja.
10. ESPÍRITO MISSIONÁRIO
Imediatamente os generosos discípulos de Inácio começam a evangelização de
Roma e fora da cidade. Francisco não está passando bem e é obrigado a permanecer
em Roma como secretário da Companhia. Talvez as penitências e os jejuns
exagerados, as longas noites passadas em oração acabaram com a sua resistência
física.
O exemplo dos Jesuítas conquista novas adesões. Jovens generosos entram a
fazer parte da Companhia, enquanto, de todos os cantos chegam pedidos de
apostolado.
A descoberta dos portugueses e espanhóis de terras longínquas faz nascer o
desejo de evangelizar as “terras infiéis”. O Embaixador do Reino de Portugal
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manifesta o desejo de ter pelo menos uns missionários para a cristianização da
distante e fabulosa Índia.
O Papa está de acordo e pede a Inácio de escolher seis de seus companheiros.
Mas Inácio só pode ceder dois e escolhe Simão Rodrigues e Nicolau Bobadilha.
Simão Rodrigues embarca-se imediatamente em Cívita Vecchia e parte para
Lisboa, apesar de uma febre impertinente lhe minar o corpo. Bobadilha prepara-se,
mas cai gravemente enfermo.
Nesse tempo, Francisco está consolando os doentes e pedindo em lugar deles o
pão às portas das casas; unge os moribundos para garantir-lhes uma vaga no céu e
carrega os mortos para as sepulturas. Fizera isso em Veneza, em Vicenza e em
Bolonha, tanto que o povo apegara-se a ele de modo que, ao chamado de Inácio para
Roma, tem que partir às escondidas.
Aqui também continua abraçando Cristo nos doentes, moribundos e mortos.
Mas certa manhã, Inácio o chama e lhe diz: “Francisco, o Céu quer você no alémmar”.
Francisco cai de joelhos, mas Inácio o levanta e abraça, pois sabe que sua
entrega a Cristo é total, como foi desde que abandonou o castelo de Navarra e a
cátedra de Paris.
Francisco chora de alegria. Agora ele sabe que sua Missão é evangelizar os mais
pobres do mundo, porque privados do conhecimento de Cristo Salvador.
Ao despedir-se do Pontífice, o Papa lhe diz profeticamente: “Siga os passos dos
apóstolos, disposto a dar seu sangue por Cristo nas terras dos infiéis. Que o
apóstolo São Tomé o ajude a continuar o que ele começou nas terras das Índias e o
proteja concedendo-lhe o privilégio do martírio!”
O último abraço é para Inácio. Ambos pressentem que não se verão mais neste
mundo.
11. ADEUS PARA SEMPRE!
Em 1540, Francisco deixa Roma com sua batina surrada e poucos pertences.
Acompanhado pelo embaixador de Portugal, Dom Pedro de Mascarenhas, passa por
Bolonha onde celebra a Missa por uma multidão que o considera um verdadeiro
santo.
Três meses dura a marcha de Bolonha até Lisboa. Chegando perto de
Pamplona, o embaixador suspende a viagem por vários dias, para que Xavier possa
visitar a veneranda mãe.
O castelo de Xavier está numa solidão total. O dono, João de Jasso, pai de
Francisco, morreu. A irmã religiosa, Madalena, também faleceu no convento das
clarissas em fama de santidade. Os irmãos estão todos empenhados nas armas e nas
cortes. Maria de Azpilcuetas, a veneranda mãe de Francisco, ficou sozinha. Já sabe
que seu filho enveredou os caminhos da santidade e espera o dia de poder estreitá-lo
em seus braços.
Mas Francisco não pretende voltar ao castelo paterno. Pedro de Mascarenhas
insiste, mas o que se passa no seu coração jamais alguém o saberá. Talvez tem medo
que a emoção seja forte demais. Ademais, se ele deixou tudo por Cristo, até o castelo e
sua mãe, Deus saberá dar força suficiente para que ela compreenda a sua atitude.
Quando dona Maria vem saber disso, volta à sua capela e se ajoelha aos pés do
grande Crucifixo. Derrama suas lágrimas e aceita a divina vontade. Agora
compreende a profecia de sua filha: Francisco é chamado a doar toda a sua vida para
a salvação dos infiéis.
Esta é a sua Missão!
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12. EM LISBOA
A caravana retoma a sua viagem e sai de Pamplona em direção a Lisboa. A
primeira pessoa que Francisco abraça é o seu amigo e companheiro, o padre Simão
Rodriguez, que está com alta febre e exaustão física. Imediatamente padre Simão
recupera as energias e sente-se forte como um gigante. Xavier não se deu ainda conta
de ter recebido do Espírito Santo o dom da cura. Isso revelar-se-á de modo
extraordinário em toda a sua vida missionária.
No porto de Lisboa há cinco navios pesados, aguardando o momento de sulcar o
oceano. Sobre a ponte dos navios há um atropelo de gente, carregando mantimentos
e todas as provisões necessárias para uma viagem de muitos meses. Centenas de
pessoas se abraçam, despedindo-se talvez para sempre.
Francisco está na proa do navio “São Diogo”, ocupado pelo vice-rei Martim
Afonso de Souza, que vai comandar a frota para o Extremo Oriente.
Improvisamente chega o padre Simão Rodriguez, prostrando-se a seus pés.
Acontece que o rei Dom João III fizera um caloroso pedido ao Papa, pedindo que um
padre ficasse em Lisboa. Inácio deu seu consentimento para não contradizer ao rei.
Assim Francisco segue sozinho para as Índias, onde o esperam muitas bênçãos e
conversões.
O rei faz questão de dar seu abraço de despedida ao “santo padre”, como é
chamado em Lisboa. Entrega-lhe quatro Breves Pontifícios, que lhe dão todos os
direitos espirituais no Extremo Oriente, como Núncio Apostólico, podendo usar o
poder do próprio Pontífice na solução de casos emergentes.
Dom João III entrega-lhe também cartas de recomendação ao rei da Etiópia e a
todos os reis das ilhas e países que estão sob a jurisdição do Portugal.
Mas o presente mais precioso é o belo Crucifixo que Francisco leva sobre o
peito.
Enquanto o navio destaca-se do porto de Lisboa, Xavier olha para longe. Uma
lágrima escorre dedicada a Inácio. Outra lágrima é para a sua venerável mãe que,
abraçada à Cruz, oferece a Deus o filho mais querido.
É o dia do 35º aniversário de Francisco: 07 de Abril de 1541.
13. AS GRENDES VIAGENS
No ano de 1537, assim escreve Pedro Nunes, real cosmógrafo, em seu “Tratado
da Esfera Terrestre”: “Ninguém pode duvidar que durante os últimos cem anos as
viagens deste Reino de Portugal têm sido imensas, engenhosas, estupendas.
Nenhum povo do mundo pode apontar entre seus feitos coisa igual. Os
portugueses... descobriram novas terras, novas ilhas, novos povos. E ainda mais,
novas estrelas e novo céu. Enfrentaram o tremendo calor dos trópicos e o imenso
frio do distante sul... Demonstraram que não há região inabitável, seja pelo frio,
seja pelo calor...”
Tudo isso pode fazer compreender quanto difícil deve ser a viagem do Xavier e
seus mais de mil companheiros, entre homens, mulheres e crianças, rumo ao
Extremo Oriente. Apesar do enjôo e da alta febre, Francisco tem muito que fazer
acudindo doentes, socorrendo pobres, confortando desanimados, evangelizando
tripulantes. É continuamente procurado para confessar bons cristãos ou
desesperados que temem acabar no fundo do mar. No Golfo da Guiné deve enfrentar
40 dias de calmaria, ganhando a admiração de todos: marinheiros, aprendizes,
passageiros e aventureiros.
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Com o passar do tempo, a comida começa a estragar: a água torna-se
imprestável, amarelada e fétida. Nas provisões aparecem os vermes. O vinho torna-se
azedo. As carnes salgadas, o peixe seco, os biscoitos salgados aumentam ainda mais a
sede nesse abafado calor equatorial. Começa a fome, e a sede se torna insuportável.
Multiplicam-se os doentes, com dor de cabeça, disenteria, febre alta, escorbuto...
O navio Santiago torna-se um vasto hospital. Francisco, esquecendo a si
mesmo, torna-se médico das almas e dos corpos, vindo em socorro dos mais
abandonados e mais pobres.
