Domingo, 3 de Dezembro de 1952
Veneráveis Irmãos e amados Filhos!
Devotos e admiradores de S. Francisco Xavier,
Quantos hoje em número incontável vos achais reunidos na Velha Goa, adentro da majestosa
Catedral e, fora dela, à sombra dos religiosos monumentos, que ai estão atestando aos séculos a
fé e piedade dos maiores!
Desta Roma que vos enviou Francisco Xavier, e para a qual ele vos ensinou a olhar
constantemente, como para o farol de verdade salvadora, chegue até vós a Nossa palavra, para
vos dizer todo o afecto paterno, com que o Vigário de Jesus Cristo vos ama, e convosco venera
as sagradas relíquias do grande Apóstolo do Oriente e enaltece as suas glórias.
Quando há quatro séculos, tal dia como hoje, Francisco Xavier morria às portas da China, dir-se
ia morto com ele e desvanecido como un sonho o sublime ideal que o animava, de sujeitar à Cruz
de Cristo todo o Oriente recentemente descoberto.
Havia dez anos apenas que aportara à Índia. Dez anos de incessantes correrias apostólicas,
arrostando as tempestades de todos os mares, suportando imensos trabalhos e contínuos perigos
de morte em todas as terras.
Impelido da « necessidade que tinha, de perder a sua vida temporal para socorrer a vida espiritual
do próximo » (G. Schurhammer - I Wicki, S. I., Epistolae S. Francisci Xaverii, Romae 1944, Epist.
55, t. 1 p. 325), e utilizando «todo o favor e ajuda que o Rei e a Nação portugueses, como tão
desejosos de ver todas essas partes de infiéis convertidas à Fé de Cristo Nosso Redentor, con
muita abastança, muita caridade e amor punham à sua disposição » (Epist. 48 op. c. t. II p. 273)
viram-no chegar, deter-se, prosseguir - Moçambique, Socotorá, Goa, Travancor, a Costa da
Pescaria e Cabo de Comorim, Ceilão, Malaca, Amboino, Molucas, Moro, e lá nos berços do sol,
mal descoberto ainda, o Japão.
Forçado e esforçado da caridade de Cristo, como o Apóstolo das Gentes (2Cor. 5, 14), sentia-se
chamado a explorar e desbravar e lançar à terra as primeiras sementes, deixando aos
continuadores da sua obra o cuidado de regar e cultivar e colher os frutos.
Quando porém o zelo insaciável o impelia para a China, « desamarrado de todo o favor humano »
(Epist. 125 op. c., t. II p. 472) e oferecido a toda a sorte de cativeiros e cadeias e tratos e martírios
(cfr. Epist. 135 op. c., t. II p. 512; Epist. 131 op. c., t. II p. 493 s.), na convicção de que, abraçando
ela o Evangelho, faria ajoelhar toda a Ásia aos pés de Cristo, a inescrutável Providência diz-lhe :
Basta!, e a morte colhe-o só, desvalido de todo o conforto humano, numa ilha deserta daqueles
mares.
Morre!
Mas o Oriente todo, testemunha e teatro do seu incomparável apostolado, deslumbrado pelos
incêndios do seu zelo e mais pelos fulgores de sua santidade, teve logo a intuição de que aquela
morte era antes o princípio de uma nova e mais operosa vida.
Já o transporte fúnebre das suas relíquias foi um triunfo. Malaca, que fora o seu último Calvário,
foi a primeira a glorificar o Padre Santo e a gozar dos seus milagres.
Goa tributou-lhe, a título de exéquias, o maior triunfo, qual nem os capitães mais venturosos, nem
os maiores vice-reis e príncipes tinham visto ou veriam jamais. O concurso gigantesco e
ininterruto daqueles três dias, a venerar os despojos mortais do Padre Santo, preludiava aos
imensos concursos de centenas de milhares e de milhões de peregrinos, que periòdicamente se
haviam de repetir até ao dia de hoje.
Depois, as graças extraordinárias, que se multiplicam à invocação do seu nome, ao contacto das
suas relíquias, junto do seu túmulo ou nos lugares particularmente santificados pela sua
presença, se provam que morto vive em Deus, difundem o seu culto, com vantagem da fé, entre
cristãos e não cristãos de todas as estirpes e nacionalidades.
Mas é sobretudo o seu exemplo conquistador, o seu espírito, que, comunicando-se a legiões de
apóstolos continua o seu apostolado póstumo. Outrora não partiam de Lisboa novos arautos do
Evangelho, que não fossem junto do seu altar implorar-lhe a protecção e jurar seguir-lhe as
pisadas. Desembarcados em Goa, acorriam ao Bom Jesus, para ali, junto do seu sepulcro, se
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embeberem do seu espírito e se inflamarem mais vivamente do seu zelo. Gonçalo da Silveira no
Monomotapa, Oviedo e Apolinar de Almeida na Etiópia, Rudolfo Acquaviva na fastosa corte do
grande Akbar, Nóbili e Brito, Alvares e Abreu na India e Tonkim, Ricci, Spínola, Mastrilli e tantos e
tantos outros Missionários e Mártires, que são senão a sobrevivência do espírito de Xavier, o
prolongamento do seu apostolado?
E não só os irmãos de armas da que ele chamava « a santa Companhia do Nome de Jesus »,
mas todas essas legiões de apóstolos de todas as Ordens e Congregações religiosas: haverá
alguns a quem os Superiores, mandando-os com a bênção de Deus ao Oriente, não tenham dito,
como S. Vicente de Paulo aos seus Padres, enviando-os a Madagascar : « O vosso primeiro
cuidado seja modelar os vossos passos pelo exemplo do grande S. Francisco Xavier »?
