No passado, como em toda a sociedade onde o homem atuava e, especialmente na Índia, o ser humano não bastava a si próprio e olhava o próximo como fonte de ganho pela força, assegurando os bens do próximo, suas terras, seus planos, suas aquisições, suas conquistas e, se possível fosse, seu pensamento. Hoje nós sabemos que não podemos julgar o homem de outros tempos à luz da nossa experiência. Daí as desavenças, os desentendimentos, o confronto e, favorecido pelas inúmeras castas existentes, finalmente, a guerra de fato.
Está citado no Livro do Eclesiástico, capítulo 3: “Os pensamentos dos homens são tão numerosos como as imaginações perversas que os seduzem”.
Os badegás eram um povo guerreiro, porém ignorante e preconceituoso, habitando uma sociedade de castas. Com certa frequência, montados em elefantes, atacavam os pescadores do Cabo Camorim, lançando flechas envenenadas e incendiando suas casas. Não aceitavam os paravás por considerar uma raça inferior. Roubavam seus pertences e escravizavam suas mulheres e filhas. Os paravás era uma casta inferior que sobreviviam da pesca de pérolas no Cabo Camorim. Os badegás não faziam distinção de ninguém e matavam famílias inteiras. Muitos conseguiam fugir e os que permaneciam ilesos eram levados prisioneiros. Outros que sobreviviam eram empurrados para os desfiladeiros junto ao mar e acabavam morrendo de fome e sede. Inúmeras vezes, Xavier protestou duro junto ao governador geral porém, o interesse político em deixar tudo como estava, sobrepujava o da missão.
Arrumando seus pertences na sacola para retornar a Meliapur, Xavier foi interrompido por um mensageiro implorando alterar sua missão e correr em socorro dos paravás e se dirigir urgente à Costa da Pescaria.
– Os badegás estão encurralando os paravás para os rochedos do mar onde estão morrendo de sede e fome.
O jesuíta decidiu dar um basta. Agiu rápido, arrecadando mantimentos suficientes junto aos mais ricos que não tinham condições de negar nada a ele. Contra o desejo de todos que imploravam para Xavier não ir e ser morto, ele abarrotando uma flotilha de 20 fustas alugadas e com alimentos, foi acompanhado de alguns cristãos corajosos prontos para morrer, se necessário fosse.
Enfrentou durante oito dias o mar encapelado no estreito entre a ilha de Ceilão com o Cabo Camorim; a flotilha foi arrastada pela correnteza 10 milhas norte, tendo que descarregar as fustas e regressar por terra, com ajuda de poucos escravos contratados, carregando com dificuldade o peso das compras. Enquanto isso os paravás continuavam morrendo de fome e sede, alguns se atiravam ao mar em desespero. Xavier orando, se ajoelha no chão, suplica a Deus, por certo relembrando-se do salmo 26:
“O Senhor é o protetor de minha vida, de quem terei medo? Quando os malvados me atacam para me devorar vivo, são eles, meus adversários e inimigos, que resvalam e caem. Se todo um exército se acampar contra mim, não temerá meu coração. Se se travar contra mim uma batalha, mesmo assim terei confiança”.
Nas paradas para descanso e, foram muitas, Xavier exausto pela caminhada difícil sobre a areia, adormeceu profundamente e sonhou. Acordou decidido, levantou-se e voltando para seu exército de Branca Leone que o acompanhava, exclamou:
– Segui-me, Deus é por nós.
Depois, avistando ao longe os inimigos, Xavier aproximou-se do grupo e, voltou-se para os companheiros e pediu para aguardá-lo. Caminhou sozinho para o encontro com os badegás e a morte, se necessário fosse.
Nesse instante, Deus tratou de bloquear os olhos de todos os guerreiros. A primeira linha de infantaria montada em elefantes fica indecisa, vendo um gigante ameaçador de 4 metros se aproximar com o braço direito estendido e crucifixo na mão, com os olhos cuspindo fogo e se apavoram. Os mais valentes ameaçam um passo à frente, mas acabam retornando com o recrudescimento de Xavier. Na correria esmagam alguns companheiros vindos detrás. A maioria se precipita uns sobre os outros e fogem. A partir de então nunca mais os paravás foram torturados e roubados pelos badegás. A simples menção de seu nome impunha pavor nos badegás, mesmo quando ele já estava em missão no Japão.
Colaboração: Ubirajara de Carvalho
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