Seu dia é inteiramente ocupado nas obras de misericórdias espirituais e
corporais. Prega, catequiza, confessa, socorre os doentes. Não pára um momento e
todos olham para ele com admiração e veneração.
14. O PADRE SANTO
No meio de tanto sofrimento, não faltam episódios que revelam mais um
carisma de Francisco. Por isso todo mundo passa a chamá-lo com o nome de “Padre
Santo”.
Ele também está acamado, ardendo em febre, quando vê transportar um
marinheiro moribundo para a enfermaria. Com muita fadiga, Francisco ergue-se do
leito e, cambaleando, aproxima-se do moribundo, que está inconsciente. O médico,
com voz insistente, grita-lhe para voltar a seu leito. “Por favor, – diz Xavier – deixeme
atender este marinheiro!”
Finalmente cedem. O padre Francisco pede que deitem o marinheiro em seu
leito. Imediatamente o marinheiro abre os olhos e começa a falar. Confessa seus
pecados, recebe a unção dos enfermos e volta a cair no estado inconsciente, falecendo
em seguida na paz do Senhor. Francisco é feliz: mais uma alma foi para o céu.
A saúde de Xavier melhora. O vice-rei decide prosseguir viagem com o navio,
enquanto os passageiros estão convalescendo e a vida volta ao normal.
Os doentes pedem sempre a presença de Xavier. Basta olhar o rosto do “padre
santo”, inundado de Deus, para sentir alívio.
Finalmente, aos 06 de maio de 1542, após mais de um ano de viagem sobre as
águas, Xavier desembarca em Goa, nas Índias, com o coração cheio de gratidão e
desejoso de anunciar Cristo a todo mundo. Escreve imediatamente ao inesquecível
Inácio, em Roma, falando de sua emoção em rezar a santa Missa sobre a imensidão
das águas. Fala também de sua felicidade em poder ver e servir Cristo nos pobres e
doentes.
15. FRANCISCO: NÚNCIO APOSTÓLICO
Ao desembarcar em Goa, Francisco apresenta-se ao Arcebispo Dom João
Albuquerque, um franciscano simples, cheio de fé e lutador, mas idoso e doente. A
diocese tem trinta paróquias espalhadas desde o litoral africano até às ilhas distantes
da Indonésia.
Francisco prostra-se a seus pés, vestido com uma batina surrada. Apesar de ser
o Núncio Apostólico, embaixador do Papa, faz questão de declarar que reconhece o
Pastor do rebanho e nada faria sem sua aprovação. Esta delicadeza toca o coração de
Dom João, que se torna imediatamente amigo e admirador do Missionário Jesuíta.
O vice-rei Martin Afonso de Souza convida Francisco a morar no seu castelo e
comer à sua mesa. Mas Francisco recusa, dizendo: “Quero viver e morrer pobre. Por
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isso meu lugar é entre os pobres”. Sua doação é radical: deixou o castelo de Xavier
por Cristo e agora não vai se aninhar em outro castelo.
Os sacerdotes de Goa ficam impressionados vendo o ilustre doutor da
Universidade de Paris passar longas horas do dia sentado no confessionário
perdoando os pecados, ou percorrendo a periferia da cidade evangelizando crianças e
pobres.
16. A SITUAÇÃO EM GOA
Os preferidos de Francisco são os pobres e doentes. Aos domingos sai da cidade
para celebrar a Missa entre os leprosos que ele abraça com carinho, sem medo do
contágio.
De fato a cidade de Goa vive uma situação muito penosa. As costas são visitadas
freqüentemente por piratas. O povo é tão pobre que vive gritando e pedindo esmola
por amor de Deus. Em todas as casa há doentes e moribundos.
Em Goa há um hospital, chamado “do Espírito Santo”, que já foi o orgulho da
cidade. Mas agora suas instalações são insuficientes, sua administração não é
aplicada bem e as verbas do Rei são desviadas. Quem sofre com isso são os doentes.
É neste hospital que Francisco se acomoda como um pobre comum. Alguém
quer lhe oferecer uma batina de seda, em substituição da batina pesada trazida da
Europa. Mas ele pede uma batina de algodão leve que se torna sua roupa habitual até
sua morte.
Assim começa seu apostolado no meio dos mais necessitados da sociedade,
confortando, curando, confessando, administrando os Santos Óleos, preparando para
a passagem definitiva e sepultando os mortos. Sua preferência é para os leprosos e
incuráveis.
Francisco dedica-se também a visitar os presos, levando conforto e esperança.
Preocupa-se com os “casados”. A lei proíbe que mulheres portuguesas viajem para as
colônias. Assim os homens se juntam com mulheres hindus e muçulmanas,
freqüentemente tratando-as como escravas. É necessária uma nova evangelização.
O Missionário começa a passar pelas ruas da cidade tocando uma campainha e
gritando o horário do catecismo na capelinha de Nossa Senhora do Rosário. Aqui se
reúnem centenas de ouvintes: crianças e adultos, livres e escravos. A catequese é
agradável, simples e popular, convidando a viver humanamente, segundo os
princípios cristãos. Convida a restituir o roubado, a se reconciliar com os inimigos, a
aprofundar a Fé, a remover da vida ocasiões de pecado, e a rezar pelas almas do
Purgatório.
Depois de um dia de visitas aos doentes, de pregação e intenso apostolado, o
Núncio Apostólico se prostra perante o Santíssimo Sacramento em oração e
adoração.
17. CARTA AOS COLEGAS UNIVERSITÁRIOS
O trabalho se faz sempre mais intenso. Francisco se dá conta que as palavras de
Jesus são atuais: “A messe é grande e os operários são poucos”. No começo de 1544,
decide enviar uma carta às Universidades da Europa.
- Quem vos escreve é um pobre missionário que sonhava ser grande no mundo,
estudando na Universidade e deixando seu nome marcado na história. Mas Deus
tocou meu coração e hoje me sinto a criatura mais feliz a serviço do exército de Deus.
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Às vezes me vem ao pensamento, se tivesse tempo, de voltar à Europa e, a
despeito de passar por louco, queria percorrer os colégios, as academias e as
universidades e dizer a todos aqueles sábios, e a todos aqueles homens que têm mais
doutrina que caridade: “É vossa culpa se uma infinidade de almas é excluída do
Reino dos Céus!” Tomara, digo muitas vezes a mim mesmo, que esses jovens, esses
doutores tivessem tanto empenho pela salvação das almas, quanto têm pelas ciências
humanas.
Um dia terão que dar conta bem rigorosa da ciência que adquiriram e dos
talentos que lhes foram confiados. É possível que esta idéia vos assuste. Mas reflitam,
meus amigos.
Há milhares de pessoas que precisam ouvir a Palavra da Salvação que as tire do
perigo de cair no profundo inferno. Vocês não podem ficar indiferentes!
Pensem bem: vale a pena encher a cabeça de noções e conhecimentos humanos,
quando há tantos irmãos que não conhecem o Salvador? Reflitam e decidam! Deixem
as suas escolas e venham evangelizar estas almas sedentas de conhecimento. Eu lhes
garanto que a recompensa será maravilhosa, pois seu coração sentir-se-á plenamente
cheio de pura felicidade.
Decidam e digam: “Senhor, eis-me aqui! Eu te pertenço totalmente. Manda-me
aonde queiras, até mesmo para as Índias!”
18. AJUDANTES “MILAGROSOS”
Já que o Xavier não pode ir à Europa e esvaziar as Universidades para
conclamar os doutores e universitários para a conquista das almas, ele se multiplica
através das crianças. Nas suas viagens missionárias, a famosa sinetinha do “veste
negra” chama todo mundo para a catequese. As crianças são as primeiras a acorrer de
todos os cantos, engrossando as fileiras até a igreja da aldeia.
São elas que proporcionam a entrada triunfal de Xavier nas diversas
localidades. São centenas de crianças, correndo e saltando a seu redor, sob o olhar
pasmo dos pais, quase todos eles pagãos e idólatras.
As crianças aprendem com gosto os artigos da fé cristã e os repetem depois em
casa para os pais e vizinhos. Quase todo mundo chora quando Xavier mostra aos
presentes o Coração transpassado de Jesus na Cruz, por nosso amor. Muitos pedem
de se tornarem discípulos deste grande Amigo do céu. Francisco escreve a Roma:
“Aquelas queridas crianças não me deixam tempo nem para recitar o meu
breviário, comer, nem descansar por um momento; seguem-me por toda parte,
pedindo-me sem cessar que lhes faça rezar as orações”.