E os frutos do apostolado aí estão.
E verdade que cinquenta ou setenta anos depois da morte de Xavier sobrevêm tempos difíceis a
quase todas as cristandades por ele fundadas. Na Costa da Pescaria e Travancor os inimigos da
verdadeira Fé metem a duríssima prova os fiéis : corre em abundância o sangue dos mártires;
mas a cristandade resiste, vence, multiplica-se; e hoje, quatro séculos volvidos, aí estão eles,
católicos ferventes, gloriando-se de serem por antonomásia « os filhos de S. Francisco Xavier », e
dão à Igreja o primeiro Bispo indiano e ao Governo civil o primeiro Ministro católico.
Nas ilhas do Pacífico, diminuido o prestígio lusitano, retomam o predomínio os implacáveis
inimigos da Cruz, e declaram guerra de extermínio aos cento e cinquenta ou duzentos mil
católicos, em que se tinham multiplicado os vários núcleos plantados por Xavier. O sultão de
Ternate passa sessenta mil aos fios da espada; duas das ilhas de Moro são literalmente
despovoadas. A cristandade de Amboino, Celebes e Moluco fenece, mas deixando no
martirológio da Igreja uma página gloriosa, escrita com o sangue dos seus mártires; - porque eles,
como aquele heróico cristão de Amboino, embora « pobres filhos das selvas e ignorantes, uma
coisa sabiam que Lhes ensinara o Padre Mestre Francisco : sabiam que era coisa boa dar a vida
por Jesus Cristo » (Nuovi Avisi delle Indie - Quarta parte, Venetia, 1566 f. 102).
E o Japão? As risonhas esperanças de Xavier eram uma profecia. Poucos anos volvidos, os mil
cristãos que ele lá deixara, crescem a setecentos ou oitocentos mil, aspirantes todos a virtude
heróica e sedentos de martírio. E a perseguição rebenta. Duzentos e cinquenta anos de
perseguição implacável, metódica, refinadamente cruel, uma das mais terríveis que nunca sofreu
a Igreja. Então os fiéis, pela pena de um deles, « dão graças a Deus de que pelos méritos do
Padre Mestre Francisco e pela Misericórdia divina, agora são verdadeiros discípulos de Jesus
Crucificado, e esperam sê-lo constantes até ao fim » (Lettera originale dei Cristiani di Miyaco al P.
Generale S. I., 10 Magg. 1588 - Arch. Rom. S. I., Iap. - Sin. 186). Entretanto o mar de sangue
cresce, cresce sempre e acaba por submergir nos seus vórtices a cristandade japonesa. E
todavia, milagre da graça! ela não desaparece de todo: sobreviveu e sobrevive nos trinta ou
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quarenta mil cristãos que, « errando nas solidões, acolhendo-se aos montes, refugiando-se nas
grutas e cavernas da terra » (cfr. Hebr. 11, 38), conseguiram salvar até aos nossos dias as
relíquias da Fé dos avós, 1á pregada por Xavier.
E Goa, essa imperial Goa, a quem Xavier com tanto entusiasmo consagrou as primícias do seu
zelo na Índia, que tanta vez e com tanto amor voltou a edificar com heróicas virtudes e fadigas
apostólicas, Goa que se ufana de possuir nas suas relíquias o maior tesoiro do Oriente e a mais
segura garantia da paz e prosperidade dos seus moradores, não lhe deve a ele, mais que a
ninguém, o ter sido durante dois longos séculos o mais potente foco de irradiação do Evangelho
por toda a Ásia e Indonésia, e ser ainda hoje, graças à viva fé e religiosidade dos seus filhos, a
cidade e arquidiocese onde mais numerosas desabrocham as vocações religiosas e sacerdotais,
a ponto de ter enviado generosamente muitos operários evangélicos a outras partes da grande
Índia mais falhas de clero?
O apostolado póstumo de Xavier! É sobretudo por ele, que « a sua glória cresce de geração em
geração », circundando da mais refulgente auréola as relíquias do grande apóstolo e modelo de
apóstolos.
Oh ! praza aos céus que este quarto centenário do seu bem-aventurado trânsito, celebrado
quando uma nova e tremenda borrasca esbraveja sobre tantas Missões católicas, sirva a
acrescer cada vez mais a confiança no seu patrocínio; para que venha em auxílio dos pacíficos
exércitos de Deus, tão duramente provados, para que suscite por toda a Igreja numerosas e
selectas vocações missionárias, quais o mesmo Xavier as desejava, capazes de assimilar e
realizar os grandes ideais por que ele combateu e morreu.
Pelos méritos do grande Taumaturgo desçam copiosas as bênçãos do céu sobre as terras da
Península Ibérica, Espanha e Portugal, que em Francisco Xavier deram à Ásia o seu segundo
Apóstolo; sobre o Nosso digníssimo Legado, sobre todos vós, Veneráveis Irmãos e amados
Filhos; sobre a arquidiocese de Goa que se ufana de guardar suas relíquias e de o venerar como
especialíssimo Protector; sobre todos os povos da vasta Índia e de todo o Oriente hoje aí
representados e unidos na veneração do seu imortal Apóstolo.
Enquanto Nós, como penhor das graças de Deus, vos damos com todo o afecto da Nossa alma a
Bênção Apostólica.
(*) Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol XIV, pág. 403-409.
São Francisco Xavier nasceu na Espanha em 1506 e faleceu em 1552 na China, aos 46 anos de idade. Fo
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sábado, 24 de novembro de 2018
1952: Mensagem do Papa PIo XII aos devotos de São Francisco Xavier
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