Um dia, Xavier é chamado na casa de uma mãe grávida, à beira da morte.
Francisco lê uma página do Evangelho, reza sozinho e depois volta para a enferma.
Imediatamente ela se levanta feliz e curada. Toda a família pede o batismo e muitos
outros se convertem.
Muitas vezes, Francisco não tem tempo para visitar os enfermos. Então escolhe
umas crianças, entrega a elas o Crucifixo, o rosário e um pouco de água benta e as
envia a rezar sobre os enfermos. Milagre: muitas vezes eles são curados no corpo e na
alma.
Um dia, alguém comunica a Xavier que um homem importante está possesso
pelo demônio em Manapar. Cercado de imensa multidão, Xavier chama um menino e
lhe entrega a sua cruz e ordena que ponha em fuga o demônio, dizendo: “Não voltes
sem ter expulsado vergonhosamente o maligno!”
Quando o menino chega perto, o possesso contorce-se convulsivamente. O
menino não se assusta, canta as orações que o “santo padre” lhe ensinara. Ordena ao
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demônio que se retire, impõe a cruz sobre o possesso e o mau espírito abandona a
vítima. O menino volta triunfante e Francisco retoma a sua cruz, recolocando-a sobre
o peito.
Deus sempre escuta a oração dos simples e inocentes. Francisco faz milagres e
transmite às crianças o poder de realizá-los. As crianças tornam-se o braço direito de
Xavier!
19. EVANGELIZANDO CABO CAMORIM
Nos fins de setembro de 1542, Xavier parte para o sul da Índia, o Cabo
Camorim, terra de pescadores de pérolas. É um povo oprimido e pobre, apesar das
pérolas preciosas, por causa da cobiça e a exploração dos dominadores.
Na década anterior chegaram os portugueses que, para dar-lhes proteção, os
obrigaram a abraçar o cristianismo.
Quando Francisco Xavier chega, confirma logo o que já sabe: encontra um
grande número de batizados, mas não evangelizados. Escrevendo a Inácio, fala da
situação:
“...Passamos pelos povoados cristãos onde o povo se converteu há oito anos.
Aqui não moram portugueses, porque a terra é extremamente pobre. Os cristãos
não têm quem os instrua na fé, e por isso não sabem nada dela, a não ser que se
dizem ‘cristãos’. Não têm quem lhes reze a Missa, nem ensine o Pai-nosso, a Ave
Maria e os Mandamentos. Quando chego a um povoado, batizo as crianças. São as
crianças os meus melhores ajudantes na catequese, pois delas é o Reino dos Céus...
Estou convencido de que se houver quem os instrua na Fé serão bons cristãos”.
O zelo apostólico de Xavier e a fama de alguns milagres fazem nascer uma
comunidade de cristãos. Com esforço, consegue aprender a língua, o bastante para
traduzir um breve catecismo em ‘tamil’, para o uso dos novos catequistas e do povo.
De março a abril há a grande pesca anual de pérolas, um esforço imenso, que
mobiliza todos os homens Paravás válidos, enriquecendo os comerciantes
maometanos, os protetores portugueses e os senhores hindus, deixando o povo
cansado, doente e na perene miséria.
Durante este tempo, Francisco, com seu catecismo ‘tamil’, visita outros
povoados Paravás, abrindo caminho para o envio, mais tarde, de outros irmãos
jesuítas.
Francisco atinge sua força na prolongada oração, até dez ou onze horas da noite.
Na sua pregação denuncia os abusos dos coletores de taxas dos rajás e dos
negociantes de pérolas, trabalhando duro, sempre amável e alegre, atacando o
adultério e a embriaguez, inclusive com o exemplo de sua vida casta, digna dos
‘santos homens’ hindus.
Aos poucos, povoados inteiros chegam à conversão. No fim do ano de 1543,
Francisco retorna em Goa, acompanhado por alguns Paravás que dão esperança de se
consagrarem à evangelização como sacerdotes.
20. HOMEM DE ORAÇÃO
Acabamos de lembrar que Francisco costuma passar longas horas da noite em
oração. Enquanto os Paravás dormem tranqüilos nas choças de palha à beira do mar,
numa pobre cabana há um homem prostrado em oração. É o ‘santo padre’ Francisco,
que não dorme, mas vigia orando pelo seu povo.
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As horas noturnas são as mais preciosas para ele. Durante a noite, mergulha nas
profundezas de Deus, que lhe dá força sobre-humana para evangelizar durante o dia e
lhe dá poderes de operar milagres e converter os pagãos.
Xavier passa em revista o dia que passou. Lembra aquele pobre Cristo nu, que
encontrou numa cabana abandonada, todo coberto de úlceras. Ninguém se
aproximava do coitado, mas Francisco lavou as feridas, envolveu-o num manto, rezou
sobre ele, instruiu-o com as orações básicas da fé e pediu que Deus curasse esse pobre
‘cristo’ desconhecido.
Na sua oração noturna, Francisco não pode esquecer as suas crianças, os seus
pequenos apóstolos evangelizadores. E reza: “Senhor, que eu seja humilde e simples
como uma criança, para entrar no teu Reino!”
Lembra também o catequista predileto, Antônio de Miranda, morto pela
mordida de uma víbora venenosa. Quando o chamaram, Francisco nem se preocupou
com os funerais do jovem, mas foi direto perto do cadáver, pondo-se em oração.
Depois gritara: “Antônio, em nome de Jesus Cristo, levanta-te!” E Antônio, que
morrera na noite precedente, levantara-se cheio de vida.
“Senhor, tende piedade de mim! – sussurra o rezador noturno, arrebatado pelo
amor de Deus. – Senhor, não sou digno de tantos prodígios. Mas te agradeço,
porque as almas se convertem e passam a te amar, Senhor!”
É nesta oração noturna que Francisco renova suas energias apostólicas,
convertendo inúmeros pagãos e curando numerosos enfermos.
21. DEFENDENDO O SEU POVO
Em fevereiro de 1544, Xavier deixa Goa e volta para a Costa da Pescaria. Na
viagem, aproveita para conhecer a grande ilha de Ceilão, onde o monarca local
prometera se converter à fé cristã.
Rumando para a Costa da Pescaria, leva consigo outros jesuítas, recémchegados
da Europa, dando instruções escritas a todos e distribuindo-os em pontos
estratégicos do território Paravá, junto com um catequista em cada povoado. De fato,
Francisco é um organizador.
Com carinho, Francisco apóia os companheiros missionários, escrevendo longas
cartas cheias de conselhos e afeto fraterno.
Mas agora quem corre perigo são os seus cristãos do Cabo Camorim: os
Badegás os atacaram e estão fazendo prisioneiros entre eles. Para salvar-se, os
cristãos fogem para os rochedos do mar, onde estão morrendo de fome e sede.
Imediatamente, Francisco organiza uma flotilha com 20 pequenos barcos
Paravás. Mas deve voltar atrás, devido às tempestades contrárias. Prossegue por
terra, enfrentando longos dias e intermináveis noites de sacrifícios, quase sem
dormir, para socorrer os cristãos perseguidos. O cansaço e os perigos corridos nesta
aventura são premiados com a salvação de todos e a reconstrução de seus povoados.
Outra luta Francisco deve engajar contra o capitão português local, Cosme de
Paiva, que está se enriquecendo às custas das pérolas dos pobres Paravás. De fato,
Francisco se faz voz dos que não têm nem voz nem vez.
Sua vida santa não lhe impede de defender corajosamente os direitos
fundamentais dos oprimidos e perseguidos. É um fato que, até os nossos dias, a
presença cristã é sólida onde ele a implantou com a pregação, os milagres e a defesa
dos pequenos.
No começo de 1545, Francisco chega a Cochim, nos limites da Costa da
Pescaria, sede de um capitão português e seus soldados.
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Os comerciantes portugueses tinham causado muitos transtornos aos cristãos
de São Tomé, com sua ganância. Francisco se faz logo seu intercessor junto ao
Governador Geral e ao próprio Rei.
22. PERSEGUIÇÃO CONTRA OS CRISTÃOS
Nesses dias, o rei de Jafanapatão começa a perseguir com raiva os cristãos da
ilha de Manaar, convertida per Francisco. Até o filho do rei convertera-se, mas o pai
mandara-o degolar publicamente e jogar seu corpo lá fora no descampado para ser
devorado pelos animais ferozes e as aves de rapina. Mas de noite, Fernando de
Cunha, que catequizara o filho do rei, enterra-o sob uma árvore.
No dia seguinte, sobre o tumulo aparece uma linda e misteriosa cruz. O rei e os
brâmanes tentam remover ou destruir a cruz, mas ela reaparece sempre mais alta e
bonita. Os pagãos gritam louvores ao Deus dos cristãos pregado pelo ‘padre santo’.
Por cúmulo, o rei vem a conhecimento de que outro filho seu e um sobrinho
tornaram-se cristãos e estão bem seguros no Colégio de Goa.
Há também vários portugueses traindo os princípios básicos da religião.
Vendem privilégios aos muçulmanos e aceitam grandes quantias em dinheiro dos
brâmanes, que podem agir com vingança contra os neófitos.
Mas Francisco vigia sobre os seus cristãos e os defende como uma mãe
defenderia seus filhos. Escreve a todas as autoridades que podem ajudá-lo, e ele
mesmo enfrenta perigos de toda sorte. Ao mesmo tempo, Xavier agradece a Deus
porque o sangue dos mártires é segura semente de novos cristãos.
23. MARTÍRIO EM MANAR
Xavier está navegando para chegar a Nagapatão. Passando ao largo da ilha de
Manar, pede ao capitão de ser deixado na ilha. Ele sabe que este povo foi maltratado
pelo rei de Jafanapatão, inimigo declarado do cristianismo.
Ao descer na ilha, o fluxo de gente aumenta de hora em hora. Contam-lhe as
notícias mais aterradoras de perseguição e de sangue. Mas agora experimentam uma
grande alegria, pois chegou o “padre santo”. De todos os cantos acorrem os fiéis,
contando as histórias de seu martírio.
Chegando no povoado de Passim, percebe um cheiro pestilencial. O rei
mandara matar todos os cristãos, mas nenhum deles renegou sua fé. Os corpos foram
abandonados aos animais selvagens e o ar é irrespirável. A peste tomou conta da ilha
e cada dia morrem centenas de pessoas.
Os que podem ficar de pé aproximam-se esperançosos de Xavier. Há cadáveres
em todos os cantos. As crianças esqueléticas engatinham pelas ruas. Quem ainda tem
voz grita: “Grande padre, salva-nos!”
Francisco sente uma grande pena deste povo, e chora. Organiza um tríduo de
orações fervorosas ao céu, pedindo a cura dos doentes, invocando inclusive os
mártires da ilha. O dia seguinte celebra a Missa nesta terra banhada pelo sangue
generoso de tantos neófitos.
Ao terceiro dia cessa a peste e todos os doentes ficam milagrosamente curados.
Apesar das ameaças de perseguição, os pagãos vêm em peso solicitar o batismo. Só
assim Francisco pode retomar suas viagens apostólicas. Em 29 de março de 1545,
embarca para Maliapor, a fim de visitar o túmulo do seu padroeiro missionário nas
Índias: São Tomé.
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Em Maliapor Francisco é recebido com muita alegria, pois a fama de sua
santidade já o precedeu. Empunhando sua cruz inseparável, prega às multidões,
convidando à conversão e à penitência. Quase não tem tempo para si, pois há
multidões pedindo ser ouvidas em confissão. E as conversões na cidade, antes
mergulhada em vícios e devassidão, são numerosas.
24. EVANGELIZANDO MALACA
Mais uma vez, Francisco sente que seu coração o chama para outras terras a
serem evangelizadas. Em setembro de 1545, parte para Malaca, onde procura
imediatamente o hospital. Entre os pobres, mendigos e doentes, imagem sofrida de
Cristo crucificado, Francisco sente-se à vontade.
Também em Malaca a fama o precedeu. De repente o pátio do hospital é
invadido por uma multidão que deseja falar com o taumaturgo do Oriente. Francisco
atende todos com paciência, mas seu carinho especial é para as crianças que ele, sob a
surpresa de todos, chama pelo nome verdadeiro. Muitos são curados pelo simples
aperto de mão.
Todas as tardes, Xavier passa pelas ruas tocando a inseparável sineta,
convidando a rezar pela conversão dos pecadores. E Malaca, cidade pecadora e
entregue aos vícios, volta-se para Deus. Numerosos acorrem para se reconciliar com
Deus, experimentando o perdão do Coração misericordioso de Cristo.
Também em Malaca acontecem milagres incríveis, que convencem judeus e
maometanos e se entregarem a Cristo. Demônios são expulsos, mortos ressuscitam,
inúmeros enfermos recuperam a saúde.
Infelizmente, depois que Francisco deixa a cidade, os convertidos não
perseveram e voltam a seus vícios. O castigo de Deus chega um ano mais tarde: a
cidade é devastada por guerras e peste, e a ruína total.
25. O CRUCIFIXO MILAGROSO
Durante suas intermináveis viagens, Francisco não descansa, mas aproveita
para evangelizar os companheiros de viagem. Agora está rumando até Amboína e o
navio está lotado. Em pleno mar acontece o pentecostes das línguas. Xavier mostra
seu Crucifixo e fala a muçulmanos ou pagãos e todos entendem na própria língua. O
milagre provoca a conversão de quase todos os tripulantes e passageiros.
Em Amboína estão ancorados oito navios espanhóis, mas a peste está fazendo
suas vítimas. Xavier encontra seu trabalho: cura muitos doentes e carrega os mortos
nos ombros até improvisadas sepultaras.
Depois se embrenha pelas matas em busca dos moradores da ilha, que são
freqüentemente assaltados por piratas e corsários. Em cada aldeia erige uma capela e
deixa a comunidade sob a responsabilidade de um jovem catequista.
Durante uma viagem de barco, a tripulação é surpreendida por uma violenta
tempestade. Francisco dobra-se sobre o mar, encostando o Crucifixo nas águas para
acalmá-las. Mas a preciosa cruz escapa-lhe das mãos e some nas águas agitadas.
Xavier dá um grito de dor e grossas lágrimas sulcam-lhe o rosto. Todos ficam
penalizados.
Este Crucifixo fizera tantos milagres, fora beijado por tantos doentes e
moribundos, passara tantas noites apertado sobre o peito do missionário, fora levado
por crianças a diversos lugares operando maravilhas. E agora desapareceu no fundo
do mar!
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Francisco passa a noite em oração e, de manhã cedo, encaminha-se, com Fausto
Rodrigues, na praia da ilha de Baranura. Mal acabam de fazer 500 passos, quando
vêem emergir das águas um caranguejo com as patas levantadas e segurando o
Crucifixo. Xavier ajoelha-se e recebe em suas mãos a preciosa cruz, louvando e
agradecendo a Deus. Agora as lágrimas são de alegria, pois Deus lhe deu um sinal de
que nunca abandonaria seu fiel servidor.
As viagens missionárias continuam, mas o Crucifixo, de braços estendidos, o
acompanha como bom Amigo de todas as horas. Ele é a sua alegria, a sua inspiração e
a sua força.
26. COM AMOR, SE VENCE TUDO
A ternura de Francisco para doentes, moribundos e pobres manifesta-se
continuamente, arrancando do céu toda espécie de milagres. Não permite que o
próximo seja desprezado, porque vê em todos os pequenos e humildes o próprio
Cristo sofredor.
Chegando na ilha de Ternate, mais submersa nos vícios que Malaca, conquista o
coração dos pagãos para Cristo. Um dia, enquanto celebra a Missa, sob inspiração,
assim fala aos fiéis: “Orai por João de Araújo que acaba de morrer”.
Esse homem ofendera um pobre soldado doente, que Francisco tratava,
negando-lhe um pouco de vinho. Foi o suficiente: Francisco mandou-lhe dizer que
dentro em breve morreria e todos os seus bens seriam distribuídos entre os pobres de
Amboína. Assim aconteceu.
Pouco depois, na grande ilha de Celebes, o rei nativo começa a perseguir os 25
mil cristãos de Tolo, que Xavier batizara. Manda também quebrar as cruzes,
obrigando todo mundo a pisoteá-las com desprezo.
Invocando a proteção do Arcanjo São Miguel e segurando nas mãos o milagroso
Crucifixo, Xavier reúne uma pequena turma. Sem armas, mas com a oração e muito
amor, os nossos ‘cruzados’ enfrentam o tirano rei. De repente, a montanha mais
próxima da cidade rebenta numa explosão vulcânica, jogando rocha e lava
incandescente sobre a cidade, que pega fogo misteriosamente.
Quando o fogo cessa, Xavier e seus companheiros entram na cidade, e erguem
novamente as cruzes, como sinal do poder de Cristo. Diante dos prodígios, o povo se
arrepende e pede o perdão do missionário. O ‘santo padre’ é feliz de perdoar e abraçar
os penitentes.
O prodígio conquista toda a ilha de Celebes que se rende ao poder da cruz.
27. SEMPRE EVANGELIZANDO
Voltando da ilha de Celebes a Ternate, Xavier está decidido a partir para as
famigeradas ilhas de Moro, cujos habitantes têm a fama de bárbaros e primitivos. O
governador João de Freitas não quer deixar partir Xavier, porque considera jogar-se
num suicídio. Mas Francisco sente-se chamado e a caridade de Cristo o impulsiona,
mesmo sabendo de colocar em perigo a própria vida.
Xavier sabe que na ilha de Moro há uma tribo que pensa de alcançar a
imortalidade matando um cristão. Mas Francisco sabe que somente a Cruz de Cristo
alcança a imortalidade, e não tem medo de enfrentar o martírio.
Deixa Ternate acompanhado pelas lágrimas dos admiradores. Na ilha de Moro
encontram logo oito cadáveres de portugueses ainda cobertos de sangue. Foram
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assassinados pelos bárbaros nativos da ilha. O primeiro ato de misericórdia é enterrar
os pobres mortos, misturando o sangue com as lágrimas.
Entrando na floresta, encontra o primeiro povoado. Os nativos fogem
apavorados, mas Xavier começa a cantar hinos religiosos. Sua voz é melodiosa e
cativante. Os indígenas param, escutam e, sem se darem conta, aproximam-se do
misterioso estrangeiro. O missionário, fazendo uso do dom das línguas, fala da
misericórdia de Deus que veio para salvar.
Na ilha dos Javares alguns querem matá-lo, mas Deus o protege. Certo dia,
fugindo dum grupo de antropófagos, chega à margem de um rio. Não há barcos, mas
Xavier passa milagrosamente para outro lado.
A ilha dos Javares é vulcânica. Enquanto reza a Missa na festa do Arcanjo São
Miguel, ouve-se um forte terremoto que ameaça derrubar o altar. Francisco aproveita
para dizer: “O dono dos vulcões está presente sobre este altar”. Os silvícolas olham
para ele como a uma figura sobrenatural. Mas o Evangelho vai penetrando e
conquistando corações.
Quando Xavier volta a Ternate, é recebido com muita alegria e gratidão por
todos. Ele aproveita para enviar cartas aos amigos de Roma, contando as maravilhas
de Deus que derruba o trono de satanás e faz triunfar a sua Cruz redentora.
28. TRABALHO E ORAÇÃO
Quando se pensa nos milhares e milhares de quilômetros percorridos por
Francisco Xavier, nos dias de seu apostolado, pregação, confissões, batizados, cartas
enviadas para aconselhar, confortar e animar os colaboradores no apostolado; a gente
se pergunta: onde e quando Francisco encontrava o tempo para orar?
Durante as longas e cansativas viagens de navegação, Francisco dedica muito
tempo à assistência aos doentes e à catequese, mas de noite, quando todo mundo
descansa, ele sacrifica o sono para dialogar com Deus. São momentos de intensa
oração e penitência. Várias vezes Francisco é encontrado prostrado, com a cruz nas
mãos e orando.
Também quando deve embrenhar-se na mata, à procura das almas
abandonadas, segura a cruz e o terço nas mãos e conversa com Deus.
Antes de ir à Malaia e Indonésia, Xavier decide visitar o povoado de São Tomé,
na costa oriental da Índia, para rezar sobre o túmulo do apóstolo de Cristo. Neste
tempo, o vigário da paróquia é o português Padre Gaspar Coelho, que vive numa
casinha humilde. Em São Tomé há uma pequena colônia portuguesa, uma ‘feitoria’,
misto de posto comercial e militar, chefiada pelo capitão Miguel Ferreira.
Neste povoado Francisco passa quatro meses, dedicando-se inteiramente à
oração. Aqui ele encontra a força e a fé para defender os Paravás, parlamentando com
os rajás agressores e denunciando as traições e opressões do capitão português. Na
oração ele encontra a inspiração de ir em auxílio dos pescadores sem água, nem
comida, refugiados nos rochedos áridos de Cabo Camorim. É sempre a oração que lhe
dá a força de enfrentar as tempestades dos mares dos piratas, ou evangelizar as ilhas
dos envenenadores e dos colecionadores de cabeças.
Francisco não é um conquistador nem um aventureiro, mas um homem amável,
com coração de criança, sem orgulho, consciente de sua fragilidade e impotência. É a
força que lhe vem da oração que opera os milagres e prodígios. Torna-se assim
mensageiro da paz, promovendo a justiça através do anúncio da Boa Nova já
anunciada pelo apóstolo São Tomé.
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29. DE VOLTA A MALACA
Depois de passar uns dias em Emboína, onde havia uma capela e uma boa
casinha, Xavier decide embarcar-se para Malaca. Estamos no mês de julho de 1547.
Sua grande alegria é encontrar em Malaca dois padres Jesuítas: Juan Bevia e
Nino Ribeiro, e um irmão coadjutor: Nicolan Nunes. Acabam de chegar com a última
frota de Lisboa, trazendo notícias dos progressos mundiais da amada Companhia de
Jesus.
Mas o pensamento de Francisco já corre até Goa. Enquanto aguarda o momento
da viagem, procura instruir os seus novos companheiros sobre as ilhas do ‘mar dos
piratas’. Depois de uma adequada preparação, Xavier, com a sua autoridade de
Núncio Apostólico, designa o padre Bevia como Superior, enviando-o com o irmão
Nunes para Ternate e Moro. O padre Nino Ribeiro é enviado para Amboína.
Assim o zelo apostólico do nosso Xavier expande-se sempre mais e o Reino de
Deus vai crescendo e conquistando muitas almas ao coração de Cristo.
30. O CHAMADO DO JAPÃO
Enquanto Francisco vai instruindo seus companheiros em Malaca, em
dezembro de 1547 a providência lhe faz encontrar uma pessoa muito importante: o
japonês Anjirô.
Trata-se de um samurai de cerca de quarenta anos de idade. É um homem que
há cinco anos está procurando um mestre que possa lhe trazer a paz. Sente-se infeliz
pelas muitas faltas cometidas, inclusive um homicídio. Depois de passar por incríveis
aventuras, o guerreiro japonês é conquistado pela espiritualidade de Francisco
Xavier.
Francisco está realizando um casamento na igreja de Nossa Senhora da
Montanha em Malaca, quando Anjirô entra como por acaso. Aquele sorriso
encantador, aquelas palavras tão singelas conquistam o guerreiro samurai. Nasce
imediatamente uma grande simpatia. Anjirô abre seu coração ao missionário,
fazendo-lhe um relato completo de sua vida.
Francisco escuta com atenção e, no final, abraça com ternura este guerreiro que,
finalmente, reencontra a paz mais singela. Ao mesmo tempo, Francisco percebe que
este encontro é um presente do próprio Deus. Atrás deste homem, Francisco já tem
uma visão idealizada do Japão. Percebe que há uma terra de homens sábios, com
uma profunda espiritualidade, que poderia ser evangelizada.
Pergunta a Anjirô se os japoneses se fariam cristãos se ele fosse em seu país. A
resposta é negativa, porém... Se o Evangelho ensinado alcançasse o coração, se o
longo exemplo de vida fosse sem censura, talvez, depois de uns meses, o rei, os
nobres e as pessoas distintas poderiam pensar na possibilidade de se fazerem
cristãos. Francisco não desanima: já pensa em evangelizar o Japão.
31. RUMO AO JAPÃO
Com seus novos amigos japoneses, Xavier viaja para Goa. Aqui encontra muitos
problemas entre os mesmos jesuítas. O Reitor do Colégio São Paulo, pregador famoso
e cheio de si, é um homem extremamente severo: jura de encarcerar ‘os
desobedientes’. Mas Francisco lembra que “a Companhia de Jesus é companhia de
amor”.
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No dia de Pentecostes de 1548, Anjirô é batizado na catedral de Goa com o
nome de Paulo de Santa Fé. Seu criado e um terceiro japonês são batizados com os
nomes de João e Antônio. Provavelmente foram os primeiros japoneses a receber o
Batismo.
Enquanto Xavier aguarda a oportunidade de partir para o Japão, vai
aprendendo um pouco daquela língua tão difícil. Seu desejo é conhecer mais sobre a
história, os costumes e a cultura do Japão, mas Anjirô é um guerreiro que só conhece
a sua região no sul do arquipélago japonês.
Na verdade os senhores locais são aqueles que mandam no Japão do século
XVI. O Imperador é só uma figura cerimonial. Os grandes mosteiros budistas são as
‘universidades’ que formam a cultura e a religião.
Depois de preparar uma carga de presentes e paramentos de Núncio Papal,
Francisco, em 15 de abril de 1549, deixa Goa com Paulo, João, Antônio, o padre
Cosme de Torres e um jovem irmão coadjutor, João Fernandes.
Dois meses mais tarde, segue de Malaca para o Japão num junco de um
contrabandista chinês. O comandante leva o sobrenome de ‘Ladrão’. Será que
Francisco lembrou o ‘bom ladrão’ da cruz?
Durante a viagem, Francisco escreve a Inácio, em Roma, falando de sua imensa
felicidade, apesar das dificuldades e perigos de morte: fortes tempestades, rochedos,
piratas... Ele tem uma grande esperança em Deus que o ajudará a levar o cristianismo
à grande civilização japonesa.
32. NA TERRA DO SOL LEVANTE
Não é fácil viajar num junco: é pequeno, extremamente desconfortável. A
viagem é longa, demorada, beirando a costa para evitar as grandes maresias, mas
tornando mais longa a viagem.
Mas, finalmente, na festa de Nossa Senhora Assunta ao Céu, 15 de agosto de
1549, Xavier e nossos amigos chegam ao porto de Kagoshima, no Japão. A família de
Anjirô os recebe bem. Graças à sua hospitalidade, Francisco aprende a admirar a
cerimônia do chá, a comer com os tradicionais ‘pauzinhos’, a saudar cortesmente, a
sentar-se longamente sobre os calcanhares.
Aos poucos acontecem algumas conversões. Consegue ser recebido pelo
‘daimio’, uma autoridade em Kagoshima. Critica abertamente os bonzos por seus
vícios e desvios. Mas Francisco deseja se encontrar com o ‘Rei’. Por isso deixa Anjirô
com o padre Cosme e parte para Yamagúchi com o irmão Fernandez e um japonês
convertido, Bernardo.
A cidade de Yamagúchi, com dez mil casas, uma centena de templos e ricos
mosteiros, é sede de um dos mais poderosos ‘daimios’. Xavier consegue licença para
pregar nas ruas. Mas parece pregar ao vento: ninguém o escuta. Somente em
Kagoshima nascem umas comunidades cristãs, com catequistas locais e o padre
Cosme.
Francisco e seus companheiros intraprendem mais uma viagem difícil, num
barco aberto ou a pé, enfrentando a neve e o gelo. Durante o percurso encontram um
budista sincero e compassivo. Abriga-os a entrega-lhes uma carta de recomendação
para um comerciante amigo. É um grande conforto para eles, depois de receber até
pedradas da garotada em muitas aldeias.
A carta de recomendação é de notável ajuda, pois podem fazer parte do séqüito
de um nobre senhor, naturalmente correndo atrás de sua carroça.
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33. NA CIDADE IMPERIAL DE QUIOTO
É assim que Francisco, embaixador de Cristo pobre, acompanhado pelo irmão
João Fernandez, chega na cidade imperial de Quioto, também conhecida pelo antigo
nome de Miyako. Está cansado, mas imensamente feliz. Estamos no fim do ano de
1550.
A cidade, apesar de ser mais imponente do que Lisboa daquele tempo, está
passando por um período de grande ruína. Motins e guerras locais deixaram várias de
suas casas carbonizadas. O palácio do imperador está meio arruinado. O Rei parece
um fantoche, figura cerimonial, manobrado pelos poderosos senhores feudais, os
‘daimios’.
O entusiasmo e a alegria de Francisco vão se apagando, pois não encontra
ninguém que o possa autorizar a pregar o Evangelho.
Por isso decide de voltar a Yamaguchi no mês de março de 1551. Está vestido
das insígnias de Núncio Papal. Apresenta-se de novo ao daimio com presentes raros,
como um relógio, fazendas finas e obras de arte européias. Apresenta cartas de
recomendação do Governador de Goa e do Bispo.
O daimio, pensando na possibilidade de novos comércios, aceita os presentes e
concede a licença de pregar num grande mosteiro budista abandonado.
Muitos nobres e bonzos (sacerdotes budistas), visitam o Xavier, aceitando
escutar a nova doutrina e debater com ele.
Passa o tempo e não acontece nenhuma conversão. Mas um dia, o debate
esquenta e um dos presentes sente-se humilhado, pois as argumentações de Xavier o
convenceram de estar no falso. Com raiva, cuspe no rosto do santo. Francisco fica
tranqüilo, limpa o rosto com um lenço de papel e continua apresentando suas
argumentações.
A sua serenidade comove os presentes na praça. Um dos mais assíduos
debatedores pede o batismo. Em setembro, quando Francisco deixa Yamaguchi, deixa
uns novos cristãos.
34. NASCEM NOVAS COMUNIDADES CRISTÃS JAPONESAS
Chegando na ilha de Kin-Jin, ao norte de Kogoshima, Xavier é convidado pelo
daimio de Bongo a explicar sua doutrina. Aos poucos, nasce uma nova comunidade
cristã.
A esta altura Xavier já conhece melhor o japonês e percebe a pobreza de seu
ensinamento àquele povo inteligente e culto. Repara até de ter dado a Deus o nome
de um demônio. A partir deste momento, decide de chamar Deus com o nome
português, sem traduzir.
Depois de quase dois anos em terra japonesa, sem ter notícias da Europa e da
Índia, Francisco decide de aproveitar da passagem de um barco mercante português e
regressar.
Xavier deixa no Japão algumas comunidades de cristãos, com um catecismo
traduzido e dois jesuítas. Deixa também uns amigos fiéis e umas residências para
pousada. Está fundada a Igreja no Japão!
Porém o nosso missionário ‘descobre’ que os japoneses estão perguntando: “Se
o cristianismo é verdadeiro e tão importante, por que os chineses não o conhecem?”
De fato os japoneses têm em grande consideração a cultura chinesa, e o que não vem
da China é de qualidade inferior. Portanto, precisa evangelizar a China!
A coisa é séria: Xavier pensa de verdade de poder abrir a Cristo as portas do
“Celeste Império”, facilitando muito os progressos da Igreja no Japão.
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35. PROVINCIAL DOS JESUÍTAS DO ORIENTE
No fim do ano de 1551, Francisco chega a Malaca, junto com o amigo Pereira,
rico comerciante estabelecido em Cochim. Aqui, afinal, encontra umas cartas da
Europa, entre as quais uma de Inácio de Loyola que o nomeara Provincial da
Comunidade Jesuíta do Oriente, desde 1549. Além de ser Núncio Papal, agora deve
regular muitos outros problemas.
Chegando em Goa, o primeiro problema encontrado é aquele criado pelo
prepotente padre Antônio Gomes, Reitor do Colégio São Paulo. Contrariando as
intenções dos fundadores, expulsara os alunos indianos e indonésios, substituíndo-os
por filhos dos portugueses.
Sem demora, Xavier restabelece a ordem: manda de volta ao Portugal o padre
Gomes, substituíndo-o pelo padre Barzén, e coloca o Colégio nos eixos. Restabelece o
entendimento com os Franciscanos, com os Irmãos da Misericórdia e com o
Governador. Também incentiva os missionários a serem verdadeiros apóstolos do
Evangelho e dedicados à oração.
Nos tempos livres, Francisco dedica todas as suas energias aos doentes do
Hospital, aos leprosos, aos encarcerados, aos mais pobres e necessitados. Seus
cabelos estão ficando brancos, mas ele não poupa nem tempo nem vigor.
No meio de todas estas atividades e preocupações, enquanto visita e coloca em
ordem a comunidade de Goa, amadurece o plano de entrar na China acompanhando
uma embaixada do Rei do Portugal. Pereira, seu amigo, não poupa dinheiro, gastando
uma fortuna de seu próprio bolso para os presentes a serem oferecidos ao Imperador
chinês, “o Filho do Céu”.
36. CARTA A INÁCIO DE LOYOLA
No fim de janeiro de 1552, Xavier escreve a Inácio, fundador da Companhia de
Jesus:
– Meu querido pai! Recebi sua carta em Malaca...
Peço-lhe insistentemente que envie a estas terras alguém capaz para o Colégio
de Goa... A razão pela qual uns padres da Companhia devem ser enviados às
Universidades Japonesas está na desculpa que o povo dá de seus erros, já que são
cometidos e ensinados pelos seus mestres... (Mas aviso) que eles serão mais
perseguidos do que pensam. Serão ocupados todas as horas do dia e parte da noite,
por visitas e questionamentos. Serão chamados às casas não podendo recusar.
Faltará o tempo para rezar, meditar, contemplar. Nem poderão dizer Missa, pelo
menos no começo... Os japoneses são muito interrogativos e suspeitosos com
estrangeiros.
Precisa muita preparação para responder às perguntas. Precisamos de bons
filósofos e dialéticos... Estes bonzos se envergonham muito quando são
surpreendidos em contradições, ou não podem responder a uma pergunta...
Os enviados devem suportar frio intenso, sobretudo na Universidade...
Freqüentemente não terão nada para comer além de arroz, que é raro e custoso. Há
sempre um grande perigo de morte. Esta não é terra para homens idosos, nem para
jovem sem grande experiência...
A China é um país imenso, pacífico, governado por excelentes leis. Há um só
monarca e todos lhe obedecem. É um reino muito rico, com todo o tipo de provisões.
(Os chineses) são muito talentosos para os estudos, especialmente para as leis sobre
o governo... São claros, sem barba e com olhos pequenininhos... Não há guerras
entre eles... Se os japoneses souberem que os chineses acolheram a lei de Deus,
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perderão muito cedo a confiança em suas seitas. Tenho grande esperança que os
chineses e japoneses abandonarão suas idolatrias e adorarão Deus e Jesus Cristo, o
Salvador dos povos.
37. MISSIONÁRIO CLANDESTINO
Em abril de 1552, o navio Santa Cruz, comandado pelo amigo Diogo Pereira,
deixa o porto de Goa em meio a muitas festas. Destino: o “Celeste Império” chinês,
cujas portas estão cuidadosamente fechadas desde a dinastia nacionalista dos Mings,
no tempo de Marco Polo.
Mas logo nascem os imprevistos: Xavier percebe de ter esquecido em Goa suas
patentes de Núncio e, em Malaca, o “Capitão dos Mares” Álvaro de Ataíde Gama
apossa-se do navio e impede a viagem, arruinando a embaixada.
Xavier escreve indignado a Goa e Lisboa, mas as distâncias são enormes e as
comunicações demoram meses e anos. Parece que tudo está perdido, pois o tempo se
faz curto.
Assim deixa Malaca sem acompanhar a embaixada de um Rei terrestre. Agora
ele sente-se unicamente embaixador de Cristo, o verdadeiro Rei dos reis.
Se não pode entrar na China com todos os documentos e garantias dos grandes
deste mundo, entrará como missionário clandestino. Viajando no Santa Cruz, põe sua
total confiança em Deus e na solidariedade de alguns amigos. O importante é
alcançar o continente chinês. Aquele Cristo que ele carrega no peito o ajudará na
grande aventura de anunciar o amor de Deus.
38. A ILHA DE SANCIAN
A travessia se faz aventurosa, com uma calmaria de 14 dias, deixando os
tripulantes sem água. Há vários mortos. Para evitar possível epidemia, jogam-se os
cadáveres no mar. Só a intervenção de Xavier transforma a água salgada do mar em
água boa para beber. É a salvação de todos.
Finalmente o barco chega na ilha de Sancian, no começo de setembro de 1552.
Estamos a uns quinze quilômetros da sonhada terra da China. Acompanham o
missionário um estudante jesuíta, um chinês batizado com o nome de Antônio, e um
cristão indiano, Cristóvão. Vivem numa rústica cabana que o mesmo Francisco
levantou, com pranchas, folhas secas e ramos de árvores. A ilha é inóspita, povoada
por animais ferozes, inclusive o tigre selvagem. O clima é desagradável,
Todas as manhãs, Xavier celebra o santo Sacrifício numa capelinha erguida ao
lado da cabana, oferecendo a Deus o Sangue precioso de Cristo pela conversão da
China.
Tendo sido abandonado ao seu destino, Francisco conhece muito bem o perigo
que corre confiando em algum aventureiro que o leve até Cantão, o porto da China.
Nesta hora decisiva são poucos os amigos com que Xavier pode contar. Nenhum
mercador se arrisca a atravessar o grande braço de mar que separa a ilha de Sancian
do país chinês.
Francisco não desanima, até encontrar um mercador chinês que aceita tentar a
aventura em troca de pimenta no valor de 200 peças de ouro. Mas quem garante que,
durante a viagem, não o mate e jogue no mar? O pior seria renunciar à aventura
missionária.
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De fato, o honrado mercador chinês, recebida a quantia de pimenta, o abandona
e desaparece. O estudante Ferreira desiste e Francisco o dispensa de seus votos. O
cristão indiano, Cristóvão, decide voltar à sua terra. Só fica o fiel chinês Antônio.
39. FRANCISCO NA CRUZ
Aos poucos todos os barcos ancorados na ilha de Sancian vão embora. Só fica o
navio Santa Cruz. O traidor Álvaro de Ataíde da Gama recebeu ordem do governador
de Malaca para não trazer de volta Xavier. Seu desejo secreto é que morra de fome.
Por isso proibira deixar qualquer alimento para ele.
Mas Luis de Almeida não quer abandonar Xavier como lixo na ilha desabitada.
Afinal foi este ‘santo padre’ que salvou o navio da morte certa, durante a calmaria.
Na manhã de 20 de novembro de 1552 Xavier passa mal. Está com febre alta,
fortes dores e pressão violenta na cabeça. Os sintomas são de congestão pulmonar.
Luis de Almeida está preocupado. Embora correndo o perigo de ser destituído de seu
cargo e talvez perder as posses, dá ordens de levar Francisco para o navio Santa Cruz
a fim de que o missionário doente seja tratado com todo carinho.
O missionário febricitante tem a impressão de estar pregado na cruz. Beija com
ternura o Crucifixo e entrega-se confiante nas mãos de Deus. Atormentado por uma
grande febre, pronuncia palavras incoerentes, mas percebe-se que está rezando
lembrando tantos amigos que passaram na sua vida, na Índia, em Malaca, no Japão...
Nos seus delírios sonha com a China, que está aí, a poucos passos daquela ilha
solitária.
O balanço do navio parece piorar muito a situação do enfermo. Assim decidem
carregá-lo de volta para a cabana. Um cirurgião do navio lhe aplica a sangria, como
único remédio, provocando no doente terríveis convulsões. Francisco fica mais
cansado e fraco, e desmaia.
Aquele que deixou um luxuoso castelo na Espanha está às portas da morte
numa cabana de barro e folhas secas. Aquele que nasceu em solo cristão está
terminando sua existência numa ilha pagã. Aquele que assistiu tantos doentes na
hora da morte, não tem nenhum sacerdote para confortá-lo, dar-lhe a absolvição e os
santos sacramentos.
40. LÁGRIMAS NA TERRA, FESTA NO CÉU
No meio da febre e do delírio, às vezes o rosto se ilumina e seus lábios
murmuram as palavras ensinadas aos seus queridos paravás: “Jesus, Filho de Davi,
tem pena de mim! Ó Maria, mostra que és Mãe!”
No primeiro dia de dezembro, Xavier acorda do delírio e diz: “Morrerei
amanhã às duas horas da tarde”. De fato, no dia seguinte, pelas duas horas da tarde,
com o rosto iluminado duma luz inexplicável, aperta o inseparável Crucifixo sobre
seu coração, beija-o longamente com seus lábios ardendo em febre, e murmura:
“Senhor, esperei em ti; não serei confundido eternamente”.
A cabeça inclina-se para frente e sua alma é entregue ao seu Criador e Senhor. O
gigante do Oriente, depois de ter evangelizado e batizado milhares de pagãos, morre
aos 46 anos de idade, quase abandonado por todos. Mas no Céu se faz grande festa,
pois os inúmeros batizados por Francisco correm-lhe ao encontro.
O jovem professor de Paris, que se ria do aleijado Inácio de Loyola, depois de
percorrer dezenas de milhares de quilômetros anunciando o Evangelho, agora está
morto, quase abandonado, sem triunfos e glórias humanas. Mas valeu a pena ser
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“companheiro de Jesus”! Foi uma aventura que os séculos futuros não se cansarão de
admirar.
41. PERSEGUIDO ATÉ DEPOIS DE MORTO
Antônio, o fiel chinês convertido a Cristo, banhado em lágrimas, tira a velha e
surrada batina do cadáver de Xavier, guardando-a como preciosa relíquia. Sobre o
peito encontra uma cápsula, contendo a assinatura de Inácio, a fórmula dos votos e
uma parcela de osso do apóstolo Tomé, sob cuja proteção colocara seu apostolado.
Depois reveste o santo taumaturgo com vestes litúrgicas e coloca num caixão,
enchendo-o de cal viva, para as carnes ser consumidas, a fim de poder remover os
ossos até Goa.
Dois meses e meio após a morte de Xavier, é aberto o esquife. Ninguém acredita
ao milagre: o rosto está sereno e corado. O morto parece descansando. Os
paramentos estão em perfeito estado, apesar da voracidade consumidora da cal.
Todos correm para apreciar o suave perfume que sai do esquife. Realmente o
taumaturgo não parou de realizar milagres!
O corpo é recolocado na cal e transportado a bordo do navio Santa Cruz. Após
viagem tranqüila, chega a Malaca. O povo, que está sendo provado por uma epidemia
de peste e muita fome, acorre em massa até o porto para receber o corpo do ‘santo
padre’. Até muçulmanos e pagãos cerram fileiras em torno do corpo de Xavier.
O governador, ainda cheio de raiva, dá ordens de jogarem o corpo do santo
numa fossa qualquer no cemitério dos indigentes, fora da cidade. De fato, sob o olhar
estarrecido do povo, o corpo é tirado do ataúde e levado para fora da cidade. Aí é
aberta uma pequena cova onde é jogado o corpo, e coberto de terra e pedras.
Mas o santo missionário não é vingativo. No momento do sacrílego enterro,
cessa a peste na cidade. Ao mesmo tempo, chegam no porto alguns navios carregados
de mantimentos, afastando definitivamente a fome. Xavier está pagando o ódio do
governador com um milagre que manifesta todo o seu amor ao povo doente e faminto
de Malaca.
42. O TRIUNFO DO SANTO
Um ano mais tarde, exatamente à meia-noite de 15 de agosto de 1553, o padre
Beira e mais alguns amigos de Xavier aproximam-se sorrateiramente do túmulo,
descobrem o corpo e acham-no tão bem conservado como se estivesse vivo, embora o
nariz estivesse sangrando.
Sempre às escondidas, carregam nos braços o venerando corpo, transportam-no
a uma pequena ermida pertencente a Diogo Pereira, e lá o escondem aguardando
uma ocasião propícia. Diogo manda construir uma urna de madeira, forrada de
damasco, colocando sob a cabeça uma almofada de brocados.
Certa manhã chega a Malaca um navio. Uns militares entram no palácio do
governador: o criminoso inimigo de Xavier, Álvaro de Ataíde da Gama, é preso. Pelas
mesmas ruas que presenciaram o triunfo de Xavier, passa agora como prisioneiro o
cruel governador. Seus bens, confiscados, são distribuídos aos pobres. Diogo Pereira
recebe de volta o seu navio.
No mesmo navio, o governador prisioneiro e o santo taumaturgo são levados
para Goa. Depois de uma aventurosa travessia, onde o santo novamente manifesta
seus poderes milagrosos, o navio chega a Goa. A cidade em peso aglomera-se no
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porto, para receber o inesquecível e santo padre Francisco. É o amigo de todos,
cristãos e pagãos, indistintamente!
Durante quatro dias ininterruptos, a Igreja do Bom Jesus está apinhada de fiéis
que querem honrar o querido apóstolo. Vivo ou morto, Xavier exerce uma atração
irresistível. Muçulmanos, judeus, pagãos e cristãos o chamam ainda hoje de ‘santo
padre’.
Em vida, Xavier fez milagres e prodígios. Após a morte, os milagres pareceram
mais prodigiosos ainda. Em todo o Oriente a fama do grande Santo foi se espalhando
e atraindo o coração de cristãos e pagãos.
A Igreja, reconhecendo a heroísmo das virtudes de Francisco Xavier, o
proclamou Santo aos 12 de março de 1622, e o indicou como padroeiro e exemplo de
todos os Missionários.
******************************
POSFÁCIO
O jovem Guido Conforti acaba de ler a vida aventurosa do grande Apóstolo do
Oriente: São Francisco Xavier. Tem a impressão que o espírito do missionário tomou
conta dele. Parece que Francisco, lá naquela pobre barraca onde entregou a sua vida a
Deus, acena-lhe indicando-lhe a China. Parece dizer: “Guido, eu não consegui
evangelizar esse povo grande e nobre. Vá e realiza o meu sonho. A China te
pertence. Toma o meu Crucifixo e vai evangelizar!”
Na realidade, também na vida do jovem Guido está presente a figura de Cristo
Crucificado. Quando Guido era ainda pequenino, a mãe, Antônia Adorni, mulher
profundamente religiosa, mostrava-lhe um pequeno Crucifixo e dizia-lhe: “Vê como
Jesus sofreu!” Depois, tirava a cruz da parede e o pequeno colocava seu dedinho nas
chagas dos cravos ou no lado aberto e sangrando.
Aos oito anos, quando é hóspede na casa das ‘tias’ Manini em Parma e
freqüenta a escola dos Irmãos Lassalistas, Guido encontra-se novamente com o
Crucifixo. Todos os dias, a caminho da escola, passa em frente de uma igrejinha
dedicada a Nossa Senhora da Paz. O nosso pequeno Guido tem o habito de entrar
naquela Igreja para rezar. O altar mor é dominado por um grande Crucifixo. No alto
da Cruz, está uma grande figura de Cristo, com o sangue coagulado nas chagas das
mãos e dos pés, a cabeça coroada de espinhos e um rosto triste que provoca no
pequeno Guido um nó na garganta.
Aquele Cristo Crucificado o atrai. Olha-o fixo, de modo a parecer-lhe vivo e ouve
a sua voz. Fala realmente? Ou é apenas um sentimento que aflora no coração?
Quando adulto, falando aos seus futuros missionários, várias vezes Guido afirmou
que aquele Crucifixo havia-lhe dito tantas coisas, inspirando-lhe a vocação. Dizia: “Eu
olhava para Ele com ternura e Ele parecia dizer-me tantas coisa...”
Mais tarde, já Bispo de Parma, descobrindo que a igreja da Paz não é mais
destinada ao culto, procura o ‘seu’ Crucifixo e o leva para a Casa dos seus
missionários, onde se encontra até hoje, fortificando a vocação de tantos
missionários.
É o amor a este Crucifixo, morto pela salvação do mundo inteiro, que
impulsionou o grande Francisco Xavier nas suas aventuras apostólicas. Agora é o
pequeno Guido que deseja segurar o Crucifixo e, recolhendo o testamento do Xavier,
partir para a China a fim de fazer de todos os povos uma só família.
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Amigo, que leste estas páginas heróicas do Apóstolo do Oriente, talvez sentiste
vibrar teu coração no desejo de evangelizar o mundo. Lembra-te que ainda hoje “a
messe é grande e poucos são os operários” (Lc 10, 2). Talvez Deus te chama para
levar o amor do Cristo Crucificado aos irmãos. Deixa de lado teus sonhos de grandeza
e coloca-te a serviço do Reino.
A Congregação dos Missionários Xaverianos, fundada pelo bem-aventurado
Guido Conforti, te abre seus braços e te oferece a oportunidade de realizar o sonho de
todo missionário: Fazer do mundo uma só família. Quem a Deus consagra a sua
vida, receberá o cêntuplo nesta terra e a vida eterna no Céu. Qual a tua resposta?
São Francisco Xavier nasceu na Espanha em 1506 e faleceu em 1552 na China, aos 46 anos de idade. Fo
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